Empresas multinacionais buscam nova vitória no STJ
Por Joice Bacelo — Do Rio
Após conseguirem decisão favorável na 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), as multinacionais concentram esforços, agora, para tentar convencer os ministros da 2ª Turma a também se posicionarem contra a norma da Receita Federal sobre o cálculo do preço de transferência. Esse tema é importante para a indústria. Tem impacto sobre os valores a pagar em Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL.
Se as duas turmas que julgam os temas de direito público – 1ª e 2ª – decidirem da mesma forma, ficará difícil de a Fazenda Nacional conseguir levar essa discussão adiante na Corte. É que a 1ª Seção, a instância uniformizadora, só pode ser acionada pelas partes quando existe divergência.
Com decisão favorável nas duas turmas, além da tendência de os próximos casos serem julgados da mesma forma, também seria mais fácil convencer juízes e desembargadores a replicar o entendimento para os processos que ainda estão em primeira e segunda instâncias.
“A maioria desses casos está no Tribunal Regional Federal da 3ª Região [com sede em São Paulo] e há uma divisão entre as turmas. Algumas são favoráveis aos contribuintes e outras contrárias”, diz a advogada Priscila Faricelli, do escritório Demarest.
Existem pelo menos três recursos sobre o tema que podem ser julgados a qualquer momento na 2ª Turma. Um deles chegou a ser pautado para a sessão do dia 14 de junho, mas foi retirado por indicação do relator, que, na ocasião, era o ministro Og Fernandes.
Ele deixou a turma para assumir a vice-presidência do STJ. Quem ocupa o seu lugar agora – e herdou os seus processos – é o ministro Humberto Martins, que até o mês de agosto era o presidente da Corte. A inclusão do caso em pauta depende dele (REsp 1957687).
Os outros dois casos têm como relatores os ministros Francisco Falcão (REsp 1787614) e Assusete Magalhães (REsp 1800807).
As regras do preço de transferência se aplicam quando operações de exportação e importação são feitas entre partes relacionadas, ou seja, empresas do mesmo grupo econômico, mas localizadas em países diferentes.
Trata-se de um meio de controle previsto na Lei nº 9.430, de 1996, para evitar que o lucro seja transferido de forma indevida para o exterior, o que reduziria o pagamento de impostos.
Existem métodos para fixar o preço do produto que vem de fora. O Preço de Revenda menos Lucro (PLR) é um dos mais utilizados. Aplica-se quando o produto é importado para revenda e não passa por nenhum processo de transformação no Brasil. O contribuinte tem que diminuir do preço da revenda uma margem de lucro presumida em lei.
A discussão que está no STJ trata desse método. Mas tem um período específico: de 2002 a 2012. Isso porque a norma da Receita Federal em questão – Instrução Normativa nº 243 – foi editada no ano de 2002 e deixou de valer em 2012 porque foram feitas alterações na lei.
Advogados dizem que praticamente todas as empresas atingidas têm processos discutindo esse tema. Seja porque entraram com ação de forma preventiva, para evitar autuação fiscal, ou porque não seguiram o cálculo estabelecido pela Receita Federal, foram autuados e recorrem das cobranças.
Os valores envolvidos, segundo os especialistas, costumam ser altos, atingindo a casa de milhões muitas vezes. Eles dizem que houve aumento de imposto com a fórmula instituída pela Receita Federal.
Sustentam que a legislação da época estabelecia uma margem que se iniciava em 60% e cairia conforme se agregasse valor no país. Quanto maior o índice de nacionalização do produto, portanto, menor seria a margem de lucro exigida e tributada.
Já a norma editada pela Receita estabeleceu uma técnica de proporcionalização. Segundo os advogados, passou a exigir que as empresas tivessem margem de 60% também sobre o que agregassem no país.
A 1ª Turma do STJ julgou o tema pela primeira vez nesta semana e deu razão aos contribuintes. Decidiu, por unanimidade, pela ilegalidade da norma. Os ministros entenderam que a Receita Federal extrapolou o que diz a lei.
“Em atenção à separação de poderes não me parece possível que prevaleça regra criada pelo próprio credor, a Receita Federal”, afirmou o ministro Gurgel de Faria (AREsp 511736).
Essa decisão, por ser a primeira da Corte sobre o tema – e em sentido favorável – animou os contribuintes. Mas não a ponto de achar que o caso está encerrado. Advogados criaram uma força-tarefa para, agora, tentar convencer os ministros da 2ª Turma a seguirem por esse mesmo caminho.
Dois dos três recursos que estão na turma têm decisões monocráticas. Foram proferidas pelos ministros Og Fernandes e Assusete Magalhães. Eles não entram no mérito.
Afirmam que os casos exigem análise de disposições de instrução normativa, que não se enquadra no conceito de lei federal e, por esse motivo, não pode ser apreciada no STJ. Suposta ofensa aos princípios da estrita legalidade e da capacidade contributiva, além disso, caberia ao Supremo Tribunal Federal (STF).
A advogada Priscila Faricelli, do escritório Demarest, chama a atenção, no entanto, que o caso julgado pela 1ª Turma nesta semana também tinha decisão monocrática do relator, o ministro Benedito Gonçalves, nesses mesmos termos e que ele voltou atrás.
“Essa era uma posição comum entre os ministros. Mas estamos conseguindo mostrar que trata-se de uma ilegalidade porque os efeitos da instrução normativa superam o que diz a lei”, frisa.
Para a advogada Clarissa Machado, do escritório Trench Rossi Watanabe, além disso, seria difícil direcionar o tema do STJ para o STF. “Só consegue se existir elemento em relação à constitucionalidade. Mas não é tão nítido nem tão provável. A discussão na 1ª Turma, que assistimos nesta semana, foi sobre legalidade e, portanto, a competência para julgar é do STJ.”