Empresas vencem disputa sobre adicional do ICMS
Por Beatriz Olivon — De Brasília
A maioria dos tribunais regionais federais (TRFs) do país já decidiu pela exclusão do adicional de ICMS destinado a fundos estaduais de combate e erradicação da pobreza da base de cálculo do PIS e da Cofins. Conforme levantamento realizado pelo escritório Rivitti e Dias Advogados, todas as 19 decisões colegiadas sobre o assunto encontradas em quatro TRFs, da 2ª, 3ª, 4ª e 5ª Regiões, foram proferidas a favor do contribuinte.
Os fundos de combate à pobreza correspondem, na prática, a um adicional de até 2% do ICMS. Eles foram instituídos por Estados com base em previsão do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).
O tema é considerado, pelos advogados, uma sequência da exclusão do ICMS da base do PIS e da Cofins – a chamada “tese do século”. Para as empresas, deveria ser aplicado o mesmo entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Mas, em 2024, a Receita Federal diferenciou o tributo do adicional, por meio da Solução de Consulta nº 61, editada pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit).
Na solução de consulta, a Receita estabelece que o adicional de ICMS destinado ao Fundo de Combate à Pobreza não deve ser excluído do PIS e da Cofins. Para o órgão, o adicional não teria a mesma natureza jurídica do ICMS e, portanto, não poderia ser aplicado ao caso a “tese do século”. O órgão aponta, no texto, que esse ICMS tem efeito “cascata”, por ser cumulativo, além de possuir vinculação específica e não precisar ser repartido com os municípios.
O Judiciário, contudo, tem rechaçado essa interpretação, reconhecendo que os valores são de um adicional do ICMS e têm a natureza do próprio imposto. Os julgamentos consideram a decisão da “tese do século”, segundo destaca Túlio Parente, sócio do Rivitti e Dias Advogados.
Até o momento, aponta o levantamento, não se tem registro de julgamento dos demais tribunais sobre o tema (TRF-1 e TRF-6). No TRF-2 (Rio de Janeiro e Espírito Santo) foram localizados seis acórdãos, no TRF-3 (São Paulo e Mato Grosso do Sul) foram sete, no TRF-4 (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul), dois e no TRF-5 (Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe), quatro.
Em um dos julgados, a 4ª Turma do TRF-2 considerou que a natureza do adicional é “indiscernível da tributária”, o que lhe impõe o mesmo tratamento jurídico dado ao crédito tributário regular do imposto estadual. “É imediata e automática a incidência, sobre a espécie, da tese consagrada pelo STF no Tema 69, para reconhecer que os pagamentos efetuados pelo sujeito passivo a esse fundo não integram a receita bruta da demandante e, logo, não podem integrar a base de cálculo do PIS e da Cofins” (processo nº 5064653-14.2024.4.02.5101).
No TRF-3, a 4ª Turma também aplicou a decisão do STF, seguindo inclusive a modulação estabelecida pelo Supremo. O caso havia sido ajuizado em 14 de junho de 2019, portanto, os valores a serem compensados ficam restringidos a cobranças referentes a fatos ocorridos depois de março de 2017 (processo nº 5010747-68.2019.4.03.6100).
O adicional é sem nenhuma dúvida ICMS. Tem todas as suas características”
— Marcio Alabarce
Decisão no TRF-5, da 3ª Turma, considerou a similaridade com outras modalidades de ICMS, como o arrecadado sobre o diferencial de alíquotas (ICMS-Difal), que só transita pela contabilidade da empresa até ser recolhido ao Estado. “O ICMS de tal modalidade não pode ser entendido como faturamento e, consequentemente, não deve servir de base de cálculo para o PIS e a Cofins”, conclui no voto o relator, desembargador federal Alexandre Luna Freire (processo nº 0805339-35.2024.4.05.8100).
Segundo Parente, esse é mais um episódio em que a Receita Federal busca restringir o alcance da “tese do século”, mas encontra resistência nos tribunais. Na prática, enquanto não há judicialização, afirma o advogado, as empresas são obrigadas a seguir a orientação do órgão, sob pena de autuação, o que pode gerar passivos relevantes, acrescidos de multa e juros. “Tem-se, assim, um aumento indevido da carga tributária, que pressiona resultados e margens de lucro, sobretudo em setores com baixa elasticidade de preços”, diz.
O advogado Aurélio Longo Guerzoni, sócio-fundador do escritório Guerzoni Advogados, pondera que, diferentemente da tese da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins e das “teses filhotes”, o número de ações judiciais que discutem a inclusão do adicional de ICMS nas bases das contribuições é expressivamente menor. Isso porque o adicional de ICMS destinado aos Fundos de Combate à Pobreza deve incidir sobre produtos supérfluos e, em muitos casos, nas operações ao consumidor final.
Guerzoni afirma que existem algumas manifestações pontuais desfavoráveis aos contribuintes, em especial em decisões monocráticas provisórias que rejeitam pedidos de urgência. Em um dos casos, o desembargador federal José Amilcar de Queiroz Machado, da 7ª Turma do TRF-1, aponta que a “tese do século” se refere ao ICMS propriamente dito, não se aplicando, de forma automática, a outras espécies tributárias ou adicionais (processo nº 1.039209-51.2024.4.01.0000)
“Apesar disso, os tribunais regionais federais têm consistentemente reconhecido a impossibilidade de inclusão do adicional de ICMS nas bases de cálculo do PIS e da Cofins, aplicando o mesmo racional da tese do século”, diz.
Segundo o advogado Marcio Alabarce, sócio do escritório Canedo, Costa, Pereira e Alabarce Advogados, o adicional é “sem nenhuma dúvida” ICMS. “Tem todas as suas características, apenas uma destinação específica, e é só. A Fazenda tem criado distinções que inexistem”, afirma. Para o advogado, é uma estratégia de contenção de danos para maximizar tanto quanto possível a arrecadação fiscal.
Em nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional informa que está acompanhando os casos e irá recorrer das decisões.