STF valida Difal do ICMS a partir de 2022 e nega cobrança retroativa
Por Marcela Villar — De São Paulo
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Ariane Guimarães: “Foi um ganho, não para todos, mas para aqueles que têm ação judicial” — Foto: Divulgação
A discussão sobre o diferencial de alíquotas (Difal) do ICMS no Supremo Tribunal Federal (STF) parece ter chegado ao fim e, apesar da derrota no mérito, os contribuintes comemoram o fato de ter sido vedada a cobrança retroativa. Os ministros, em julgamento finalizado à meia-noite de terça-feira no Plenário Virtual, reafirmaram o entendimento de que os valores só podem ser cobrados a partir de abril de 2022, como defendiam os Estados. Os contribuintes argumentavam que só poderia ser exigido a partir de 2023.
As companhias que entraram com processo judicial até novembro de 2023 não precisam pagar o Difal de 2022. Esse era o principal pleito dos contribuintes, pois o STF já havia entendido de forma desfavorável a eles em 2023, exigindo o diferencial de alíquotas desde abril de 2022. A esperança era a modulação – a partir de quando o entendimento passava a ter efeitos.
O Difal de ICMS é usado para dividir a arrecadação do comércio eletrônico entre o Estado de origem da empresa e o do consumidor. O tema interessa particularmente as varejistas. Os Estados estimavam que a tese teria impacto de R$ 9,8 bilhões, se a cobrança só pudesse ser feita a partir de 2023. Já as empresas estimavam passivo de R$ 1,32 bilhão em relação ao comércio eletrônico de 2022.
A discussão ainda poderia afetar a União, pois os valores de Difal do ICMS pagos podem ser abatidos do Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL no caso das empresas no lucro real, que têm faturamento acima de R$ 78 milhões. Isso foi abordado no voto do ministro Gilmar Mendes. Ele defendeu a modulação para evitar prejuízo nas contas públicas, em um momento que o governo busca meios para zerar o déficit.
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Segundo Mendes, a cobrança retroativa “implicaria uma perda de arrecadação para a União da ordem de R$ 3,77 bilhões em valores de 2022, ou R$ 4,21 bilhões em valores atualizados para fevereiro de 2025”. Por isso, seria necessário preservar o “interesse social”, que “transcende a mera proteção de um grupo de contribuintes e abarca o interesse fiscal do próprio Estado brasileiro”.
Prevaleceu o voto do ministro Flávio Dino. O placar final ficou em nove a dois. Dos nove, apenas o relator, Alexandre de Moraes, não votou pela modulação dos efeitos. Já os ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia divergiram no mérito, entendendo que a cobrança do Difal de ICMS só poderia ocorrer a partir de 2023.
O debate gira em torno da aplicação da anterioridade nonagesimal (de 90 dias) ou anual, após a entrada em vigor da Lei Complementar (LC) nº 190/2022, que regulamenta o Difal. O STF julgou o tema em 2023, por meio de ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs). Decidiu que deveria ser aplicada a regra dos 90 dias, autorizando a cobrança desde abril de 2022 – entendimento agora mantido.
A exigência do Difal do ICMS era realizada por meio de normas estaduais, com base na Emenda Constitucional nº 87, de 2015. Mas ela foi declarada inválida pelo STF. Para os ministros, os Estados ficariam impedidos de cobrar o imposto a partir de 2022 se, até essa data, não fosse editada lei complementar (Tema 1093). Como a LC nº 190/2022 só foi sancionada em janeiro de 2022, surgiu a discussão sobre a cobrança ser feita em 2022 ou apenas em 2023 (ADI 7066).
No julgamento desta semana, os ministros analisaram um recurso em repercussão geral, que vincula todo o Judiciário. É uma ação da empresa ABC da Construção contra o Estado do Ceará para que fosse cobrado o Difal só a partir de 2023.
No voto, Dino manteve a decisão do STF de 2023, mas defendeu que era preciso modulá-la para “evitar surpresa fiscal retrospectiva”, pois contribuintes “planejaram seus preços, fluxos de caixa e obrigações acessórias pressupondo que a cobrança somente ocorreria em 2023”. “A exigibilidade universal do Difal já em 2022, sem qualquer ressalva aos contribuintes que antecipadamente judicializaram o tema, afronta os postulados da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima”, afirma.
Segundo o advogado Leonel Bispo, sócio do escritório Bispo, Machado & Mussi Advogados, que representa a ABC da Construção no caso, o Supremo já havia decidido que entre janeiro e abril de 2022 não poderia ser cobrado o Difal de ICMS. “A novidade agora é a modulação dos efeitos. O contribuinte que não pagou o Difal em 2022 não pode ser cobrado”, diz. Para Bispo, quem pagou não poderá pedir de volta.
Já a advogada Ariane Guimarães, sócia do Mattos Filho, entende que é preciso aguardar a publicação do acórdão para entender essa questão. “Não está claro ainda. Mas quem pagou e não transferiu para o consumidor final também poderia recuperar o Difal, porque o motivo que serviu para a modulação é que não houve repasse”, afirma.
Os números de impacto apresentados pelos Estados, de acordo com ela, são “inverossímeis”. “Não houve arrecadação, então os Estados não vão ter que devolver”, diz Ariane, citando levantamento feito pelo escritório em que mapeou os orçamentos estaduais em 2022. “Descobrimos que os Estados não tinham previsão de arrecadar, porque a lei complementar não tinha sido sancionada ainda.”
Ela entende o resultado do julgamento como vitória, pois “reafirma que a LC 190 sempre sinalizou a postergação do prazo de vigência”. “Foi um ganho, não para todos, mas para aqueles que têm ação judicial.” Bispo também comemorou o resultado. “Antes dessa decisão de agora, os Estados poderiam cobrar o Difal de contribuintes que não tivessem pago. Agora, quem não pagou os tributos em 2022, não pode ser cobrado, se tiver ação judicial”.
O parâmetro usado na modulação, adiciona, beneficia os contribuintes “proativos”. “A Corte costuma dar um tratamento melhor para o contribuinte que ajuizou a ação em comparação ao contribuinte que ficou só esperando a definição por parte da Corte”. Pelo placar, ele acha difícil um recurso mudar a decisão.
Em nota ao Valor, a Procuradoria-Geral do Ceará (PGE-CE) diz que, “em alinhamento com a Secretaria da Fazenda do Estado do Ceará, está analisando o impacto da decisão e avaliando a necessidade de tomar providências recursais”.