MP define tributação de investimentos em fundos por empresas
Por Laura Ignacio — De São Paulo
Se for convertida em lei, a Medida Provisória (MP) nº 1.303 poderá levar à redução da carga tributária de empresas que fazem aplicações em fundos de investimento em ação (FIA), em participação (FIP), imobiliários (FII) e do agronegócio (Fiagro). Um dispositivo da norma, que passou despercebido por muitos, ao alterar a Lei nº 14.754, de 2023, deixa expresso, segundo tributaristas, que só incidirão Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL sobre os rendimentos desses fundos quando houver a sua “realização” – resgate das cotas, amortização, recebimento de dividendos ou venda dos ativos.
A medida é importante por ser comum no mercado que empresas estruturem fundos dos quais são controladoras ou coligadas como estratégia de negócio. Um exemplo é o chamado “Corporate Venture Capital”, uma tendência mundial iniciada nos Estados Unidos de investimento em startups de tecnologia por grandes corporações que desejam inovar ou explorar áreas adjacentes ao segmento onde atuam. Geralmente, o investidor constitui um FIP, que compra participações em outras empresas.
No passado, quando os ativos eram registrados no balanço pelo valor de custo ou patrimoniais, a tributação só ocorria na realização. Mas a partir da aplicação das normas contábeis globais, a “International Financial Reporting Standards” (IFRS), no Brasil (Lei nº 12.973, de 2014), o registro do valor econômico dos ativos mudou para refletir a realidade econômica. Contudo, ficou uma lacuna sobre o momento da tributação.
Em 2023, a Lei nº 14.754 atualizou a regulamentação da tributação de investimentos. Porém, ficou em aberto a situação das pessoas jurídicas que aplicam em fundos.
“Se uma pessoa jurídica compra um FIP, por exemplo, e o registra pelo valor de mercado periodicamente, como o valor do fundo vai flutuar, a pessoa jurídica vai ter que refletir ganhos e perdas temporários na sua contabilidade, por causa do IFRS”, afirma Andrea Bazzo, do Mattos Filho Advogados. “Basicamente, o dispositivo da MP 1303 determina que, quando a pessoa jurídica registrar essa variação, não vai precisar tributar enquanto não realizar esses rendimentos”, diz. A novidade está no artigo 58 da MP.
Andrea explica que algumas empresas estruturam fundo de pensão ou imobiliário, por exemplo, para que ele entre como parceiro em seus projetos. “No caso de fundo imobiliário, por conta da isenção para pessoas físicas, o produto é bem aceito no mercado, atraindo investidores”, afirma.
Para a advogada, a regulação da tributação desses fundos é saudável porque trará segurança jurídica às empresas. Para quem era conservador e pagava IRPJ e CSLL sobre a variação desses investimentos, a carga tributária será reduzida. “Por outro lado, para quem tratou os rendimentos como isentos até agora, isso ficará mais evidente para o Fisco”, alerta.
Segundo o tributarista Caio Malpighi, do escritório Vieira Rezende Advogados, há precedentes sobre o assunto em diversos sentidos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). “Quanto a um Fundo de Investimento em Direito Creditório [FIDC] entenderam que a pessoa jurídica tinha que tributar a valorização. Já no caso de um FIA, a decisão foi dada em sentido contrário”, diz.
Em outubro de 2021, por unanimidade, a 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 1ª Seção livrou uma empresa da cobrança de IRPJ e CSLL sobre a variação contábil de investimento em FIA, antes da sua realização (processo nº 13864.720204/2014-56). “O julgado entendeu que, se a intenção do legislador fosse, de fato, permitir a tributação antecipada na apuração do IRPJ e da CSLL, seria desnecessária a previsão de incidência de IRRF sobre rendimentos distribuídos por fundos de investimento”, afirma Malpighi.
Na Justiça, acrescenta ele, há ao menos dois casos em tramitação após a entrada em vigor da Lei nº 14.754. “Já fiz algumas avaliações de risco para clientes e minha conclusão é de que há risco real da Receita Federal cobrar IRPJ e CSLL sobre mera valorização contábil do investimento”.
Um desses dois casos citados pelo tributarista é a ação judicial de uma empresa tributada pelo lucro presumido no regime de caixa, que busca afastar o IRPJ e a CSLL sobre a valorização de aplicação em Fundo de Investimento Multimercado, antes do resgate, por ausência de disponibilidade.
Em novembro de 2024, o juiz Marcelo Guerra Martins, da 13ª Vara Cível Federal de São Paulo, decidiu que seria legítima a tributação periódica, inclusive para fundos fechados, com base no princípio da capacidade contributiva, mantendo a incidência do IRPJ e da CSLL (processo nº 5018526-98.2024.4.03.6100).
Para Malpighi, em um cenário de jurisprudência indefinida, a conversão da MP 1.303 em lei trará segurança jurídica ao mercado. “A norma impõe um método contábil já conhecido para que a valorização desses fundos não seja tributada automaticamente, que é exigir que os seus ativos subjacentes, como imóveis, por exemplo, sejam controlados em subcontas específicas [artigo 29 A, parágrafos 1º e 3º]”, diz. “Só haverá tributação quando o fundo alienar aquele ativo.”
De acordo com o tributarista Daniel Loria, sócio-fundador do Loria Advogados e ex-diretor da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária, como não havia regra fiscal escrita, não se sabia se a valorização das cotas desses fundos deveria ser contabilizada: pelo valor justo e tributada no momento da realização; ou pela equivalência patrimonial e, então, teria isenção fiscal; ou, ainda, se a tributação deveria ocorrer mês a mês. “Era uma zona cinzenta que gerava incerteza e auto de infração”, afirma.
Segundo Loria, a MP 1303 deixa claro que se o rendimento é realizado, por exemplo, porque o fundo vendeu uma empresa e teve ganho, a companhia tem que ser tributada. “Enquanto o investimento está parado, não há tributação. A MP achou um caminho do meio.”
Mas, de acordo com Vinicius Pimenta, sócio da área tributária do Pinheiro Neto Advogados, vale ao menos uma crítica à MP 1303. Para ele, os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios não deveriam ter ficado de fora. “Faria sentido aplicar o mesmo racional para FII, FIA, FIP e Fiagro para os FIDCs porque estes também não indicam se o ganho vai se materializar”, diz.
Pimenta afirma que as discussões administrativas ou judiciais sobre o assunto proferidas até agora são incipientes. Isso porque, diz ele, envolvem empresas autuadas que não eram tributadas pelo regime de competência – que exige o lançamento dos rendimentos mês a mês.
Caso a MP 1303 seja convertida em lei, a nova regra para a tributação de fundos corporativos começa a valer no dia 1º de janeiro. “E o novo entendimento vai valer também para os fundos que já existiam antes da conversão em lei”, aponta Pimenta. Além disso, afirma ele, quem tem processo administrativo ou judicial em andamento, por ter sido autuado, poderá usar a nova lei para tentar afastar o auto de infração.
Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) preferiu não comentar o assunto.