Empresas vão à Justiça para obrigar Receita a analisar crédito tributário
Por Laura Ignacio — De São Paulo
A vitória dos contribuintes em grandes teses tributárias, como a exclusão do ICMS do PIS e da Cofins no Supremo Tribunal Federal (STF), gerou atraso na análise pela Receita Federal de pedidos de habilitação de créditos tributários reconhecidos em decisão judicial final (transitada em julgado). Com a demora, a saída para muitos contribuintes que precisam fazer a chamada compensação fiscal – uso desses créditos para pagamento de tributos devidos – tem sido o Judiciário.
Segundo advogados tributaristas, a Receita Federal tem levado mais de 90 dias para dar uma resposta ao contribuinte. Contudo, conforme previsão do próprio órgão, por meio da Instrução Normativa nº 2055/21, o prazo para a análise desse tipo de demanda é de 30 dias (artigo 102, parágrafo 3º).
Um dos casos levados ao Judiciário é de uma fabricante de máquinas de Jaraguá do Sul (SC). A empresa protocolou na Receita Federal pedido de habilitação de crédito referente à exclusão de verbas indenizatórias da base de cálculo da contribuição previdenciária patronal, reconhecida por decisão judicial transitada em julgado.
Na primeira instância, a liminar foi negada. Porém, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), com sede em Porto Alegre, deu prazo de cinco dias para uma resposta da Receita. “O Fisco está obrigado a proferir a decisão administrativa no prazo máximo de 30 dias a contar do protocolo dos pedidos de habilitação de crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado”, diz em seu voto a relatora, desembargadora Maria de Fática Freitas Labarrère (agravo de instrumento nº 5038429-30.2022.4.04.0000).
Para uma empresa de informática de Blumenau (SC) foi concedida decisão semelhante do TRF-4. No caso, a Receita Federal recorreu contra o prazo de cinco dias determinado pela primeira instância. Disse que respeita a ordem de entrada dos requerimentos e que não seria o caso de o contribuinte ter direito a tratamento preferencial.
Na decisão, o relator, desembargador Leandro Paulsen, entendeu que, “extrapolado o prazo legal para análise do pedido de habilitação de crédito, resta violado o direito do contribuinte, não sendo necessária a demonstração de outras razões para que se proceda a análise do pedido”. Ele, porém, ampliou o prazo dado à Receita para dez dias úteis (agravo de instrumento nº 5037858-59.2022.4.04.0000).
Também na região Sul, uma empresa de automação obteve liminar favorável logo na primeira instância. Segundo decisão da 2ª Vara Federal de Curitiba, “o prazo de 30 dias já se encontrava extrapolado quando da propositura do presente mandado de segurança”. Foi fixado o prazo de cinco dias para a Receita Federal (mandado de segurança nº 5041049-64.2022.4.04.7000).
O tributarista Guilherme Ramos da Cunha, do escritório Silva, Santana e Teston Advogados, que defende a fabricante de máquinas e a empresa de informática, afirma que a demora seria “fruto da operação tartaruga que os servidores da Receita Federal estão fazendo em protesto contra o congelamento de salários há mais de cinco anos”.
Para ele, a situação é irônica. “A partir do momento que a Receita não habilita os créditos dos contribuintes, o maior beneficiário é o governo federal – contra quem fazem a operação tartaruga”, diz o advogado, destacando que o escritório já obteve ao menos seis liminares no Sul do país e tentam o mesmo em São Paulo. “Há casos de pedidos parados há seis meses.”
A advogada Daniella Zagari, do escritório Machado Meyer, afirma que a demora para responder a pedidos de habilitação de créditos de decisões judiciais finais não tem ultrapassado os 90 dias em São Paulo. “Como esse atraso não tem prejudicado nossos clientes, raramente temos ido ao Judiciário”, diz.
A compensação de créditos para quitar tributos vincendos é o melhor dos caminhos para as empresas porque a alternativa seria esperar pelo pagamento de precatórios, “o que demora uma eternidade”, de acordo com o advogado João Paulo Toledo de Rezende, do escritório Lira Advogados.
Em São Paulo, Rezende afirma enfrentar atrasos de 90 dias sobre pedidos de habilitação de créditos. “Um cliente no Amazonas já aguarda resposta por 9 meses. Poderíamos entrar com mandado de segurança, mas a empresa não tem urgência”, diz. “Com a retirada do ICMS do cálculo do PIS/Cofins algumas empresas já estão com volume alto de créditos.”
A área técnica da Receita Federal admite que há atraso. De acordo com o órgão, “parte representativa desses pedidos de habilitação está sendo analisada no prazo de 30 dias”. Por meio de nota explica que os “casos excepcionais” não analisados nesse prazo podem ser atribuídos a alguns motivos, como a alta demanda de grandes teses decididas recentemente, como a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins pelo STF.
Os casos levados ao Judiciário, segundo a Receita, estão sendo analisados com prioridade. “As unidades imediatamente priorizam a análise destes pedidos para evitar o prosseguimento da lide”, diz o órgão.
Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não deu retorno até o fechamento da edição.