STF revê modulação e impede cobrança retroativa de ICMS
Por Luiza Calegari — De São Paulo
O Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou pedido dos contribuintes para rever e esclarecer a modulação de efeitos aplicada no julgamento que afastou a incidência do ICMS nas transferências interestaduais de mercadorias entre estabelecimentos de uma mesma empresa. A decisão impede os Estados de cobrar o imposto estadual sobre operações realizadas antes de 2024 – marco temporal adotado pelos ministros.
A não incidência do ICMS foi definida pelo Supremo na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 49, em 2021. Dois anos depois, houve modulação dos efeitos da decisão, para que só tivesse efeito a partir do exercício financeiro de 2024, exceto para empresas que tivessem processos administrativos e judiciais pendentes até a data de publicação da ata do julgamento do STF, que ocorreu em 29 de abril de 2021.
O problema é que, depois da modulação, alguns Estados começaram a lavrar autos de infração para os exercícios financeiros entre a data de publicação da ata e o início da vigência da decisão – ou seja, de maio de 2021 até dezembro de 2023. Porém, para tributaristas, não faz sentido cobrar um imposto que foi declarado inconstitucional em razão da modulação de efeitos.
Os contribuintes já tinham tentado restringir a cobrança em embargos de declaração na ADC 49. Mas eles foram rejeitados duas vezes porque tinham sido apresentados por partes interessadas (amicus curiae) no processo. Em 2024, o assunto voltou à pauta do STF, por meio de recurso extraordinário que teve a repercussão geral reconhecida (RE 1490708). E, no mérito, os ministros decidiram manter a modulação.
Agora, no julgamento de embargos de declaração apresentados no recurso extraordinário, houve mudança de posicionamento. A maioria dos ministros acompanhou o entendimento de Dias Toffoli, para quem o Supremo nunca “teve o propósito de ampliar a efetiva arrecadação das unidades federadas mediante autorização da cobrança do imposto, com base em norma inconstitucional”.
Segundo o ministro, “permitir essa cobrança contraria a intenção de se preservarem as operações praticadas e estruturas negociais concebidas pelos contribuintes. Afinal, com isso, os contribuintes seriam pegos de surpresa, com uma cobrança de tributo que era inimaginável”.
Ficou vencido no julgamento, o relator do processo, ministro Luís Roberto Barroso, que negava os embargos sustentando que o pedido não tinha por objetivo pedir esclarecimentos, mas sim tentar mudar o resultado do julgamento por “inconformismo”.
Para os contribuintes, a decisão é um passo importante para encerrar uma discussão que vem sendo travada no Judiciário há pelo menos 30 anos. O primeiro precedente qualificado sobre o tema é de 1996: a Súmula nº 166 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O texto diz que “não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”.
De acordo com Cristiane Romano, do escritório Machado Meyer, que defendeu o contribuinte no processo, o tema é sensível para muitas empresas que estão sendo cobradas pelo ICMS na transferência entre estabelecimentos próprios.
“A modulação proposta se deu apenas para que os contribuintes que recolheram o imposto não ajuizassem ações de repetição de indébito. Isso está muito claro nos votos. Assim, o Fisco jamais poderia cobrar valores anteriores a 2024”, afirma a advogada.
Nina Pencak, sócia do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados, representante da Associação Brasileira da Advocacia Tributária (Abat), ressalta que o Supremo reconheceu “a má interpretação da modulação da ADC 49”. Segundo ela, a Corte “não deixou de fazer a coisa certa e resolveu de uma vez por todas uma questão que certamente voltaria ao Judiciário”.
Ela lembra que, ao propor a modulação na ADC 49, o ministro Edson Fachin citou três objetivos principais: evitar impactos orçamentários, estabilizar a concorrência entre as empresas, e evitar a litigância. “Esses três fundamentos, se interpretados de forma conjunta com a modulação, não dariam margem para as autuações aplicadas pelos Estados”, diz.
Para a advogada Monique Salgado, da Roit, que também defende o contribuinte no caso, o STF buscou equilibrar os interesses federativos sem abrir brecha para retroatividade tributária. “Para os contribuintes, o encerramento do tema reafirma o papel do Supremo na consolidação da ordem jurídica e na garantia de estabilidade para decisões empresariais de longo prazo”, afirma ela.
Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo (PGESP), que era parte no caso, afirmou que não se manifestaria sobre o julgamento.