Estados perdem no STF casos bilionários

Por Beatriz Olivon — De Brasília A União venceu em 2021 grandes disputas tributárias travadas no Supremo Tribunal Federal (STF). Vitórias que evitaram um rombo de R$ 48 bilhões nos cofres públicos. Os Estados, porém, perderam em três casos importantes e, para manter as cobranças em dois deles, ficaram nas mãos do Congresso Nacional e do governo federal. São discussões que beiram R$ 40 bilhões. Em uma delas, a que trata do diferencial de alíquotas (Difal) do ICMS (RE 1287019 e ADI 5469), os Estados terão que voltar ao Supremo. Com o atraso na publicação da lei complementar exigida pelos ministros, os contribuintes defendem, na Corte, que a cobrança só pode voltar a ser feita em 2023, o que pode custar R$ 9,8 bilhões. A Lei Complementar nº 190 foi publicada no dia 5. No julgamento que tratou do ITCMD sobre herança no exterior (RE 851108), os ministros também exigiram lei complementar, que ainda não saiu do Congresso Nacional. Na época, só o Estado de São Paulo estimou prejuízo de cerca de R$ 2 bilhões com as ações dos contribuintes. Levantamento realizado pelo escritório Machado Meyer mostra que, em 2021, o contribuinte venceu 22 temas no STF – 14 deles tratavam de tributos estaduais, em geral o ICMS. Um deles com estimativa de R$ 26,7 bilhões em perdas ao ano. Trata-se da redução das alíquotas sobre as contas de luz, telefone e internet (RE 714139), que acabou ficando para 2024, com modulação feita pelos ministros (leia abaixo). A União saiu derrotada em alguns casos, mas só uma tese consta na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), com valor estimado em R$ 2 bilhões. Os ministros impediram a cobrança de Imposto de Renda sobre juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração a trabalhador (RE 855091). Já entre as 14 vitórias fazendárias, só três envolviam tributos estaduais. Os Estados conseguiram manter a incidência do ICMS Difal no Simples (RE 970821) e a cobrança do imposto estadual sobre serviços de telecomunicações mesmo em caso de inadimplência do usuário (RE 1003758). Não há estimativa do impacto econômico dessas vitórias. No caso da União, a vitória de maior valor, de R$ 31,8 bilhões, envolvia a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide). Parte da tese, referente ao Sebrae, foi julgada em 2020 (RE 603624). Para André Horta, diretor institucional do Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda, Finanças, Receita e Tributação dos Estados e Distrito Federal (Comsefaz), as derrotas dos Estados não são uma tendência. “Atribuo ao conteúdo mesmo das ações que foram decididas pela eventualidade da pauta”, afirma. Horta destaca que os Estados tiveram modulações muito importantes, como a do Difal e a do ICMS sobre as contas de luz, telefone e internet, o que transformou a derrota em uma vitória temporária. A redução do ICMS sobre energia e telecomunicações, definida em novembro, é considerada como uma bomba fiscal. São os setores que, junto do de combustíveis, mais geram arrecadação. “Isso mostra uma sensibilidade do Supremo Tribunal Federal para com as necessidades públicas dos cidadãos”, diz Horta. Ele acrescenta que há prudência com os recursos que são necessários para atender aos serviços públicos estaduais e municipais nesse momento desafiador de crise sanitária e econômica – parte do ICMS vai para os municípios. Um dia depois de o Supremo decidir a questão, o Comsefaz enviou carta aos ministros expondo o rombo e pedindo para que a redução das alíquotas de ICMS começasse a valer somente em 2024. Justificaram que, desta forma, ficaria alinhada aos Planos Plurianuais (PPAs), que são elaborados por um período de quatro anos. Segundo Saul Tourinho, sócio do Ayres Britto Consultoria, o ICMS acaba sendo o tributo mais mal visto pelos empresários e as discussões sobre ele no STF, diferentemente das relativas aos tributos federais, não tratam apenas de alíquota ou base de cálculo. “Há uma dificuldade na conflagração de legislações e a disfuncionalidade desse imposto acaba gerando uma hiperjudicialização”, afirma. Para o advogado, os contribuintes vencem mais casos de ICMS pela própria disfuncionalidade do imposto, que gera questionamentos sobre a forma de cobrança, modelo de creditamento, guerra fiscal e previsão legal. Também por isso, os Estados perdem mais do que a União em disputas tributárias. Outros processos que se tornaram derrotas dos Estados tratavam de ações contra normas estaduais, como a lei paulista sobre ICMS no licenciamento ou cessão do direito de uso de softwares (ADI 5576) e a lei cearense que autorizava o uso de 70% do saldo da conta única de depósitos judiciais (ADI 5414). Cristiane Romano, sócia do escritório Machado Meyer, destaca que, além das derrotas, os contribuintes enfrentam o problema da modulação e as interrupções nos julgamentos realizados no Plenário Virtual. Casos que foram destacados depois dos votos de ministros que se aposentaram (Celso de Mello e Marco Aurélio Mello) vão recomeçar do zero, mesmo com maioria formada, e o voto deles não será computado. Mas o uso do Plenário Virtual, acrescenta, aumentou o número de casos julgados pelos ministros. Até 16 de dezembro, foram analisados 55 processos nas sessões presenciais e por videoconferência e, em sessões virtuais, 4.787. Grande parte dos julgamentos tributários aconteceram no ambiente virtual. Em nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirma que as vitórias da União apenas sinalizam que o legislador brasileiro vem atuando em respeito à Constituição Federal. O Valor procurou alguns Estados para comentar as decisões, mas não deram retorno até o fechamento da edição.

Fonte: Valor Econômico

Data da Notícia: 26/01/2022 00:00:00

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