Impacto de disputas contra autarquias e fundações federais atinge R$ 682,4 bi e ultrapassa o tributário

Por Beatriz Olivon — De Brasília O impacto estimado pela União para as ações contra fundações e autarquias, como o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), ultrapassou, pela primeira vez, o previsto para as discussões tributárias. Na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2026, estão previstos R$ 682,4 bilhões, incluindo o julgamento de R$ 89 bilhões, sobre aplicação de fator previdenciário, que o governo venceu nesta semana no Supremo Tribunal Federal (STF) – valor que foi atualizado pela Advocacia-Geral da União (AGU) para R$ 130 bilhões, seguindo despacho do Ministério da Previdência Social. Ainda cabe recurso nessa discussão. Já a estimativa de impacto para as ações judiciais de natureza tributária, em tramitação no STF ou no Superior Tribunal de Justiça (STJ), está em R$ 649,2 bilhões. O caso mais valioso discute a exigência de lei complementar para a cobrança de PIS e Cofins sobre importação. Está avaliado em R$ 325 bilhões. O valor é inferior ao do maior caso listado na relação de ações contra autarquias e fundações, que concentra basicamente questões previdenciárias. Ele está estimado em R$ 419,4 bilhões e discute se auxílio-alimentação, pago em espécie e com habitualidade, por meio de vale-alimentação ou na forma de tíquetes, tem natureza salarial e integra o salário de contribuição para fins previdenciários – o que pode elevar os valores de benefícios. Uma hipótese para essa inversão, afirma Lana Borges, sócia da área tributária do Bermudes Advogados e ex-procuradora da Fazenda Nacional, é a quantidade de repercussões gerais julgadas pelo STF, definindo temas, especialmente os tributários, e vinculando as instâncias inferiores. De acordo com ela, pelos dados do Supremo, mais de 260 questões tributárias foram analisadas pelos ministros, enquanto na área previdenciária, pouco mais de 30. “Pode ter ocorrido uma maior estabilização do quantitativo de julgamentos tributários pelo Supremo nos últimos anos e talvez o mesmo não tenha acontecido com as matérias previdenciárias”, diz. A advogada destaca, porém, que as temáticas previdenciárias, embora possam discutir volumes menores de dinheiro, atingem um número muito maior de envolvidos. Em nota ao Valor, a Advocacia-Geral da União confirma esse cenário. Segundo o órgão, “o fato de os valores dos riscos possíveis de processos contra as autarquias e fundações terem ultrapassado os das ações tributárias se deve ao fato destas últimas terem sofrido grande decréscimo de 2023 para 2024, de R$ 729,9 bilhões para R$ 649,2 bilhões”. O ex-procurador geral da Fazenda Ricardo Soriano, sócio do Figueiredo e Velloso Advogados, destaca outro ponto. Ele afirma que nos últimos dez anos houve uma evolução expressiva no levantamento de dados das autarquias e fundações federais e cita duas explicações para esse novo cenário: “Passaram a calcular melhor as possíveis perdas, tornando a projeção mais precisa, e alguns grandes assuntos, de muito impacto financeiro, passaram a ter expectativa de perda. A tese da revisão da vida toda é um exemplo”, diz. A discussão foi uma das mais relevantes para a União pelo impacto bilionário. O governo federal estimava um custo potencial de R$ 480 bilhões, conforme a LDO de 2024, se a revisão da vida toda fosse aceita pelo STF, o que não ocorreu, após uma reviravolta no julgamento. A solução de disputas sobre PIS e Cofins – como a chamada “tese do século” -, depois de muitos anos de tramitação, pode ser uma explicação para essa inversão, segundo Tiago Sbardelotto, auditor licenciado da Secretaria do Tesouro Nacional que atua como economista da XP investimentos. Muitos temas tributários chegaram a quase 20 anos de discussão e o amadurecimento deles levou a decisões, segundo o economista. “Há também uma visão de que o Judiciário passou a olhar mais para o tributário recentemente por pressão do governo em resolver os riscos fiscais e pelo amadurecimento dos temas”, afirma ele, acrescentando que, ao mesmo tempo, há um aumento nas ações relacionadas à Previdência Social. Ele cita como motivos questões ligadas à reforma trabalhista de 2017 e da Previdência Social de 2019, que são mais recentes para questionamento do que as disputas tributárias. Mas, para o economista essa inversão não deve se manter, tendo em vista que a reforma tributária poderá trazer um novo estoque de ações tributárias a partir do próximo ano. Segundo Tathiane Piscitelli, professora da FGV Direito SP, uma possibilidade é que as ações tributárias seguiram o mesmo ritmo e os casos envolvendo autarquias e fundações aumentaram de forma mais acelerada. Além disso, acrescenta, em um único tema previdenciário, há impacto para os cofres públicos que ultrapassa R$ 400 bilhões. “É uma tragédia anunciada”, afirma o advogado Caio Taniguchi, sócio no TozziniFreire Advogados especialista na tributação das relações do trabalho. Ele lembra que o INSS é o principal litigante do país em quantidade de ações. “Só faltava o que aconteceu agora, que era a superação do valor estimado com o custo dessas ações judiciais.” Em julgamentos previdenciários, acrescenta ele, mesmo envolvendo cobranças dirigidas a empresas, a sociedade costuma olhar as decisões como algo que busca melhorar os benefícios ou proteger mais pessoas, sem, porém, pensar no impacto. Sobre a tese a respeito da natureza salarial do auxílio-alimentação, Taniguchi diz que é um caso típico de discussão previdenciária que, quando levada aos tribunais superiores, gera debates sobre impacto para as empresas, e não para a Previdência Social. O tema vem de entendimento da Turma Nacional de Uniformização (TNU) da Justiça Federal, de que o benefício possui natureza salarial em algumas situações, possibilitando pedidos de revisão de aposentadorias ao INSS. Pelo entendimento da TNU, até 10 de novembro de 2017, os auxílios-alimentação pagos em espécie e com habitualidade, ou por meio de vale-alimentação, tíquete ou equivalente, possuem natureza salarial e poderão integrar a aposentadoria. A partir do dia seguinte, somente os auxílios-alimentação pagos em dinheiro possuem natureza salarial e poderão afetar o valor dos benefícios previdenciários. A data considera a vigência da reforma trabalhista. O julgamento da questão está marcado para ser iniciado, no Plenário Virtual, amanhã (RE 1413882).

Por Valor Econômico

22/08/2025 00:00:00

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