Tribunais administrativos negam créditos de ICMS sobre insumos intermediários

Por Arthur Rosa — De São Paulo

Os tribunais administrativos têm negado créditos de ICMS sobre materiais listados por contribuintes como insumos “secundários ou intermediários”. Levantamento feito pelo escritório Gaia Silva Gaede Advogados mostra que a maioria das decisões proferidas não aplica os critérios definidos em julgamento da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Nas instâncias inferiores do Judiciário, porém, a situação é favorável às empresas.

Em outubro de 2023, a 1ª Seção, que reúne os ministros da 1ª e 2ª Turmas, assegurou a uma agroindústria paulista o direito a créditos de ICMS. No caso, a relatora, a ministra Regina Helena Costa, considerou, com base na Lei Kandir (nº 87, de 1996), “cabível o creditamento referente à aquisição de materiais (produtos intermediários) empregados no processo produtivo, inclusive os consumidos ou desgastados gradativamente, desde que comprovada a necessidade de sua utilização para a realização do objeto social da empresa – essencialidade em relação à atividade-fim” (EAREsp 1775781).

O estudo localizou 100 decisões em tribunais administrativos tributários de 7 Estados, proferidas entre outubro de 2023 a maio de 2025, com maior concentração em São Paulo (39), Rio de Janeiro (24) e Minas Gerais (16). Do total, 77 foram desfavoráveis e apenas 10 citam o julgamento do STJ, mas afastam sua aplicação sob o argumento de que o precedente não teria caráter vinculante ou por entenderem que os materiais não se enquadram nos critérios estabelecidos – como soldas, facas, correntes, eletrodos e arames.

No Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) de São Paulo, a 5ª Câmara de Julgamento negou créditos de ICMS a um fabricante de tintas. Em seu voto, o relator, juiz Ramon Leandro Freitas Arnoni, afirma que as decisões do STJ apresentadas pelo contribuinte “não são aptas” a afastar entendimento consolidado em decisões normativas da Coordenadoria da Administração Tributária (CAT).

“Motivo pelo qual adiro ao entendimento deste egrégio tribunal, por meio de sua Câmara Superior, que não considera como critério de creditamento a essencialidade dos bens para o processo produtivo, mas exclusivamente do consumo imediato e da integração ao produto final”, afirma ele (recurso nº 4146294-4).

Georgios Anastassiadis, sócio do escritório Gaia Silva Gaede Advogados, destaca que a falta de um precedente vinculante é o principal motivo para as derrotas dos contribuintes. Segundo ele, não há no STJ, por ora, nenhuma decisão que obrigue a esfera administrativa a seguir o entendimento, por não serem proferidas por meio de recurso repetitivo (leia mais abaixo).

Diante da consolidação do entendimento no STJ, acrescenta, os contribuintes aguardam também que o Supremo Tribunal Federal (STF) reveja sua jurisprudência, “que adota critério mais restritivo”. A revisão poderá ocorrer por meio de recurso (RE 1424015) contra decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) por meio do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) nº 10, no qual se reafirmou a tese de que apenas os bens consumidos de forma imediata e integrados fisicamente ao produto final dariam direito ao crédito.

No Judiciário, porém, segundo o estudo da banca, a situação é favorável ao contribuinte. Foram analisadas 131 decisões judiciais em 16 Estados – a maioria de São Paulo e Rio de Janeiro. Do total, 90 decisões aplicaram os critérios do STJ, ainda que apenas 33 tenham mencionado expressamente o EAREsp 1775781. Outras 41 decisões, por outro lado, seguiram orientação mais restritiva. Exigem o consumo imediato ou a integração ao produto final para o reconhecimento do direito ao crédito.

O STJ tem garantido o direito de crédito com base na LC nº 87/1996”
— Douglas Campanini
Recentemente, a 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negou recurso do Estado contra decisão que beneficia uma indústria de peças para máquinas agrícolas. A fabricante buscava, entre outros, créditos de ICMS sobre areia industrial, usada como material intermediário e, segundo ela, “imprescindível no processo produtivo”.

Em seu voto, o relator do caso, desembargador Paulo Galizia, cita o julgamento pelo STJ do EAREsp 1775781 e afirma que “por mais que parte da areia seja consumida de forma gradativa e não imediata, há direito ao aproveitamento dos créditos de ICMS”.

“Com a edição da LC [Lei Complementar ] nº 87/1996, ampliaram-se significativamente as hipóteses de creditamento de ICMS, permitindo o aproveitamento dos créditos referentes à aquisição de quaisquer produtos intermediários, ainda que consumidos ou desgastados gradativamente, desde que comprovada a necessidade de sua utilização para a realização do objeto social do estabelecimento empresarial”, afirma o desembargador (processo nº 1041542-89.2018.8.26.0053).

Douglas Rogério Campanini, sócio-diretor na Athros Auditoria e Consultoria, destaca que o STJ tem garantido o direito de crédito com base na LC nº 87/1996, enquanto a Fazenda de São Paulo, por exemplo, ainda adota os critérios previstos no Convênio nº 66, de 1988, do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que é anterior. “Os Estados vêm restringindo o direito ao crédito de ICMS em razão da arrecadação. O entendimento do STJ é o mais adequado. Mas o contribuinte tem que tomar cuidado e justificar com laudos ou documentos que aqueles itens são necessários para a sua atividade, mesmo que não integrem o produto final”, diz.

Para a advogada Bruna Souza, tributarista do Abe Advogados, apesar do cenário mais restrito observado na esfera administrativa, a expectativa é de que, na esfera judicial, os tribunais passem, cada vez mais, a adotar o critério da essencialidade do insumo para a atividade-fim da empresa, conforme recentes julgamentos do STJ. “Esses precedentes da Corte Superior superaram a orientação restritiva antiga que exige o necessário consumo imediato ou integração física ao produto para o reconhecimento do crédito.”

Por Valor

22/10/2025 00:00:00

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