STF: Julgamento do Difal do ICMS pode gerar dívida bilionária ao varejo
Por Joice Bacelo
Os contribuintes, principalmente empresas do varejo, correm o risco de terminar a semana com uma dívida bilionária. A confirmação depende de um julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), com previsão de se encerrar sexta-feira. Trata da cobrança do diferencial de alíquotas (Difal) do ICMS: se poderia ter sido retomada pelos Estados neste ano ou só em 2023.
Esse tema está sendo julgado no Plenário Virtual. Dois ministros já disponibilizaram os seus votos no sistema, o relator, Alexandre de Moraes, e Dias Toffoli. Ambos se posicionaram para permitir a cobrança neste ano de 2022, contrariando o que defendem os contribuintes.
A diferença de tempo — 2022 ou 2023 — tem custo estimado de R$ 9,8 bilhões. Essa quantia é projetada pelos Estados, como perda de arrecadação, caso a cobrança do Difal só seja permitida a partir de 2023.
Apesar de concordarem com o ano, o que, por si só, é ruim para as empresas, os dois ministros que já emitiram votos têm posições divergentes sobre a data exata de início da cobrança. O posicionamento de Toffoli traria menos impacto para o caixa das companhias.
Ele entende que os Estados precisam respeitar a chamada “noventena”. Ou seja, teriam de esperar 90 dias a partir da Lei Complementar nº 190, que regulamentou o Difal.
Essa lei foi publicada no dia 5 de janeiro no Diário Oficial da União. Significa, portanto, que somente no mês de abril — depois de 90 dias desta data — os Estados poderiam começar as cobranças.
Já o ministro Alexandre de Moraes entende que as cobranças são possíveis já neste ano de 2022 e que os Estados não precisam sequer respeitar a “noventena”. Poderiam exigir os pagamentos, portanto, desde a publicação da lei, no dia 5 de janeiro.
“A publicação de lei complementar instituindo formalmente um tributo representa majoração de carga tributária e deveria ser respeitada a anterioridade do exercício. Não garantir nada ou garantir apenas a noventena representa uma ruptura no sistema jurídico e causa grande insegurança”, diz o advogado Tiago Conde, do escritório Sacha Calmon, que atua para contribuintes.
O resultado ainda depende dos votos de outros nove ministros e qualquer um deles pode, até sexta-feira, apresentar pedido de vista ou de destaque — o que interromperia as discussões, adiando o desfecho. Em caso de destaque, o caso é transferido para o plenário físico.
Representantes das empresas do varejo vêm percorrendo os gabinetes dos ministros desde setembro, quando esse tema esteve em pauta pela primeira vez. Empresários de grandes redes, além disso, estão se envolvendo pessoalmente nessa discussão.
Luiza Trajano, dona do Magazine Luiza, por exemplo, entrou em contato com pelo menos dois ministros — Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia — para que representantes do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV) fossem recebidos em seus gabinetes.
Advogados dizem que a mobilização continua, nesta semana, junto aos ministros que ainda não se posicionaram: para tentar virar o placar ou buscar um pedido vista ou de destaque.
Alguns especialistas ouvidos pelo Valor entendem que esse não seria o melhor momento para o STF julgar o tema. Eles dizem isso por conta da situação de dificuldade financeira dos Estados, em razão das perdas de receita do ICMS provocadas pela desoneração de combustíveis, energia, transportes e comunicação.
Os especialistas têm receio de que as consequência econômicas do Difal — em um período ruim para a arrecadação — possam pesar mais na decisão dos ministros do que as questões jurídicas envolvidas na discussão.
Sustentam que, para as empresas, um resultado negativo — permitindo a cobrança em 2022 — pode gerar endividamento. Dizem que algumas, por precaução, vinham depositando em juízo os valores. Mas outras confiaram que a cobrança não seria permitida neste ano, não pagaram o imposto e, mais do que isso, reduziram o preço dos produtos aos consumidores finais.
Agora, além de carregar o prejuízo das vendas em valor menor, correm o risco de autuações: e ter que pagar o Difal desde janeiro, corrigido pela Selic e com multa de mora de 20%.
“Existe uma questão concorrencial envolvida. A empresa que viu o seu concorrente reduzindo o preço acabou fazendo o mesmo para não perder mercado. Quem ganhou foi o consumidor. Só que, agora, se perder a discussão, não terá como ir atrás do cliente e cobrar a diferença do imposto. Vai sofrer o prejuízo”, diz o advogado Gabriel Baccarini, do escritório Cascione.
O Difal é usado para dividir a arrecadação do comércio eletrônico entre o Estado de origem da empresa e o do consumidor. Uma varejista estabelecida em São Paulo, por exemplo, que vende mercadorias para um consumidor residente no Ceará, precisa recolher a alíquota interestadual de ICMS à Fazenda paulista e o Difal para o Fisco cearense.
O ICMS interestadual tem alíquota de 7% e 12% (dependendo do Estado). Para contabilizar o Difal, utiliza-se como base de cálculo o imposto cobrado pelo Estado de destino da mercadoria. Se é de 18%, por exemplo, reduz-se os 7% ou 12% recolhidos na origem, e paga-se a diferença — 11% ou 6% — ao Estado de destino.
Essa cobrança vinha sendo realizada até o ano passado por meio de normas estaduais, com base na Emenda Constitucional nº 87, de 2015, mas foi contestada no Judiciário por grandes empresas do varejo. As companhias alegavam que essa emenda pressupõe a edição de lei complementar para os Estados poderem fazer as cobranças.
Em 2021, os ministros do STF deram razão às empresas. Decidiram que os Estados ficariam impedidos de cobrar o imposto a partir de 2022 se, até essa data, não fosse editada uma lei complementar federal.
Essa lei (LC 190/2022) foi aprovada pelo Congresso no dia 20 de dezembro de 2021, só que o presidente Jair Bolsonaro sancionou apenas no mês de janeiro. Como o ano já tinha virado, instalou-se uma nova discussão: a cobrança poderia ser feita neste ano ou somente em 2023?
Empresas e tributaristas dizem que os Estados deveriam respeitar o princípio da anterioridade anual e, sendo assim, o Difal só poderia ser cobrado em 2023. Os Estados, porém, entendem pela cobrança imediata. Por isso, uma nova discussão sobre o mesmo tema em tão pouco tempo no STF (ADIs 7070 e 7078).