J&F vence disputa de R$ 1,5 bilhão no Carf
Por Beatriz Olivon — De Brasília
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) derrubou uma cobrança de R$ 1,59 bilhão referente a Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL sobre valor do acordo de leniência pago pela J&F Investimentos, holding controladora do grupo JBS, ao Ministério Público Federal (MPF). A decisão, por maioria de votos, se deu por questão processual.
O julgamento foi realizado pela 1ª Turma da Câmara Superior. Cabe recurso para pedir esclarecimentos ou apontar eventuais omissões na decisão (embargos).
A questão processual foi a falta de paradigma (precedente em sentido contrário) para recorrer à Câmara Superior. O Carf não aceitou o caso que foi apresentado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), indicando que não tratava do mesmo assunto. Para julgamento do mérito na Câmara Superior é necessário demonstrar que há divergência entre turmas do Carf.
O montante em discussão inclui os tributos, juros de mora, multa isolada e multa de ofício de 75%. De acordo com a Receita Federal, a infração seria o abatimento de valores referentes a despesas com o acordo de leniência no montante de R$ 10,3 bilhões, a ser quitado em 25 anos. O valor cobrado consta no processo administrativo.
Para o órgão, essa despesa é indedutível. Isso porque tem natureza de multa não tributária e não cumpre os requisitos de necessidade, normalidade e usualidade previstos no Regulamento do Imposto de Renda (Decreto nº 9.580, de 2018).
Segundo a Receita, os acordos preveem, em alguns casos específicos, uma dedução da parcela devida à União, como os casos de multas pagas por pessoas físicas vinculadas à empresa em razão de acordos de colaboração premiada. Mas “são casos pontuais de multas pagas, distintas, portanto, do caso em tela”.
O caso, segundo o Fisco, trata de multa que teria como obrigação ressarcir instituições como a União, FGTS, BNDES, entre outras. O restante seria para a execução de projetos sociais.
“Apesar da União estar na relação das instituições ressarcidas, pudemos verificar, dos anexos do acordo de leniência, que a multa aplicada não possui natureza tributária, mas sim de caráter indenizatório geral, conforme se pode comprovar dos levantamentos dos ilícitos que ali constam”, afirma a Receita Federal no processo administrativo (nº 16561.720011/2021-27).
No Carf, a PGFN apontou que multas não tributárias são indedutíveis porque decorrem de um ilícito. “A procuradoria não consegue ver como um ilícito está dentro da atividade operacional da empresa [para ser deduzida]. A multa é uma consequência do ilícito”, afirmou o procurador Rodrigo Moreira na sustentação oral realizada em agosto.
O contribuinte, por sua vez, alegou que os valores das multas não decorrem de ilícito, mas de indenização, que decorre de um ato lícito que levou ao acordo. Para a empresa, a multa decorrente de acordo não seria equiparável à infração tradicional pela sua natureza indenizatória e o pagamento do acordo de leniência seria um gasto inafastável e inevitável, sendo o acordo essencial para manter a fonte produtora.
A empresa defendeu, na Câmara Superior, que o mérito não poderia ser julgado por causa do paradigma apresentado pela Fazenda. Como a empresa venceu o caso na instância anterior, na 4ª Turma Extraordinária da 1ª Seção, sem o julgamento de mérito fica mantida a decisão favorável.
O julgamento foi retomado após pedido de vista. O relator, conselheiro Jandir José Dalle Lucca, representante dos contribuintes, já havia votado para o caso não ter o mérito julgado em decorrência do paradigma apresentado. Na sessão de ontem, outros seis dos dez conselheiros votaram no mesmo sentido.
Segundo o advogado Luiz Gustavo Bichara, sócio do Bichara Advogados, que atuou para a J&F no caso, a decisão é importante para reconhecer que esse tipo de despesa não decorre de mera liberalidade dos contribuintes.
“Trata-se efetivamente de uma despesa inevitável e, por isso, dedutível. Ninguém opta por uma leniência por esporte”, afirmou. Ainda segundo o advogado, se o ordenamento jurídico oferece essa opção para que empresas passem uma borracha no passado, a despesa deve ser deduzida.
Para Bibianna Valadares Peres, coordenadora sênior do Loeser e Hadad Advogados, a decisão do Carf poderá reduzir o risco fiscal de empresas que buscam celebrar acordos com o Ministério Público Federal ou Controladoria-Geral da União (CGU). “O precedente, além de reforçar a natureza indenizatória e não punitiva desses pagamentos, poderá influenciar em casos semelhantes de setores que tenham histórico de investigações anticorrupção”, disse.
Procurada pelo Valor, a PGFN informou que não iria se manifestar sobre a decisão. A J&F disse que não vai comentar.