
- Comentário Editorial
No CARF, voto de qualidade decide mais uma vez em questão de “ágio interno” em controvérsia que se estende no tempo e ultrapassa a esfera administrativa
O CARF decidiu, no acórdão nº 1401-007.520, por voto de qualidade, por manter glosa de ágios contabilizados pela contribuinte em operações de incorporação, aquisição e posterior reorganização societária, ocorridas no ano de 2011 e 2015 respectivamente, excluindo-se ainda os juros sobre capital próprio e a aplicação de multas por força de autuação fiscal.
Alegando ausência de substância econômica, a Receita Federal desconsiderou os valores dos ágios contabilizados com as operações, uma vez que essas operações teriam sido estruturadas por empresas dentro do mesmo grupo econômico, portanto sem a ocorrência de efetiva circulação de riqueza, caracterizando, assim, o chamado “ágio interno”, que, para o órgão fiscalizador, detém caráter de artificialidade a partir da perspectiva contábil, sendo vedado sua amortização para fins fiscais.
Apesar da defesa da contribuinte ter alegado que as amortizações estavam dentro da legalidade à época, o CARF não considerou que os requisitos necessários foram atendidos, sendo que a falta de independência entre as partes invalidaria a dedutibilidade do ágio. Assim, confirmou-se a glosa do valor como custo na apuração do ganho de capital para fins de tributação.
Os impactos tributários das reorganizações societárias é causa de debates já há bastante tempo no CARF, com entendimentos conflitantes. Um dos casos pioneiros de vitória para o fisco ocorreu em 2007, no acórdão n° 103.23-290, conhecido como “caso Carrefour”. A partir de então, os contribuintes começaram a ser cada vez mais exigidos, onde critérios rígidos, baseados em interpretações majoritariamente contábeis, foram usados para confirmar autuações, muitas das vezes à margem do que as legislações tributárias vigentes à época estabeleciam. Daí em diante o que se viu foi uma oscilação dos julgados, sem posição uníssona.
Atualmente, no CARF, o voto de qualidade vem dando o tom sempre que suscitada a controvérsia, como pôde ser observado em acórdãos recentes como o de n° 1201-007.183, julgado em julho de 2025. É preciso resgatar que, antes do retorno do voto de qualidade favorável ao Fisco, com a promulgação da Lei 14.689/2023, era possível observar a vitória de contribuintes em casos semelhantes em relação ao ágio resultante das aquisições societárias entre partes dependentes. O dissenso é tanto que próprio CARF, em 2018, já rejeitou a criação de súmula em que pretendia vedar o aproveitamento fiscal de ágio entre empresas do mesmo grupo econômico.
A disputa sobre o tema, aos poucos, também começa a reverberar na esfera judicial. Os Tribunais Regionais Federais sempre tiveram entendimento majoritariamente desfavorável ao contribuinte. Contudo, decisões recentes vêm mudando este cenário. Temos alguns exemplos, ainda que esparsos, como o “caso Todeschini” de 2015, em que o TRF-4 julgou procedente a amortização para fins de ágio efetuada pela empresa gaúcha. Em caso mais recente, no ano de 2024, a mesma corte realizou outro julgado pró-contribuinte, no chamado “caso Solae”. O TRF-3, na Ação Anulatória n° 5024068-10.2018.4.03.6100, julgada em dezembro de 2023, também teve entendimento favorável ao contribuinte em decisão sobre ágio interno. Nota-se que são decisões ainda circunstanciais.
No Superior Tribunal de Justiça, começaram a surgir as primeiras decisões a respeito da temática. O “caso Cremer”, primeiro caso favorável ao contribuinte sobre amortização do denominado ágio interno ocorreu no REsp 2.026.473-SC, julgado em setembro de 2023, onde a 1ª turma entendeu que a autoridade fiscal não poderia presumir a ilegalidade da operação, cabendo a demonstração da artificialidade dessas transações. Contudo, este entendimento entrou conflito com o da 2ª turma, que em novembro de 2024, no “caso Joana D’arc”, julgou o REsp 2.152.642-RJ, em sentido contrário, apontando a ilegalidade da operação de amortização do ágio entre partes relacionadas, a considerando planejamento tributário abusivo. Cabe mencionar que relacionado à temática do ágio interno, a 2ª turma, na análise do REsp 1.988.316-RS, ocorrida em agosto de 2024, no que ficou conhecido como “caso Gerdau”,não reconheceu recurso da Fazenda Nacional, portanto não analisou o mérito da questão suscitada, ficando a contribuinte com a decisão favorável trazida do tribunal de origem.
Até o momento, a manifestação do Supremo Tribunal Federal sobre o tema ocorreu no ARE 1.515.226-SC, julgado em outubro de 2024, onde o Ministro Alexandre de Moraes denegou recurso sem analisar o mérito, posto que não existiriam ofensas imediatas à Constituição Federal, não podendo o tribunal reconhecer o apelo.
Apesar de uma discussão de longa data, a questão do ágio vem sendo estigmatizada pelas autoridades fiscais, onde interpretações jurídicas e contábeis se chocam de maneira aparentemente irreconciliáveis, e o retorno do voto de qualidade no CARF se tornou duro golpe para o contribuinte. Ainda bem que é possível perceber certo desenvolvimento, ainda que de forma embrionária, de entendimento jurisprudencial, mesmo que o tom ainda esteja longe de ser pacífico sobre o tema.