Processos parados no Carf afetam empresas, escritórios e União
Rafa Santos
Os efeitos da pandemia e a da greve dos auditores fiscais da Receita Federal fizeram com que Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) tivesse o maior volume de processos tributários parados desde 2011. O valor dessas demandas já supera a marca de R$ 1 trilhão conforme levantamento do jornal O Globo.
Em 2022 o número de processos parados segue aumentando. “No conselho nada foi julgado. Já havia um volume de demandas muito grande por conta dos efeitos da crise sanitária e isso se agravou esse ano”, explica Augusto Paludo, sócio da Covac Sociedade de Advogados.
O escritório em que Paludo trabalha tem 95 processos — cujo valor se aproxima de R$ 1 bilhão — parados no Carf. Essa morosidade no julgamento de processos administrativos impacta todas as partes envolvidas nas demandas.
As empresas, por exemplo, têm cada vez mais que contingenciar valores para arcar com os processos parados em caso de derrota. Já os escritórios acabam vendo parte expressiva dos seus contratos comprometidos, já que em muitos casos boa parte da remuneração dos advogados consiste em um bônus pago ao final do processo em caso de êxito.
O presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Processo Tributário (IDPT) Igor Mauler Santigo vai além e lembra que a própria capacidade de arrecadação da União fica comprometida. “Talvez o maior prejudicado seja a coletividade, que fica privada da receita correspondente à parcela dos lançamentos que deveria ser mantida pelo Carf. Esse infarto da arrecadação tributária, num momento de crise como o que vivemos, cobra um preço muito alto da população”, resume.
A média histórica de processos parados no Carf sempre girou em torno de R$ 600 bilhões. Até julho do último ano, esse total era de R$ 882 bilhões. Maria Teresa Grassi, sócia do contencioso tributário do escritório Rayes e Fagundes Advogados Associados, lembra que a morosidade sempre foi um problema no Carf, mas, garante que o problema se agravou em 2022. “A pandemia contribuiu para aumentar o número de casos parados, mas historicamente um processo quando chega ao Carf demora de três a cinco anos para ser efetivamente julgado”, explica.
Além da herança deixada pelos efeitos da crise sanitária, a greve dos auditores da Receita ajudou a agravar ainda mais o quadro. “Trabalhamos com dezenas de casos pendentes de julgamento. O que temos visto é que os processos têm sido pautados para julgamento, mas na véspera o Carf divulga um comunicado informando do cancelamento por falta de quórum”, explica.
Número astronômicos
Existem 160 processos em tramitação no tribunal com valor de R$1 bilhão ou mais. Somados, eles chegam a R$ 444,7 bilhões. Ou seja, 42% do estoque está concentrado em menos de 200 casos, segundo O Globo.
Há ainda um estoque de 1.250 processos na faixa de valor entre R$ 100 milhões e R$ 1 bilhão, que chegam ao montante de R$ 337 bilhões. Outros R$ 165,1 bilhões são referentes a 4,5 mil processos entre R$ 15 milhões e R$ 100 milhões.
Já R$ 106,1 bilhões estão distribuídos em 52,3 mil processos na faixa de R$ 72,7 mil a R$ 15 milhões. Por fim, R$ 687,4 milhões dizem respeito a pouco mais de 34 mil processos, todos com valor abaixo de R$ 72 mil.
Judicialização não é o caminho
Uma unanimidade entre os advogados que estão lidando diretamente com os processos parados do Carf é que judicializar essas demandas não é o melhor caminho.
Entre as razões estão o custo mais alto de levar esses processos ao Poder Judiciário e a capacidade dos quadros técnicos do Carf para analisar demandas tributárias. “Não é vantajoso porque, se o contribuinte perder um processo administrativo, ainda pode recorrer judicialmente. Já nos casos de vitória, o Fisco não pode recorrer”, explica André Guimarães, líder da área de contencioso tributário administrativo da LacLaw Consultoria.
A carteira de clientes da consultoria em que Guimarães trabalha tem processos cujo valor gira em torno de R$ 100 milhões.
Graziele Pereira, advogada da área Tributária, sócia do escritório Greco, Canedo e Costa Advogados, afirma que a banca tem em torno de 70 processos parados. “Atuo no caso de uma cooperativa que tramita no Carf desde 2008 e que após o julgamento continua parado por um erro deles. Era um caso apenso de PIS e Cofins, mas julgaram apenas o caso de PIS. E estamos há um ano tentando fazer com que eles julguem embargos de declaração por conta de um erro que eles mesmos cometeram”, lamenta. A especialista explica que é muito difícil para o cliente que segue com a pendência contábil enquanto os embargos não são julgados.
O relacionamento com os clientes também exige mais dos advogados com o atual acúmulo de processos no Carf. Paludo explica que é preciso jogo de cintura para explicar por que processos ficam sem movimentação por dois anos. “A insatisfação entre os clientes é muito grande. Ir para o Judiciário também não é algo vantajoso pela possibilidade de ter que congelar um bem ou reservar um montante em dinheiro para ter a Certidão Negativa de Débitos”, explica.
Apesar da morosidade, o consenso é de que, se a situação é ruim com o Carf, é pior sem ele.