União quer negociar R$ 104 bi de dívidas não tributárias
Por Guilherme Pimenta — De Brasília
Com a ampliação do Programa de Transação Integral (PTI) no Orçamento de 2026, as empresas poderão negociar mais de R$ 100 bilhões em dívidas não tributárias com agências e órgãos reguladores a partir do ano que vem. No Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) encaminhado ao Congresso Nacional na sexta-feira passada, a equipe econômica incluiu uma estimativa de receita de R$ 8 bilhões com a possibilidade de negociação de dívidas e multas não pagas a partir de 2026 – o que hoje é vedado.
Segundo o Valor apurou, o governo já trabalha em um decreto que vai instituir um balcão único de negociação com a União, que será comandado pela Advocacia-Geral da União (AGU) e Ministério da Fazenda. Dessa forma, a empresa interessada em aderir poderá incluir no pacote não somente dívidas tributárias, como é permitido hoje pelo próprio PTI, mas também o passivo que tem junto às agências e autarquias.
Dados do Tesouro Nacional indicam que, no fim de 2024, havia R$ 104 bilhões de passivos junto a agências e autarquias. Esse valor tende a aumentar a partir do início do próximo ano – no modelo atual, sem a possibilidade de negociação dessas dívidas, somente R$ 34 bilhões são considerados recuperáveis, já que hoje essa cobrança é feita basicamente por meio das ações de execução fiscal.
Com a possibilidade de negociar, o montante recuperável será superior, segundo fontes ouvidas pelo Valor. Atualmente, as maiores dívidas são, na seguinte ordem, com: Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Banco Central do Brasil (BCB), Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
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Tradicionalmente, há uma dificuldade na cobrança dos valores resultantes de multas aplicadas. Além de não gerar arrecadação para o governo federal, há também um enfraquecimento do enforcement dos órgãos de controle para punir irregularidades setoriais.
Essa é uma das medidas de receitas extraordinárias que constam no PLOA 2026 para o atingimento da meta de superávit de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB) no próximo ano. O governo ainda espera arrecadar R$ 20 bilhões com o modelo atual do PTI, de negociação de dívidas tributárias com o Fisco.
O compartilhamento entre AGU e Fazenda no comando do balcão único ocorrerá porque a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), vinculada à pasta econômica, também está sob o guarda-chuva da AGU, bem como a Procuradoria-Geral Federal (PGF), responsável pelas cobranças não tributárias.
Mas no caso das dívidas tributárias, no âmbito do PTI, há compartilhamento de atribuições com a Receita Federal em alguns casos, já que empresas interessadas podem negociar teses que ainda não chegaram ao Judiciário. Portanto, chegou-se ao entendimento de que o balcão será compartilhado entre os órgãos.
Na coletiva de imprensa para detalhar o PLOA, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, explicou que a expansão do PTI para dívidas não tributárias foi um pedido das próprias empresas ao governo, já que há casos nos quais a companhia quer negociar dívidas junto a agências reguladoras, além das tributárias.
Expansão do PTI é positiva e um reforço relevante para as contas de 2026”
— Tiago Sbardelotto
Ano passado, o governo abriu temporariamente a possibilidade de negociar dívidas não tributárias com as agências e órgãos reguladores no âmbito do chamado “Desenrola das Agências”. Até o início de janeiro, quase R$ 3 bilhões haviam sido arrecadados por meio do programa, o que superou as expectativas da própria AGU.
O PTI, por sua vez, tem gerado resultados à Fazenda ao longo deste ano. A PGFN divulgou recentemente que os acordos realizados até o fim de agosto já permitiram uma arrecadação de R$ 10 bilhões aos cofres do Tesouro – o PTI como um todo tem a previsão de arrecadar pouco mais de R$ 30 bilhões este ano.
“Diante do sucesso crescente da transação tributária, nada mais natural do que as pessoas jurídicas e as pessoas físicas, se for o caso, procurarem a União (PGF e PGU) para negociarem suas dívidas não tributárias, mas inscritas em dívida ativa”, comentou Lana Borges, ex-subprocuradora geral da Fazenda Nacional, hoje sócia do escritório Bermudes Advogados.
Segundo ela, os desafios são, agora, dar publicidade à regra que vai instituir o balcão único e apresentar as vantagens finais. “Mais um passo na mesma direção do que já vem acontecendo com o Desenrola Agências Reguladoras, programa criado em outubro de 2024”, disse.
Para Tiago Sbardelotto, economista da XP, a expansão dessa sistemática do PTI para dívidas não tributárias é positiva e “um reforço relevante” para as contas de 2026, em face dos desafios de atingir o superávit de 0,25% do PIB no próximo ano.
Ele ainda avaliou que essa medida “tende a ter um grau de certeza maior do que outras medidas encaminhadas no orçamento de 2026, como a redução de benefícios tributários, que depende de aprovação do Congresso Nacional”.
“É uma inovação importante. Nós temos visto o governo ter algum sucesso, ainda que abaixo das estimativas oficiais, nas discussões envolvendo transações tributárias. Muitas vezes são acordos pequenos que envolvem várias empresas e cujo impacto individual é pequeno, mas no agregado se torna significativo”, comentou.
Procurada, a Receita Federal se limitou a dizer que o balcão será compartilhado entre Fazenda e Advocacia-Geral da União.
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