Carf afasta Imposto de Renda e CSLL sobre juros subsidiados do BNDES

Por Marcela Villar — De São Paulo Uma decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) afastou a tributação de Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL sobre juros subsidiados pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Por unanimidade, os conselheiros anularam auto de infração de R$ 167 milhões contra a Stellantis, fabricante de veículos das marcas Citroën, Fiat, Peugeot, Jeep e RAM. Para eles, o banco faz parte do poder público e o financiamento deve ser classificado como subvenção para investimento. Segundo advogados, a decisão é inédita e pode beneficiar todas as empresas que tomam empréstimo não só com a instituição, mas com qualquer banco público ou de desenvolvimento, como o Banco do Brasil e bancos estaduais. Tributaristas já indicam a clientes revisitarem seus balanços contábeis para excluírem os valores da base de cálculo dos tributos, transformando o excedente em crédito na contabilidade. A Receita Federal, ao aplicar a multa à empresa, enquadrou o BNDES como pessoa jurídica de direito privado. Pelo artigo 198 da Instrução Normativa (IN) nº 1.700, de 2017, subsídios dados por empresas dessa natureza não podem ser excluídos da base de cálculo do IRPJ e CSLL, pois “constituem receita da pessoa jurídica beneficiária”. A decisão de primeira instância, da Delegacia de Julgamento (DRJ), foi desfavorável à Stellantis, entendendo que as exclusões foram indevidas. Para a DRJ, mesmo se tratando de empresa pública, que faz parte da administração pública indireta federal e é constituída por capital exclusivo da União, as subvenções ainda não poderiam ser classificadas como de natureza governamental. O contribuinte recorreu e obteve vitória na 2ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 1ª Seção do Carf. A empresa argumentou que o BNDES se enquadra na definição de “poder público” previsto no artigo 30 da Lei nº 12.973, de 2014, que assegura a exclusão na determinação do lucro real, “desde que seja registrada em reserva de lucros”. Na visão da empresa, o termo “poder público” abarcaria todas as entidades da administração pública, inclusive as de administração indireta, sendo irrelevante o fato de se constituírem como pessoas jurídicas de direito privado. Isso porque prestam uma função pública essencial. Na decisão, o relator do caso, o conselheiro André Luis Ulrich Pinto, diz que empréstimos subsidiados devem receber o tratamento de subvenções. Na visão dele, a Lei nº 12.973/2014 “não veda expressamente a exclusão de subvenções em função da natureza jurídica de quem as concede”. “A verdade é que a lei não utiliza as expressões ‘pessoa jurídica de direito público’ ou ‘pessoa jurídica de direito privado’ como critério para exclusão das subvenções na determinação do lucro real. A expressão é adotada pela Instrução Normativa RFB nº 1700/2017, que não pode ser interpretada de forma literal para impedir o exercício do direito da recorrente”, afirma (processo nº 13136.721103/2021-56). O relator diz ainda que o BNDES é “uma empresa pública integrante da administração indireta e, portanto, deve ser considerada como pertencente ao poder público”. Lembra que o banco está sujeito a controles externos – pelo Tribunal de Contas da União (TCU), por exemplo. Ressalta que não é discutido no processo se a subvenção é receita ou a constituição e destinação dos valores em reserva de lucros. “O que se discute é impossibilidade da exclusão, diante da personalidade jurídica de direito privado do BNDES”, completa. Decisão do Carf dá segurança às empresas que queiram fazer a exclusão desses valores” — Gisele Bossa O tributarista Sergio Presta, ex-conselheiro do Carf e sócio do Azevedo Rios e Presta Advogados, afirma que “a decisão consolida o entendimento que empréstimo subsidiado pelo BNDES deve ser tratado como subvenção de investimento”. “É uma empresa de direito privado, só que 100% controlada pela União, então é ente da administração indireta e faz parte do poder público”, diz. De acordo com ele, o acórdão pode ser usado para benefícios dados por qualquer banco estadual ou de desenvolvimento, inclusive programas e linhas de crédito da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudam) e Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). “Gera segurança jurídica para as empresas que têm esse tipo de benefício no Norte e Nordeste. Podem respirar aliviadas”, diz. Presta tem conversado com alguns clientes para reabrir balanços antigos e reclassificar os valores dos financiamentos, excluindo-os da base da de cálculo do IRPJ e CSLL. “A ideia é as empresas sentarem com as auditorias para ver quanto a alteração vai custar e pode beneficiar. Mas as empresas podem e devem usar o julgado como precedente.” Segundo a advogada Gisele Barra Bossa, sócia do Demarest e também ex-conselheira do Carf, a autoridade fiscal fez prevalecer a Instrução Normativa nº 1.700, de 2017 sobre a Lei nº 12.973, de 2014. “À medida que a Receita traz uma interpretação limitando uma concessão ao contribuinte de subvenções advindas da administração pública indireta, ela está acaba extrapolando a lei”, afirma. O auto de infração, acrescenta, também vai contra o que dispõe o artigo 37 da Constituição Federal e o Decreto-Lei nº 200/1967, que caracterizam as empresas públicas como órgãos da administração indireta. “A IN ao colocar em termos interpretativos o BNDES como pessoa jurídica de direito privado inviabiliza a exclusão dessas parcelas subvencionadas na base de cálculo do IRPJ da CSLL.” Na visão dela, também “desconsidera o fato de que existem pessoas jurídicas de direito privado que exercem função pública, como é o exemplo do Banco do Brasil”. E ainda defende não fazer sentido a não exclusão do financiamento do BNDES. “O banco fomenta justamente o desenvolvimento. É essa função pública delegada pela Constituição e pela própria administração pública, seja ela direta ou indireta.” A decisão, acrescenta Gisele, também dá mais segurança às empresas que queiram fazer a exclusão desses valores, principalmente porque a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não recorreu. Procuradas pelo Valor, a PGFN e a Stellantis não deram retorno até o fechamento da edição.

Por Valor Econômico

01/09/2025 00:00:00

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