Receita Federal restringe exclusão de subvenções do IRPJ e da CSLL
Por Marcela Villar — De São Paulo
A Receita Federal criou novos entraves para as empresas excluírem subvenções de ICMS da base de cálculo do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL. Em quatro soluções de consulta, o órgão veda a retirada do crédito presumido dessa conta, a partir do ano de 2024 – quando entrou em vigor a Lei das Subvenções (nº 14.789). O Fisco afirma expressamente que o precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), favorável aos contribuintes, não se aplica para esse tipo de incentivo fiscal.
O órgão também determina a necessidade de acréscimo patrimonial para excluir os valores dos benefícios das bases dos tributos federais, em períodos anteriores a 2024. A restrição não está abarcada pela tese do STJ nem pela Lei nº 12.973, de 2014, que regula o IRPJ e CSLL, acrescentam especialistas. O entendimento consta nas soluções de consulta nº 202, 216, 223 e 224 da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) e vincula todos os auditores fiscais do país.
O tema da tributação dos incentivos fiscais é relevante para o Ministério da Fazenda e foi alvo de várias alterações legislativas ao longo dos anos. A mais recente foi a Lei das Subvenções, pela qual o governo federal vedou a exclusão dos benefícios. Permitiu, em contrapartida, a apuração de crédito fiscal. Com a medida, a Fazenda previu aumento de R$ 26,3 bilhões na receita anual.
Tributaristas entendem que os precedentes do STJ deveriam prevalecer mesmo após a nova lei, sobretudo para o crédito presumido, pois o fundamento usado está na Constituição. Lembram que, em 2017, os ministros da 1ª Seção vedaram a tributação desse incentivo, pois violaria o pacto federativo (EREsp 1517492).
Em 2023, a 1ª Seção voltou ao assunto e entendeu que o julgado não poderia ser estendido aos demais benefícios fiscais. Isso porque, no crédito presumido, o governo estadual dá crédito ao contribuinte gerando acréscimo patrimonial. Nos outros tipos, haveria desoneração – “benefícios negativos”.
Por isso, o STJ determinou que, para afastar a cobrança nos outros tipos de subvenção, deveriam ser cumpridos determinados requisitos, previstos no artigo 30 da Lei nº 12.973, de 2014 (Tema 1182). A decisão foi dada em repetitivo, ou seja, deveria ser cumprida por todo o Judiciário. Mas após o julgamento, veio a nova lei vedando qualquer tipo de exclusão e, agora, interpretações mais restritivas da Receita.
Condição imposta pela solução de consulta afronta o que o STJ decidiu”
— Renato Silveira
Sobre crédito presumido, a Cosit diz que “para os fatos geradores ocorridos a partir de 1º de janeiro de 2024, ante a ausência de previsão legal, não é mais autorizada a exclusão do lucro real das receitas decorrentes de subvenções governamentais para investimento, inclusive as decorrentes de incentivo fiscal de ICMS outorgado na modalidade de crédito presumido”.
Nesse caso, a dúvida foi de uma empresa de abate de bovinos com crédito presumido de ICMS de 7%. Ela perguntou se o precedente do STJ de 2017 prevalecia após a nova legislação. Em resposta, a Receita afirma que a decisão da Corte foi tomada “em contexto normativo distinto”, não vinculante. E que o órgão não estaria obrigado a cumpri-la, pois não há parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) nesse sentido.
“Por não ter sido proferido sob a sistemática dos recursos repetitivos e por se referir à análise legislação revogada, o entendimento firmado no EREsp nº 1.517.492/PR não pode ser automaticamente aplicado (…) relativamente aos fatos geradores ocorridos após a entrada em vigor da Lei nº 14.789, de 2023”, diz.
Já em relação ao acréscimo patrimonial, a fiscalização afirma que “para a exclusão da parcela integrante do lucro líquido do período de apuração é fundamental que tal valor corresponda ao acréscimo patrimonial proporcionado pela receita correspondente às transferências de recursos qualificadas como subvenções para investimento”.
A consulta foi feita por uma varejista de veículos automotores do Rio de Janeiro, que tinha redução da base de cálculo de ICMS. Ela questionou se poderia fazer a exclusão respeitando os outros requisitos do artigo 30 da Lei nº 12.973, como usar os valores para expansão e compor reserva de lucros.
Na visão de especialistas, o posicionamento do Fisco já era esperado e está em linha com o que a PGFN defende no Judiciário. Mas a restrição do acréscimo patrimonial é nova. “Existe precedente do STJ em recurso repetitivo que não estabelece a exigência de acréscimo patrimonial”, diz o advogado Renato Silveira, sócio do Machado Associados.
Ele acrescenta que “essa condição imposta pela solução de consulta afronta o que o STJ decidiu”. “É mais uma atuação da Receita buscando restringir o direito do contribuinte que, no caso, já foi reconhecido.”
O advogado Leandro Augusto Aleixo, sócio do AleixoMaia, afirma que o STJ deixou bem claro, em 2023, que existiam dois tipos de subvenção, a grandeza positiva e a negativa. Exigir comprovação de acréscimo patrimonial para os benefícios de grandeza negativa – isenção, redução de alíquota ou base de cálculo -, diz, contraria a decisão dos ministros.
Para Aleixo, o motivo do STJ distinguir as grandezas negativas foi a ausência de acréscimo patrimonial. “Então como pode a Receita exigir esse requisito, que jamais se conseguiria atingir?”, questiona. “A interpretação da Receita esvazia a utilidade prática do que foi decidido no Tema 1182 do STJ e cria um novo requisito”, acrescenta.
Já em relação ao crédito presumido, o tributarista entende que a Lei de Subvenções não pode impedir a dedução. Isso porque a decisão da Corte levou em conta a ofensa ao pacto federativo. “É um direito constitucional, que jamais seria suscetível de ser afastado por lei ordinária ou ato interpretativo.”
Renato Silveira reforça que a jurisprudência tem sido favorável aos contribuintes sobre crédito presumido. “Tenho visto de forma majoritária, tanto em primeira instância quando no tribunal regional federal, que a discussão jurídica é exatamente a mesma. As razões de decidir do STJ no EResp 157492 permanecem válidas também na vigência da Lei 14.789”, afirma.
Além das soluções de consulta publicadas, Aleixo lembra que as restrições da Receita começaram com o Ato Declaratório nº 4, de 2024. Segundo ele, algumas empresas já discutem a matéria, outras têm sido autuadas – mesmo com decisões judiciais definitivas – por conta dessas interpretações do Fisco. “As empresas que não ingressaram, teriam que entrar com ação e as que foram autuadas, mesmo com trânsito em julgado que trate de pacto federativo, teriam que alegar ofensa ao trânsito em julgado”, diz.
Os contribuintes também têm obtido decisões favoráveis sobre a lei nova no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), segundo levantamento do escritório. A discussão deve acabar no Supremo Tribunal Federal (STF), onde há ao menos quatro ações sobre o assunto (Tema 843, ADIs 7751, 7604, 7622). No STJ, a nova legislação também será discutida (Controvérsia 576).
Em nota ao Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) diz que a Lei nº 14.789 “instituiu uma profunda reestruturação no tratamento tributário das subvenções governamentais”, o que corrigiu “distorções que encerravam uma ficção jurídica que equiparava, indiscriminadamente, todos os incentivos estaduais a subvenções para investimento”.
Para o órgão, a nova lei, ao criar o mecanismo de crédito fiscal, “estritamente vinculado à comprovação do investimento”, assegura que o incentivo “seja direcionado apenas a investimentos produtivos e verificáveis, promovendo maior transparência e responsabilidade fiscal”.
Procurada, a Receita Federal não deu retorno até o fechamento da edição.
 
								 
								 
								 
								 
								 
								 
								 
								 
								 
								 
								 
								