Split payment começa a funcionar a partir do ano de 2027 e facultativo
Por Lu Aiko Otta — De Brasília
O split payment – sistema de recolhimento automático dos tributos previsto na reforma tributária do consumo – vai iniciar em 2027 de forma opcional e por etapas. Numa primeira fase, será usado de maneira facultativa nas vendas realizadas entre empresas, chamadas de “B2B”. Depois, numa segunda fase, quando houver maturidade do mercado, o sistema virará obrigatório para transações “B2B”. Por último, o mecanismo será expandido para as vendas ao consumidor final (“B2C”).
As informações são do gerente do Projeto de Implantação da Reforma Tributária na Receita Federal, Marcos Hübner Flores, em entrevista ao Valor. Ele disse que ainda não há previsão de datas para as fases dois e três do split payment. “Esse cronograma vai depender da maturidade dos agentes de mercado”, disse.
Um grupo de trabalho do governo vem trabalhando no desenvolvimento do sistema, que permitirá o recolhimento dos novos tributos – a Contribuição (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) – no momento da liquidação financeira da transação, o que não acontece hoje.
Flores explica que o governo decidiu lançar o split payment em 2027 de forma opcional e faseada porque não é possível saber quando cada instituição financeira e provedor de serviço de pagamento estará apto para prestar o serviço aos clientes. As instituições financeiras precisarão adaptar seus sistemas para rodar o “split” em todos os meios eletrônicos de pagamento.
“À medida que isso for avançando e também por meio de pagamento, ou seja, sendo usado para boleto, PIX, TED, vai passar a ser obrigatório no B2B. Essa é a segunda fase. Quando isso vai acontecer? Depende do mercado”, reforçou o técnico da Receita. Ele disse que o governo não vai esperar todos os prestadores de serviço financeiro estarem adaptados, mas sim a grande maioria para que a obrigatoriedade entre em vigor.
Ainda faltam muitos parâmetros por parte dos setores público e privado”
— Cinthia Benvenuto
Daniel Loria, sócio-fundador do Loria Advogados, considera acertada a estratégia do governo de implementar o split payment por etapas. “Eu acho que essa estratégia é muito boa, do ponto de vista de segurança de implantação, para você primeiro testar o sistema e depois escalar. Com o fato de ser opcional, fica sob responsabilidade da iniciativa privada se organizar para ver quem quer fazer o split e quem não quer fazer.” Ele lembra que o faseamento está previsto na Lei Complementar nº 214, a primeira de regulamentação da reforma tributária.
Cinthia Benvenuto, sócia da área tributária no Innocenti Advogados, também considera a estratégia do governo “prudente e tecnicamente necessária”, considerando os desafios operacionais e jurídicos envolvidos. “Empresas já estão mais habituadas a lidar com sistemas fiscais e contábeis sofisticados, já o mercado B2C não estará preparado a curto prazo para uma transição segura, já sendo inclusive praxe os períodos teste e faseados para grandes mudanças, como se deu por exemplo com a implementação do E-Social.”
A adoção gradativa do novo sistema também ajudará na mitigação e controle de riscos e dificuldades que certamente serão enfrentados no decorrer das transações, seja por parte das empresas, ou do próprio Fisco, diz Priscila Regina de Souza, sócia da área tributária do Loeser e Hadad Advogados.
Uma preocupação das empresas é sobre a possibilidade de não haver o creditamento imediato previsto na reforma tributária, sem a obrigatoriedade do split payment. Flores afirma que isso não vai acontecer, porque o sistema de apuração assistida, com controle de crédito, está pronto. Assim, tão logo haja o pagamento pelo adquirente a partir de 2027, o crédito será garantido ao contribuinte, afirma o auditor-fiscal da Receita. Em 2026, na fase de testes, não haverá cobrança de CBS e IBS, por isso não terá split payment.
Loria acredita que, com a entrada em vigor do “split” mesmo que de maneira opcional em 2027, haverá interesse das empresas pelo sistema, para garantir o creditamento com maior segurança. “Haverá uma convergência de interesses do mercado, porque a empresa compradora vai querer ter o split para garantir o crédito”, afirma.
“Tem outros países, como a Índia, que também condicionam o crédito ao pagamento do débito pelo fornecedor, mas que não tem split, e as empresas se sentem injustiçadas, porque não têm como controlar se o tributo está pago e se o crédito dela é bom”, diz Loria. “No B2B, o split é muito funcional, tem muito valor para as empresas, não só para o governo”, acrescenta ele, que foi diretor da secretaria extraordinária da reforma tributária do Ministério da Fazenda.
Por isso, ele acredita que haverá um grande interesse do mercado em se adaptar rapidamente ao split payment no caso das transações B2B, mas ressalta que o desafio será maior para implementação na venda para o consumidor final (B2C) – não há geração de crédito ao consumidor.
Cinthia avalia que é difícil dizer quando o mercado estará maduro para a adoção do split payment, pois ainda faltam muitos parâmetros por parte dos setores público e privado. “Os testes operacionais que acontecerão em 2026 e os ajustes regulatórios e tecnológicos que devem iniciar nesse mesmo ano nos trarão maior previsibilidade acerca da consolidação da confiança e estabilidade do sistema, [mas] hoje infelizmente é difícil prever uma data.”
“É crucial que um percentual elevado de empresas já esteja testando e operando no modelo facultativo, de modo que erros e inconsistências sejam identificados e solucionados”, diz Priscila, ao avaliar a maturidade necessária antes de o split payment se tornar obrigatório.
“Dessa forma, levando em conta o histórico de grandes mudanças tributárias no Brasil, será um desafio muito grande acreditar que a maturidade para adoção obrigatória do split ocorra nos primeiros anos da implementação da reforma”, afirma ela. “Dependerá de como irá avançar a fase facultativa do split, a aceitação do mercado, a tecnologia envolvida e a superação das dificuldades e vulnerabilidades identificadas”, completa a tributarista.
Alex Hoffmann, CEO e cofundador da PagBrasil, empresa de processamento de pagamentos digitais, acredita que o novo sistema não começa a funcionar em 2027, mesmo faseado e de forma opcional. “Não é que eu seja cético, só acho muito improvável.” Ele considera que 2028 é um prazo mais viável.
O pagamento de impostos em tempo real, como proposto no split payment, é possível do ponto de vista tecnológico, avaliou Hoffmann. “Ele vai ser lindo de ver quando ficar pronto, mas as pessoas não sabem a complexidade que tem por trás”, pondera. Além disso, empresas brasileiras estão em diferentes graus de maturidade tecnológica, diz ele.
Para Hoffmann, o prazo de quase dois anos é curto porque muitas empresas nem começaram a adaptar os sistemas para emitir notas no novo sistema tributário. O Valor mostrou que a Receita Federal é otimista e acredita que não haverá problema na emissão das novas notas fiscais.