Fazenda paulista afasta ITCMD da doação de imóvel no exterior

Por Luiza Calegari — De São Paulo A Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (Sefaz-SP) respondeu à consulta de um contribuinte que não incide Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) sobre imóveis localizados no exterior, mesmo que o doador esteja no Brasil. O entendimento agradou especialistas por reconhecer a isenção, mesmo sem aplicar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em repercussão geral, que vetou a cobrança do imposto quando o doador está no exterior (Tema 825). No caso que gerou a consulta à Sefaz (Resposta à consulta tributária nº 30969/2024), uma contribuinte que mora em São Paulo quer doar ao filho, que mora em Portugal, um apartamento naquele país, além de valores em conta bancária no exterior e participação societária em uma empresa portuguesa. Na resposta à consulta, a Sefaz ressalta que o ITCMD foi instituído pela Lei estadual nº 10.705/2000 e regulamentado pelo Decreto nº 46.655/2002. Em nenhuma das duas normas há previsão para incidência do imposto sobre a doação de bem imóvel localizado no exterior. Por outro lado, o Estado destaca que incide ITCMD sobre a participação societária em empresa nacional ou estrangeira, assim como bens móveis, títulos e créditos (artigo 3º, incisos I e II). Portanto, no caso concreto, fica entendido que o imposto incide sobre a transferência de valores em conta bancária no exterior e da participação societária na empresa portuguesa. Apesar de a consulta ser parcialmente e não totalmente favorável ao contribuinte, especialistas entenderam que não era necessário aplicar a decisão do STF no Tema 825 ao caso. No ano de 2022, a Corte declarou inconstitucionais dispositivos da lei paulista que preveem a incidência do ITCMD na transmissão por doador com domicílio ou residência no exterior; ou por causa mortis, quando o falecido era residente ou teve o seu inventário processado no exterior. É o que explica Matheus Bueno, do Bueno Tax Lawyers. “A isenção não afronta o tema do Supremo porque ele falava de doador não residente e a consulta está tratando de doador no Brasil”, explica. “O contribuinte parece estar tentando se resguardar para não pagar imposto sobre a doação do imóvel”, diz. A discussão no Supremo foi diferente da situação abordada pelo contribuinte na solução de consulta respondida pela Sefaz, afirma Ana Carolina Monguilod, sócia do CSMV Advogados e professora do Insper. “A SC está correta ao dizer que a legislação atualmente em vigor determina que, no caso de bens imóveis, tem competência para cobrar o ITCMD o Estado no qual o bem imóvel está localizado”, afirma. A resposta à consulta cita a Emenda Constitucional nº 132, de 2023, que instituiu a reforma tributária. Para Eduardo Diamantino, do Diamantino Advogados Associados, no entanto, a reforma mudou a dinâmica de cobrança do imposto e, assim, a resposta da Secretaria de Fazenda já nasceu defasada. Ele destaca que o artigo 16 da emenda passou a prever que o ITCMD pode ser cobrado com base no local de domicílio do donatário ou do herdeiro, e não só com base no critério do local do bem. “A consulta simplesmente ignorou isso e respondeu com a previsão constitucional antiga, pré-reforma”, diz Diamantino. “Ela é exótica, criando uma isenção que não precisava ter criado”, defende o advogado. A reforma tributária estabelece que a cobrança é válida se prevista em lei estadual específica. Porém, o Fisco paulista continuou a autuar contribuintes com base na lei estadual já em vigor. A cobrança do ITCMD sobre bens móveis no exterior é ainda mais controversa, destaca Alexandre Tadeu Navarro, sócio do Bicalho Navarro Advogados. Ele explica que a Constituição sempre exigiu uma lei complementar federal que regulasse a cobrança do imposto pelos Estados. Quando julgou o Tema nº 825, diz Navarro, o Supremo reforçou essa necessidade de lei complementar (que exige quórum maior para aprovação do que as leis ordinárias). SP interpretou a reforma de modo a continuar aplicando a lei” — Alexandre Navarro Até lá, no entanto, os contribuintes entendem que o Estado de São Paulo não poderia continuar aplicando a lei estadual existente, mas deveria ter editado nova legislação. “São Paulo interpretou a reforma de modo a entender que podia continuar aplicando a lei, mas aquela lei nasceu morta, não tinha base constitucional”, diz. “Se depois surge uma base, não é possível repristinar aquela lei antiga, reaproveitar a norma que era inválida, como o Estado de São Paulo quer”, defende Navarro. Na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), foi proposto o Projeto de Lei nº 7, em 2024, para atualizar a lei que rege a cobrança do ITCMD. Ele institui expressamente a cobrança quando os atos de transferência tiverem relação com o exterior. Porém, conforme a última movimentação, o PL está na Comissão de Finanças, Orçamento e Planejamento, desde março do ano passado. Um caso muito parecido ao da consulta já chegou ao Supremo para análise pelos ministros. Nesse caso, os contribuintes questionavam a cobrança de ITCMD sobre a doação de cotas de empresa localizada no exterior por doador que mora no Brasil. O argumento desses contribuintes era a necessidade de lei complementar federal para incidência do imposto e a invalidade da lei estadual. Segundo o ministro do STF Kassio Nunes Marques, no entanto, a lei complementar é necessária apenas quando o doador morar no exterior, ou o inventário for processado em outro país. “Sendo os doadores residentes no Brasil poderá o Estado de São Paulo exercer plenamente a sua competência, para instituir o ITCMD sobre os ativos financeiros recebidos pelos recorrentes em doação”, afirma o ministro na decisão de dezembro de 2024 (RE 1524457). Eduardo Diamantino, fundador do Diamantino Advogados Associados, lembra que o próprio Supremo já havia decidido, no julgamento do Tema nº 110, no ano de 2008, que uma lei declarada inconstitucional não pode voltar a valer automaticamente. “A Solução de Consulta nº 30.969, de 2024, está longe de ter colocado um ponto final nas discussões sobre o tema, que ganharam nova roupagem após a Emenda Constitucional 132”, resume o especialista. Além disso, há tributaristas que entendem que a doação de bens no exterior constituiria apenas o adiantamento da transferência por ocasião da sucessão por morte. “A operação está só antecipando a transmissão dos bens antes que ocorra o falecimento do detentor, sem alterar a natureza do que está sendo transferido”, afirma Camila Tapias, sócia fundadora do Utumi Advogados. “Seria totalmente plausível a aplicação do decidido no Tema 825 para o caso julgado por Nunes Marques”, conclui ela.

Fonte: Valor

Data da Notícia: 11/07/2025 00:00:00

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