Fazenda Nacional estuda a possibilidade de realizar arbitragens com contribuintes
Por Tiago Angelo e Beatriz Olivon — De Brasília
O avanço do Projeto de Lei (PL) nº 2.486/2022, aprovado no Senado e enviado à Câmara dos Deputados, tem levado técnicos do Ministério da Fazenda a estudar a possibilidade de se autorizar arbitragens com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). O assunto é polêmico porque entes públicos não podem abrir mão de receita. Porém, a medida já havia sido autorizada para as transações tributárias, por meio de mudança legislativa, e é o que pode ocorrer com a arbitragem a depender do andamento da proposta no Congresso Nacional – há outros projetos de lei, mas esse é o mais adiantado.
O tema não é uma prioridade na Fazenda, mas a PGFN encampa e tem total interesse no PL 2.486/2022, que trata de arbitragem em matéria tributária e aduaneira, segundo a procuradora-geral da Fazenda Nacional, Anelize Lenzi Almeida. Para ela, soluções de litígios por meio de mediação, arbitragem ou a própria transação tributária são um caminho sem volta.
“É o futuro. Acredito que temos a possibilidade de melhorar ainda mais a relação com o contribuinte por meio da arbitragem, mas tenho alguns receios”, afirma a procuradora-geral.
O fundamento do direito tributário brasileiro é constitucional, mas se o árbitro tiver a competência constitucional poderá definir matérias que não são estritamente jurídicas e constitucionais, segundo a procuradora, como base de cálculo de tributos e conceito de renda. A arbitragem seria interessante, acrescenta, para discutir questões mais técnicas, como o conceito de insumo para uma empresa.
Além disso, afirma Anelize, a arbitragem não poderia ser obrigatória para a Fazenda Nacional, como é nas relações comerciais, que preveem, nos contratos, a solução de litígios por meio da arbitragem.
Outro ponto relevante para a PGFN é estabelecer que, com a definição de um tema, a decisão seja cumprida por todos os entes, caso a União seja derrotada, e também pelos contribuintes, se tiverem que pagar um tributo, por exemplo. “Teremos que internalizar e vincular todo mundo. O auditor não vai lançar, o Carf [Conselho Administrativo de Recursos Fiscais] não vai poder julgar. Mas o contrário vai ser verdadeiro?”, questiona. Para a procuradora, ante a derrota do contribuinte, deve haver previsão expressa para o pagamento direto do débito, sem execução fiscal.
Existe muita pressão dos tributaristas pela aprovação da arbitragem, pela chance de se abrir um novo mercado e pelo interesse de clientes em resolver alguns conflitos de forma mais rápida. Ao mesmo tempo, há resistência por parte de profissionais da arbitragem com relação ao texto do projeto de lei que está mais adiantado, de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Existem outros projetos sobre o tema, que não avançaram. Um deles traz algumas diferenças inclusive na nomeação, ponto sensível para os “arbitralistas”, para quem a arbitragem tributária é possível desde que seja adotado outro nome, para não confundir com a prática comercial – que não é opcional e é feita por três árbitros, diferente do proposto para a tributária.
Segundo a advogada Priscila Faricelli, sócia do Demarest que atuou na redação de outro projeto sobre o tema (PL 4468/2020), a arbitragem é uma demanda dos empresários para a área tributária. “As brigas são muito longas e há muita solução conflitante”, afirma. Há um pedido para que esse projeto seja aglutinado ao outro, ainda sem retorno, acrescenta a advogada.
Priscila destaca que a arbitragem seria uma forma de solução mais célere nos casos de discussões técnicas que demandam perícia contábil, por exemplo. “Tem discussão tributária que é puramente contábil. Você pode ter um auditor fiscal aposentado como árbitro”, exemplifica.
A tributarista pontua que a advocacia pública depende de uma previsão legal para poder realizar as arbitragens, por isso a expectativa em relação aos projetos de lei. Para Faricelli, temas que poderiam ser levados para a arbitragem na área tributária são situações que envolvem perícia, disputas sobre compensação e se há ou não transferência de tecnologia em um contrato para incidência de Cide-Royalties, por exemplo. “Não são teses, mas questões fáticas.”
No CBAr, o Comitê Brasileiro de Arbitragem, que representa o setor, há preocupação que o texto mais adiantado confunda a arbitragem comercial com o modelo que será desenhado para o tributário, que considera um outro instituto, pelas diferenças existentes.
“Nossa preocupação é manter hígido e saudável um sistema que é um sucesso”, afirma Silvia Pachikoski, coordenadora da Comissão de Assuntos Legislativos do CBAr. O grupo está em contato com a Advocacia-Geral da União (AGU) e membros da administração pública sobre a possibilidade de o texto avançar, segundo a coordenadora.
Para a coordenadora, um ponto de preocupação com o PL 2.486 é a atribuição a cada ente da federação da possibilidade de legislar sobre procedimento específico. “Teremos uma sobreposição de competências, diferenças de regimes”, diz.
A presidente do CBAr, Debora Visconte, afirma que há um desconhecimento dos detalhes da arbitragem no texto. A preocupação é que o modelo tributário gere judicialização, reverberando na jurisprudência e imagem da arbitragem comercial.
“Não somos resistentes à ideia, mas precisamos construir um cenário viável factível e que não contamine o ambiente que está estável e andando bem”, diz ela, acrescentando que, “com a experiência adquirida no tema, já é possível verificar no que está proposto o que vai ou não funcionar”.
Procurado pelo Valor, o autor do PL 2486/2022, senador Rodrigo Pacheco, não retornou.