STF: Retomado julgamento de ação bilionária sobre crédito de varejistas
Por Beatriz Olivon, Valor — Brasília
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, nesta sexta-feira (29), o julgamento sobre os créditos tributários de ICMS na transferência de mercadorias, de um Estado para outro, entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte. O caso voltou a ser julgado no Plenário Virtual, depois que o ministro Gilmar Mendes desistiu do pedido de destaque, ato que transferia a análise para o plenário físico.
Os ministros estão divididos sobre a partir de quando a decisão teria validade. Mais importante para as empresas, outro ponto em discussão é sobre a edição de normas estaduais que disciplinem a transferência de crédito.
As dez maiores empresas do varejo correm o risco de perder R$ 5,6 bilhões de créditos tributários por ano com esse julgamento. O impacto estimado consta em um parecer da Tendências Consultoria Integrada contratado por empresas do setor.
A projeção de perda anual de crédito tributário tem base no faturamento de 2019 – que soma R$ 234 bilhões – e a forma como elas se organizam.
Efeito colateral
Estão em julgamento os embargos de declaração com efeitos infringentes – para rever o mérito da decisão. O recurso foi apresentado pelo Rio Grande do Norte (ADC 49).
O Estado busca esclarecer e modificar alguns pontos da decisão do STF, proferida há um ano. Na ocasião, os ministros invalidaram a cobrança de ICMS na transferência de mercadorias, de um Estado para outro, entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte.
A decisão, aparentemente, beneficia os contribuintes. Mas há um efeito colateral já que ela mexe nos créditos a que as empresas têm direito e usam para abater do pagamento do imposto.
O regime do ICMS é não cumulativo. Isso quer dizer que o que a empresa paga na etapa anterior da cadeia produtiva, ao adquirir a mercadoria para revenda, serve como crédito para abater na etapa subsequente.
Com a decisão de abril do ano passado, no entanto, o uso do crédito fica restrito ao Estado de saída da mercadoria. A empresa vai acumular crédito demais em um Estado, o de origem, e não terá nada no outro, o destino do produto.
Isso gera desequilíbrio no fluxo de caixa. Pode sobrar crédito em um Estado enquanto, no outro, a empresa ser obrigada a desembolsar, em dinheiro, todo o pagamento.
Estima-se que 40% das transações dos centros de distribuição das empresas varejistas sejam de caráter interestadual, tendo como destino a mesma titularidade. É para resolver esse ponto que houve apresentação do recurso (embargos de declaração).
Votos
Em 2021, o relator, ministro Edson Fachin, votou apenas pela modulação temporal, sem mudar o mérito. Foi seguido pelos ministros Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski. Os votos voltaram hoje ao sistema no mesmo sentido.
O ministro Luís Roberto Barroso divergiu parcialmente. O voto não está disponível no sistema mas, quando a votação foi iniciada, Barroso fez uma ressalva na modulação os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão. Votou para que os contribuintes possam transferir os créditos se encerrado o prazo sem que os Estados disciplinem a transferência de créditos de ICMS entre estabelecimentos de mesmo titular.
Além de conceder prazo para que os Estados adaptem a legislação para permitir a transferência dos créditos, Barroso definiu que uma vez exaurido o marco temporal sem que os entes disponham sobre o assunto, os contribuintes tenham o direito de transferir os créditos, como a sistemática anterior permitia. Ele foi acompanhado pela ministra Rosa Weber.
O voto foi seguido em parte pelo ministro Dias Toffoli, que ponderou ser o caso de se conferir prazo para que seja editada lei complementar federal em harmonia com a tese fixada pelo STF. Por considerar curto o prazo até o fim de 2021, estipulou 18 meses a partir da publicação da ata do julgamento. Ficam de fora as ações judiciais propostas até a data de publicação da ata de julgamento do mérito.
Toffoli divergia do voto do ministro Luís Roberto Barroso quanto à solução caso os Estados não disciplinem a transferência de créditos entre estabelecimentos do mesmo titular dentro do prazo. Para Barroso, nesse caso, as empresas terão o direito de transferir créditos, como a sistemática anterior permitia. Já para Toffoli, é melhor não estipular nenhuma consequência e aguardar o cumprimento. O voto de Toffoli foi seguido pelos ministros Alexandre de Moraes e Luiz Fux.
Os demais ministros têm até a próxima sexta-feira para votar.
Solução legislativa
A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) aprovou, na quarta-feira, o Projeto de Lei do Senado (PLS) 332, de 2018, que veda a incidência do ICMS na saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte para outro estabelecimento de mesmo titular.
O texto garante a manutenção do crédito tributário em favor do contribuinte diante da não incidência do imposto na operação de saída. Traz ainda a possibilidade de a empresa fazer incidir o ICMS e efetuar o destaque na saída de seu estabelecimento para outro de mesma titularidade.
O projeto será agora analisado pelo plenário do Senado. Se aprovado, segue para a Câmara dos Deputados.