Justiça limita créditos tributários reconhecidos em ações coletivas

Por Marcela Villar — De São Paulo

O Judiciário tem limitado o uso de créditos tributários oriundos de ações movidas por associações genéricas, por não representarem um setor específico. Em recentes decisões, Tribunais Regionais Federais (TRFs) e o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceram a ilegitimidade de três delas, que tentam vender decisões favoráveis em busca de honorários e captar filiados até pelas redes sociais.

Em paralelo, a Receita Federal já tem negado pedidos de compensação tributária baseados nessas sentenças coletivas, o que tem motivado contribuintes a moverem novas ações judiciais. Uma empresa de São Paulo conseguiu, neste mês, sentença que determina a reanálise de pedido de homologação indeferido pelo Fisco, afastando a alegação de que a associação é genérica.

Segundo advogados, o objetivo das associações genéricas, ao conseguirem decisões favoráveis aos contribuintes, é vendê-las ao custo de uma filiação – que pode chegar a 30% do valor do imposto a ser devolvido. A promessa é recuperar milhões de reais em tributos, de forma retroativa, por 15 ou 20 anos. As entidades têm abordado empresas e escritórios de advocacia para “turbinar” créditos de clientes.

A comercialização tem ocorrido com grandes teses tributárias. A principal é a tese do século, em que o STF permitiu a exclusão do ICMS da base do PIS/Cofins. Mas também ocorre com a tese do Sistema S, sobre a limitação da base de cálculo em 20 salários mínimos das contribuições destinadas a terceiros, e, mais recentemente, com a tributação das subvenções de ICMS e com o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse).

Grandes empresas, de acordo com advogados, têm comprado as decisões, pois elas veem como solução para resolver o caixa no curto prazo, em um cenário de pressão pela alta taxa de juros, a Selic. É mais rápido do que entrar com a própria ação e esperar acórdão favorável: após a filiação, já é permitido usar a sentença da entidade para buscar precatórios ou fazer a compensação de tributos.

O Fisco tem cinco anos para validar o pedido, mas a compensação é feita em dias e a companhia já pode aproveitar os valores como moeda para reduzir o tributo a pagar. Algumas empresas já começaram a ser fiscalizadas pela Receita, o que motivou a publicação, na última semana, da Instrução Normativa nº 2288, que restringe as “compensações predatórias”.

O perigo, de acordo com especialistas, está no longo prazo, pois a jurisprudência – e, agora, a Receita – tem afastado a legitimidade das entidades sem estatuto social definido. Para o Judiciário e Fisco, associações que não representam um setor específico não podem atuar como substitutos processuais. Casos como o da Associação Brasileira dos Contribuintes Tributários (ABCT), da Associação Nacional dos Contribuintes de Tributos (ANCT) e da Associação Comercial e Industrial de Americana (ACIA).

A ACIA tem, inclusive, vídeo no Youtube e página no site dedicada a captar associados para a tese do século. Diz que a decisão obtida na ação coletiva, protocolada em 2008, é “irreversível”, o que garante segurança jurídica, dinheiro no fluxo de caixa da empresa e “vantagem competitiva”. “A cada cinco anos, uma empresa de lucro real [faturamento acima de R$ 78 milhões] poderá recuperar o equivalente a até um faturamento por mês. Participando da ação coletiva da ACIA, poderá recuperar até três faturamentos mensais, porque são 15 anos a restituir”, diz o site.

A 2ª Turma do STF, em agosto, impediu a Tabatex, de tecnologia têxtil, de executar decisão da ACIA, sobre a tese do século. O relator, ministro Dias Toffoli, citou precedente da Corte de 2021 que entendeu ser desnecessária a filiação prévia a uma associação para a cobrança de valores pretéritos decorrente de mandado de segurança coletivo.

Nesse julgado, que analisou a filiação tardia de policiais militares, os ministros disseram que a tese não valeria para questões tributárias (Tema 1119). Mas algumas associações viram a decisão como brecha. Toffoli, porém, no caso da ACIA, disse que o tema “não se aplica às associações genéricas, como a agravante, que não representa qualquer categoria econômica ou profissional específica” (ARE 1556474). A 2ª Turma do STF já reconheceu a ilegitimidade da ABCT, em 2022 (ARE 1339496).

Associações setoriais sérias são relevantes para as discussões judiciais”
— Bianca Mareque
Tribunais Regionais Federais têm decidido da mesma forma. O TRF-3, no ano passado, declarou a ANCT ilegítima em ação do Sistema S (processo nº 5020024-11.2019.4. 03.6100). O TRF-1 deu decisão em igual sentido sobre a mesma associação. Exigiu a relação nominal dos associados, com autorização expressa, bem como comprovação de filiação prévia (processo nº 1011140-50.2022.4.01.3307).

O advogado da Tabatex, Ricardo Conceição, do Alcântara Advogados, afirma que o STF está alterando a coisa julgada. “No mandado de segurança coletivo, já foi analisada a questão de legitimidade e houve o trânsito em julgado sem nenhum tipo de limite, ou territorial, ou temporal”, diz ele, que não recorreu por não ver possibilidade de reversão.

Segundo ele, a ACIA, entidade para a qual já atuou, não é genérica, como a ANCT e ABCT. “O estatuto dela tem todos os objetos que ela tem a perseguir, que é o desenvolvimento econômico da região. Ou seja, ela precisa de maior número de empresas associadas para poder ter o benefício econômico pretendido”, afirma.

Conceição se diz surpreso com o acórdão do STF. “O Judiciário reclama constantemente do excesso de demanda judicial, mas quando se impede o mandado de segurança coletivo, que vai agregar várias empresas e evitar essas empresas de judicializarem a questão, ele dá uma decisão dessa, que diminui o direito coletivo”, completa. Ele cita outros casos que já chegaram ao STF, ainda não julgados, e afirma que o escritório de advocacia Nelson Willians assumiu algumas das ações coletivas que antes eram tocadas pela banca dele.

Rafael Vega, do Cascione Advogados, diz que tem visto cada vez mais empresas buscando créditos fiscais, por conta do contexto de crise financeira. “O apetite de risco tem sido maior entre as empresas e desde que saiu a tese do século, em 2017, as empresas passaram a olhar a questão fiscal como uma fonte de recursos.”

Mas ele indica analisar a compra dessas decisões com cautela, pois o Judiciário e a Receita têm sido contra o uso de sentenças coletivas obtidas por associações genéricas. “Estamos orientando ter muito cuidado nesses casos, porque não é uma questão de discordar ou concordar, é o precedente do Supremo que já está indicando essa posição, assim como os TRFs”, afirma Vega. Ele também pontua que essa pode ser uma forma de empresas driblarem decisões desfavoráveis individuais.

A tributarista Bianca Mareque, sócia do Vieira Rezende, pondera que associações setoriais sérias são relevantes para as discussões nos tribunais. Mas ela também não recomenda filiação em entidades genéricas. “Essas ações, em regra, têm sido julgadas extintas por ilegitimidade das associações.”

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), em nota ao Valor, diz que a decisão do STF, no caso da Tabatex, aplicou corretamente o precedente do Tema 1119. “A PGFN tem conhecimento de que diversas associações genéricas vêm ofertando no mercado propostas como as da ACIA”, afirma. O órgão diz ainda acreditar “que a pretensão dessas associações genéricas e de todos os contribuintes que se filiaram a elas depois da impetração serão rejeitadas pelo judiciário, como já vêm fazendo os TRFs e o próprio STF”.

Também em nota ao Valor, o advogado Fábio Máschio, do Nelson Willians, afirma que “o escritório atua dentro dos limites legais e éticos da advocacia, representando entidades regularmente constituídas e em conformidade com a legislação e jurisprudência dos tribunais superiores”. Procuradas, ANCT e ABCT não deram retorno até o fechamento da edição.

Por Valor

17/11/2025 00:00:00

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