TJRJ responsabiliza marketplaces por ICMS não recolhido por lojistas
Por Adriana Aguiar — De São Paulo
Os marketplaces sofreram um revés em uma importante discussão tributária. O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) considerou constitucional lei que responsabiliza empresas como Mercado Livre, Magazine Luiza e Americanas pelo não pagamento de ICMS por parte dos lojistas que comercializam produtos em suas plataformas de venda on-line.
Além do Rio, Bahia, Ceará e Mato Grosso editaram leis semelhantes, entre 2019 e 2020. O dever de fiscalizar surgiu com o crescimento desses shopping centers virtuais. As vendas on-line – próprias e de terceiros – somaram R$ 161 bilhões em 2021, 27% a mais do que em 2020, segundo a empresa de pesquisas Neotrust.
A norma do Rio foi questionada por uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) proposta pelo então deputado estadual Chicão Bulhões (Partido Novo), que renunciou ao mandato para exercer a função de secretário municipal. A Lei, de nº 8.795, foi publicada em 2020 (Adin n° 0040214-33.2020.8.19.0000).
Na ação, ele alega que os artigos 15 e 18 da lei, que tratam da responsabilidade dos marketplaces pelo ICMS não recolhido por lojistas e do recolhimento do tributo sobre as mercadorias digitais vendidas nas plataformas, violariam dispositivos da Constituição Estadual.
No julgamento, os desembargadores do TJRJ consideraram constitucional o artigo 18, inciso IX, da lei. Pelo dispositivo, podem ser responsabilizados “nas operações com mercadorias não digitais o proprietário ou possuidor de site ou de plataforma eletrônica que realize a oferta, captação de clientes ou venda, em razão de contrato firmado com o comercializador, quando operacionalizar a transação financeira e o acompanhamento do pedido, sem que seja emitida nota fiscal obrigatória”.
A relatora, desembargadora Leila Albuquerque, entendeu que a responsabilização do intermediador do pagamento, seja instituição financeira ou a própria plataforma eletrônica nas hipóteses deste realizar a oferta, captação de clientes ou venda das mercadorias não digitais “não viola dispositivo legal geral do Código Tributário Nacional [CTN]”.
De acordo com o artigo 128 do CTN, citado na decisão, “a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação”.
A decisão acendeu um sinal de alerta no setor. Sócio do Almeida Advogados e atual coordenador do Comitê Tributário da Câmara Brasileira da Economia Digital, que tem entre seus associados Americanas, Mercado Livre e Magazine Luiza, Rodrigo Petry afirma que existe um certo desconhecimento sobre essas operações.
“Os marketplaces nada mais fazem do que prestar um serviço ao lojista, ao disponibilizar uma vitrine virtual para que anuncie seus produtos”, diz ele, acrescentando que, após a venda, não teriam controle da operação – da emissão de notas fiscais – e, portanto, não poderiam ser responsabilizados solidariamente.
Caso essa decisão do Rio prevaleça, afirma o advogado, poderá representar um custo adicional significativo ao mercado. “Teriam que investir no compliance tributário, nesse controle interno, que talvez seja até impossível de ter.”
Levantamento realizado pelo advogado Douglas Mota, do Demarest Advogados, aponta que essa é a primeira decisão sobre o tema nos tribunais. Para ele, o entendimento não seria correto, uma vez que, em geral, esses marketplaces apenas disponibilizam o local para a loja anunciar seus produtos, sem ter qualquer participação na compra e venda.
Ele lembra que o Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF) esclareceu, em repercussão geral, em 2012, que a possibilidade de atribuição de responsabilidade a terceiros mediante expressa previsão legal “não autoriza o legislador a criar novos casos de responsabilidade tributária, sem a observância dos requisitos exigidos pelo artigo 128 do CTN” (RE 562276).
Maurício Faro, do BMA Advogados, também não concordou com a decisão, por não ver, na atividade desses intermediários, fato gerador para o ICMS para justificar responsabilização. “Isso traz insegurança para uma atividade econômica que tem demonstrado ser extremamente importante para o desenvolvimento de contribuintes e, até mesmo, para o recolhimento de tributos”, diz.
No mesmo julgamento, o Órgão Especial declarou inconstitucionais previsões dos artigos 15 e 18 sobre a incidência de ICMS nos produtos digitais disponibilizados pelas plataformas. Na decisão, cita julgamentos do STF (ADI 5659 e ADI 5576) que estabeleceram a incidência de ISS.
Por nota, a Secretaria da Fazenda do Estado do Rio de Janeiro afirma que aguardava o reconhecimento da constitucionalidade da responsabilidade dos marketplaces. “Em paralelo, vem trabalhando na regulamentação do tema e na adequação dos seus sistemas, entendendo que essa lei é um avanço no fomento à conformidade tributária”, diz, acrescentando que ainda não foi notificada da decisão judicial.
Também por nota, o Mercado Livre informa que acompanha a discussão, já que atua proativamente para a conformidade tributária das atividades dos seus usuários vendedores. Atualmente, 5% das vendas da plataforma são de contribuintes isentos por lei e 95% das vendas são efetuadas com obrigatória comprovação da emissão de nota fiscal. Em 2021, afirma, a empresa pagou diretamente mais de R$ 2,5 bilhões em tributos, mais do que o dobro de 2020. Americanas e Magazine Luiza não deram retorno até o fechamento da edição. Os advogados do ex-deputado Chicão Bulhões na ação não foram localizados.