Fazenda Nacional vence no Carf disputa sobre compensação de tributo pago no exterior

Por Beatriz Olivon — De Brasília

A Fazenda Nacional está conseguindo, no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), manter autuações fiscais referentes a uma disputa bilionária sobre tributação de lucros no exterior. Decisões das chamadas turmas baixas têm impedido a compensação, por grandes empresas, de estimativas mensais de Imposto de Renda (IRPJ) ou CSLL com tributo pago no exterior por controlada.

A tese passou a ser acompanhada mais de perto nos últimos anos pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), depois de se tornar mais frequente no Carf. É uma discussão vinculada à tese mais famosa envolvendo a tributação de lucros no exterior: se são válidas ou não as cláusulas de tratados internacionais para afastar a bitributação – tema que está sendo julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

A discussão envolve a Lei nº 9.249, de 1995, e também a Lei nº 12.973, de 2014, que autoriza a compensação do imposto sobre a renda pago no exterior por controlada por contribuinte brasileira (controladora), até o limite do IRPJ devido no Brasil. Quando há resultado positivo (lucro) no Brasil e no exterior, não há controvérsia. O problema ocorre em caso de prejuízo verificado no final do ano.

Os contribuintes defendem a tese de que podem, em caso de não conseguirem usar todo o valor recolhido no exterior em um ano, abater o saldo nas estimativas mensais adiantadas de IRPJ ou CSLL do próximo período. Para a Receita Federal, porém, não seria possível esse encontro de contas, o que tem sido mantido pelos conselheiros do Carf.

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“O que as empresas querem é usar o crédito para quitar tributos devidos por fato gerador ocorrido no Brasil. Isso vai contra a lei”, diz a procuradora Livia da Silva Queiroz, da PGFN, reforçando que, para a Fazenda, não é possível utilizar como um crédito, de forma livre, o equivalente ao valor pago em tributo no exterior. “O crédito surge quando você tem o lucro da controlada tributado no exterior e o correspondente resultado da controladora no Brasil também é tributado, é a chamada bitributação econômica.”

O crédito surge quando você tem o mesmo lucro tributado no exterior e no Brasil”
— Livia da S. Queiroz
Outra alegação do contribuinte, acrescenta, é que em caso de prejuízo fiscal, teria direito a usar esses créditos nas estimativas mensais. “A lei não diz isso. E não existe prejuízo fiscal, em muitos casos o que chamam de prejuízo fiscal é o resultado negativo das operações domésticas”, afirma a procuradora. “O prejuízo fiscal ocorre depois da apuração do ano-calendário. Mas está sendo chamado de prejuízo fiscal algo que ainda está sendo apurado e pode nem ocorrer, caso os lucros oriundos do exterior sejam suficientes para reverter os resultados domésticos negativos.”

As decisões nas chamadas turmas baixas têm sido favoráveis, segundo a procuradora. Na Câmara Superior já foram julgados alguns processos, mas sem discussão do mérito. As autuações foram mantidas por uma questão processual – falta de precedente para serem julgadas.

Individualmente, as autuações fiscais não são altas, de acordo com Livia. Mas a tese, acrescenta, é bilionária porque envolve muitos autos de infração. “Pode ter [uma empresa] várias autuações em um mesmo ano”, diz.

Um dos julgamentos foi realizado no fim do ano de 2024 pelos conselheiros da 2ª Turma da 1ª Câmara da 1ª Seção. Envolve uma autuação fiscal recebida pela Telemar Norte Leste (hoje Oi, em recuperação judicial), que tem outros 20 processos administrativos similares.

Por maioria de votos, o colegiado decidiu que o tributo pago sobre lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos no exterior, que não puder ser compensado em virtude de a pessoa jurídica, no Brasil, no respectivo ano-calendário, não ter apurado lucro real positivo, poderá ser compensado com o que for devido nos anos-calendário subsequentes, mas não com as estimativas de IRPJ. O caso tratava de um pedido de restituição de R$ 220 milhões (processo n° 16682.900435/2020-16).

No caso, a companhia teve prejuízo nos anos-calendários de 2011, 2012 e 2013 e não conseguiu utilizar os créditos de impostos reconhecidamente pagos no exterior. Em 2014, tentou compensar as estimativas mensais com o saldo, mas novamente teve prejuízo fiscal e as compensações foram consideradas ilegítimas pela fiscalização da Receita.

Na Câmara Superior, um dos julgados da Ambev indica mais 22 processos administrativos semelhantes aos quais foi aplicado o mesmo entendimento contrário. No caso, a empresa tentou utilizar crédito oriundo de saldo negativo de IRPJ para a quitação de débitos próprios. O valor, apurado em 2015, seria composto por estimativas de IRRF (antecipações) e, ainda, por parcela do imposto paga no exterior, por empresas ligadas à Ambev (processo nº 16692.720872/2017-33).

Segundo Caio Cesar Nader Quintella, ex-conselheiro da Câmara Superior do Carf e sócio de Nader Quintella Advogados, esses casos não analisam um planejamento tributário, mas interpretações sobre o critério legal para utilização do crédito que a lei prevê em contrapartida à tributação, no Brasil, de lucros no exterior. “Essa prerrogativa pode ser interpretada de mais de uma forma”, afirma.

O tributarista destaca que a Fazenda Nacional é mais restritiva, enquanto os contribuintes entendem que algumas vedações são ilegais e que a metodologia utilizada pela Receita Federal na hora de regulamentar as compensações extrapola e cria restrições maiores. Segundo Quintella, essa tese é menos popular do que o uso de tratados para evitar a bitributação.

Em nota, a Ambev informa que os casos são decorrentes de divergência de interpretação da legislação tributária e que a defesa da companhia “está suportada por argumentos jurídicos sólidos, corroborados por pareceres técnicos”. Ainda de acordo com a empresa, eventual decisão desfavorável no tribunal administrativo não é definitiva, cabendo a palavra final, em última instância, ao Poder Judiciário.

Por Valor

24/09/2025 00:00:00

MP Editora

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