Corinthians afasta na Justiça cobrança milionária de ISS
Por Adriana Aguiar — De São Paulo
O Corinthians conseguiu anular, no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), cobranças milionárias de ISS aplicadas pela Prefeitura de São Paulo. Com a decisão, da 14ª Câmara de Direito Público, no campo fiscal, os três principais clubes da capital paulista, incluindo São Paulo e Palmeiras, estão empatados – todos derrubaram autuações no Judiciário.
No caso do Corinthians, os desembargadores mantiveram sentença da 2ª Vara da Fazenda Pública. Dos 29 autos de infração lavrados, que totalizam R$ 20,9 milhões, 24 foram derrubados. Cinco autuações foram mantidas e, em três delas, o clube aderiu ao Programa de Parcelamento Incentivado (PPI).
Desde 2015, a Prefeitura de São Paulo exige o imposto sobre atividades dos times de futebol, como os programas voltados a torcedores, eventos na sede dos clubes e a cessão de marcas. Em 2019, as cobranças totalizavam cerca de R$ 500 milhões (último dado disponível).
De lá para cá, porém, estimam advogados da área, o valor pode ter mais que dobrado, em razão do aumento de receitas dos clubes – à exceção do período de pandemia – e novas autuações.
Para se ter uma ideia do peso dessa conta sobre os times, em 2019, antes da pandemia que cancelou dezenas de jogos de futebol, o Palmeiras teve faturamento de R$ 642 milhões. O Corinthians, R$ 427 milhões. E o São Paulo, R$ 398 milhões.
Os três clubes sofreram as primeiras autuações na gestão de Fernando Haddad (PT). A Prefeitura resolveu levantar o cartão vermelho e fazer uma ofensiva com base no artigo 50 da Lei nº 14.256, de 2006. Esse dispositivo revogou a isenção do ISS sobre serviços prestados por associações culturais e desportivas. Antes, a norma nunca tinha sido usada.
A primeira leva de autuações é referente ao período de 2010 a 2014. Esses processos são os mais adiantados na esfera judicial. Depois disso, os times sofreram mais duas fiscalizações – uma relativa a 2015 e outra que trata do período de 2016 a 2018.
Para a Prefeitura de São Paulo, há prestação de serviço envolvida nessas atividades. Os clubes discordam e entendem ter imunidade tributária, garantida pelo artigo 150 da Constituição.
Nas três decisões, os magistrados excluíram autuações que cobravam o ISS pelo uso de marcas – a incidência já foi declarada inconstitucional pelo Órgão Especial do TJSP. Também foram cancelados autos de infração sobre a exploração de espaços para realização de eventos.
No acórdão favorável ao Corinthians, o relator, desembargador Rezende Silveira, destaca que não se pode confundir o conceito de serviço com os de locação e outros, “sob pena de dilargar ao infinito o conceito jurídico de serviço e abarcar todo e qualquer gênero de atividade humana”.
A cobrança de ISS sobre programas de sócio-torcedor também foi afastada nos três casos. Em relação ao “Fiel Torcedor”, dos corintianos, o TJSP anulou autuação de R$ 195,3 mil. Segundo o relator, “o programa apenas concede desconto nas vendas de ingressos, nas compras antecipadas para jogos de seu mando em seu estádio, não havendo qualquer serviço de bilheteria a desencadear a incidência de ISSQN”.
Contudo, mantiveram multas por falta de recolhimento do ISS sobre bilheteria de jogos, além de multa por falta de emissão de documentos fiscais previstos em regulamento. O total devido nas duas autuações é de R$ 8,4 milhões (apelação nº 1013861-42.2021.8.26.0053).
O Palmeiras conseguiu cancelar, no ano passado, boa parte dos autos de infração que recebeu da prefeitura. O processo envolve autuações que somam cerca de R$ R$ 45 milhões. Flávio Sanchez, advogado que representa o Palmeiras, afirma que o clube é uma associação sem fins lucrativos e, “ao longo da ação, demonstramos que os itens autuados pela prefeitura não configuram prestação de serviço”.
A decisão do São Paulo vai no mesmo sentido e só mantém o ISS sobre bilheterias. De acordo com o advogado Fábio Cury, do escritório Urbano Vitalino Advogados, a decisão obtida pelo Corinthians segue a mesma linha. Para ele, o conceito de serviços para a cobrança do ISS tem sofrido um alargamento. Em especial após decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), como a favorável à tributação da cessão de uso de softwares (RE 688.223).
A discussão sobre as autuações dos clubes ainda pode ser levada aos tribunais superiores. Contudo, diz Cury, por envolver situações de prova sobre a natureza das atividades (se são serviços), é possível que os recursos não sejam admitidos.
Segundo o advogado Diogo Ferraz, do Freitas Leite Advogados, o STF tem adotado o entendimento de que o ISS incide sobre atividades que materializam obrigações de fazer e atividades “mistas” – que compreendem tanto obrigações de fazer quanto obrigações de dar. “Por outro lado, a Corte continua afastando o ISS quando não há qualquer obrigação de fazer envolvida”, afirma.
Em nota, a Procuradoria Geral do Município diz que a prefeitura “manejará os recursos pertinentes e cabíveis, por entender que as dívidas decorrem de lançamentos fiscais válidos, muitas vezes amparados em jurisprudência do STF”. Acrescenta que o Supremo “vem reiteradamente superando o conceito de serviço extraído unicamente do direito privado para fins de tributação pelo ISSQN” (ARE 1.289.257/SP; ARE 1.224.310-AgRg; ARE 1.166.624-AgRg e Rcl 8.623-AgR).
Procurados pelo Valor, Corinthians e São Paulo não deram retorno até o fechamento da edição.