Estados reagem ao tarifaço dos EUA com pacotes fiscais e apoio emergencial

A escalada tarifária dos Estados Unidos contra produtos brasileiros levou cinco estados – Santa Catarina (SC), Paraná (PA), Espírito Santo (ES), Piauí (PI) e Rio Grande do Norte (RN) – a anunciarem, entre agosto e setembro de 2025, pacotes emergenciais para reduzir os impactos imediatos sobre empresas exportadoras. As medidas incluem postergação de tributos, devolução acelerada de créditos de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), linhas de financiamento e até ações diplomáticas em busca de apoio federal. O movimento, ainda restrito a essas cinco unidades da federação, reflete a urgência diante da ameaça de perda de competitividade em setores estratégicos da economia. O tarifaço atinge principalmente cadeias exportadoras de manufaturados, madeira, rochas ornamentais, alimentos, pescado e produtos agrícolas. Segundo a tributarista e professora universitária Camilla Oliveira, a rapidez da resposta é indicativa de preparo institucional. “SC, PR e ES conseguiram implementar medidas fiscais executáveis em poucas semanas, como prorrogação de ICMS e liberação de créditos. Isso mostra capacidade técnica prévia e governança ativa, com instrumentos já previstos em regulamentos como a Lei Kandir”, afirmou. Contexto internacional e histórico das tarifas As medidas americanas não surgiram do nada. Nos últimos anos, os EUA têm intensificado a aplicação de tarifas de proteção sobre produtos estrangeiros, especialmente em setores considerados sensíveis para a indústria nacional. O Brasil, por ser grande exportador de commodities e produtos de base agrícola e manufatureira, acabou incluído em listas de sobretaxação. Não é a primeira vez que o país enfrenta barreiras desse tipo. Nos anos 2000, o aço brasileiro foi alvo de medidas semelhantes. Mais recentemente, em 2018, tarifas sobre alumínio e aço também afetaram diretamente exportadores brasileiros. A diferença agora está na abrangência: o tarifaço atual alcança um conjunto mais diversificado de produtos, pressionando desde o setor moveleiro catarinense até a fruticultura potiguar. Santa Catarina: alívio imediato no ICMS Santa Catarina foi um dos primeiros estados a reagir. O governo anunciou a prorrogação do ICMS de agosto, setembro e outubro/25 para janeiro/26, permitindo que empresas ganhem fôlego de caixa. Além disso, autorizou a alienação de créditos acumulados de exportação a terceiros, em até três parcelas, mediante comunicação prévia via Sistema de Administração Tributária (SAT). O critério central foi priorizar empresas cujo faturamento dependa em mais de 5% das exportações para os EUA. O foco é proteger setores intensivos em exportação, como móveis, plásticos e madeira. “O crédito de ICMS é a medida mais eficaz no curto prazo, porque entra direto no caixa da empresa, dando liquidez imediata”, destacou Camilla Oliveira. Rio Grande do Norte: diplomacia e proteção aos produtores No Rio Grande do Norte, o caminho escolhido foi mais político. A governadora Fátima Bezerra articulou junto ao Consórcio Nordeste e ao Governo Federal para defender medidas emergenciais, como linhas de crédito especiais e compras governamentais destinadas a absorver a produção local. Os setores mais expostos incluem fruticultura, pescado, mel, sal e minérios – bases da pauta exportadora potiguar. A proposta é integrar ações estaduais a um plano federal mais amplo. O estado aposta na união regional como força de barganha diante de um problema que pode comprometer cadeias produtivas e empregos. Piauí: Lei Kandir como instrumento de resposta O governo do Piauí decidiu acelerar a devolução de créditos de ICMS acumulados com base na Lei Kandir. A medida beneficia diretamente setores como o mel natural – no qual o estado lidera as exportações nacionais, com 25,41% do total em 2024 – e a cera vegetal, em que ocupa a segunda posição no ranking brasileiro. Com a devolução antecipada, os exportadores ganham liquidez para manter operações em andamento, reduzindo os efeitos imediatos da perda de margem causada pelas tarifas americanas. A ação está integrada ao plano do Ministério da Fazenda, que estuda mecanismos de compensação federal. Paraná: o pacote mais robusto O Paraná lançou o programa mais amplo entre os estados afetados. Foram liberados R$ 300 milhões em créditos de ICMS via Siscred, com limite de R$ 10 milhões por empresa. Houve também flexibilização na exigência de diferimento do ICMS, reduzida de 80% para 50% da receita bruta de exportações. Além disso, o governo estadual reservou R$ 1 bilhão para devolução futura do Siscred, vinculado ao Paraná FIDC, um fundo voltado ao agronegócio. O pacote incluiu linhas de crédito específicas: BRDE: R$ 200 milhões, juros IPCA + 4%, prazo de 5 anos e carência de 1 ano. Fomento Paraná: R$ 200 milhões destinados a micro e pequenas empresas, com modalidades de microcrédito e renegociação de dívidas. Os setores mais atingidos são madeira e derivados, além de manufaturas, máquinas, plásticos, alumínio, açúcar, café e pescado. “A diferença de valores reflete tanto a capacidade fiscal e maturidade operacional do Paraná quanto o grau de exposição de seu setor madeireiro e manufatureiro às exportações americanas”, avaliou Camilla Oliveira. Espírito Santo: créditos e manutenção de empregos No Espírito Santo, o governo autorizou o uso ou transferência de créditos acumulados de ICMS até o limite de R$ 100 milhões. Os recursos podem ser usados para quitar tributos em atraso, inclusive dívida ativa, ou para aquisição de máquinas e equipamentos. Como contrapartida, as empresas beneficiadas devem manter empregos. O Bandes suspendeu prestações de financiamentos por até seis meses e abriu nova linha de crédito de R$ 60 milhões para empresas com faturamento anual de até R$ 20 milhões. O estado também criou o Comitê de Enfrentamento das Consequências do Aumento Tarifário (CETAX), responsável por dialogar com setores e elaborar diagnósticos técnicos. Os principais setores beneficiados incluem rochas ornamentais, pescados, pimenta-do-reino, mamão e gengibre. O que une e o que diferencia as estratégias Apesar de diferentes em formato, as medidas seguem uma lógica comum: oferecer liquidez e apoio emergencial às empresas mais afetadas. Santa Catarina e Espírito Santo: foco em créditos acumulados de ICMS. Piauí: devolução acelerada pela Lei Kandir. Rio Grande do Norte: articulação política e apoio emergencial. Paraná: pacote mais robusto, com créditos, fundos e linhas de financiamento. Medidas são paliativas Para especialistas, essas ações equivalem a um “primeiro socorro”. “Elas oferecem fôlego de caixa e evitam rupturas imediatas, mas não resolvem a perda estrutural de margem. Se as tarifas persistirem, será preciso criar mecanismos permanentes, como monetização de créditos e incentivos à diversificação de mercados”, alertou Camilla Oliveira. Riscos fiscais no horizonte Os pacotes não estão livres de riscos: Queda temporária ou adiamento da arrecadação. Pressão sobre estoques de créditos tributários. Risco de judicialização. Impacto na dívida ativa estadual. A sustentabilidade dependerá de planejamento orçamentário (LDO e LOA), contrapartidas de emprego e uso estratégico de fundos e bancos de desenvolvimento. Como medir a eficácia Segundo a especialista, alguns indicadores serão fundamentais nos próximos meses: Fiscais: créditos liberados, tempo médio de devolução e saldo acumulado. Setoriais: volume de exportações, receitas e nível de emprego formal. Arrecadação: desempenho do ICMS por setor e índice de inadimplência. Financeiros: contratos de crédito firmados, taxas aplicadas, prazos de liberação e inadimplência. O que esperar se o tarifaço persistir Se as tarifas americanas se mantiverem, os estados precisarão evoluir de medidas emergenciais para políticas estruturais: Fiscal/tributário: monetização permanente de créditos, diferimentos condicionados e isenções específicas. Produtivo/comercial: diversificação de mercados, adaptação do mix de exportação, integração em cadeias regionais. Financeiro: linhas de crédito de longo prazo, seguros de crédito e fundos garantidores. Governança: comitês permanentes de monitoramento, exigência de contrapartidas em emprego e inovação. “As ferramentas adotadas são replicáveis, mas os parâmetros devem ser ajustados à realidade de cada estado”, reforçou Camilla Oliveira. Entendendo a Lei Kandir A Lei Complementar nº 87/1996, conhecida como Lei Kandir, desonerou do ICMS as exportações de produtos primários e semielaborados. Como contrapartida, a União deve compensar os estados pela perda de arrecadação. O mecanismo também permite a devolução de créditos de ICMS acumulados, sendo hoje um dos principais instrumentos utilizados para aliviar o caixa de exportadores. Sinais de resiliência, mas incerteza no longo prazo A resposta de SC, PR, ES, PI e RN mostra que governos estaduais brasileiros têm capacidade de reagir rapidamente a crises externas com medidas fiscais e políticas. No entanto, especialistas alertam que esses “primeiros socorros” não bastam caso as tarifas americanas se consolidem como política permanente. O futuro dependerá da capacidade do Brasil de diversificar mercados, fortalecer cadeias produtivas e criar instrumentos de apoio permanentes, em um cenário em que a geopolítica comercial volta a ser determinante para o desempenho das exportações nacionais. Juliana Moratto Editora chefe

Por Contábeis

01/09/2025 00:00:00

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