A exigência de subconta no Ajuste a Valor Justo: entre a legalidade e a neutralidade

No último mês, o CARF, no acórdão nº 1401-007.526, decidiu por voto de qualidade, manter a autuação fiscal contra empresa por ganhos decorrentes de Ajuste a Valor Justo (AVJ) realizados por sua controlada, e que não foram registrados em subcontas específicas. A exigência da separação em subcontas surgiu com a lei 12.973/2014, que acrescentou o art. 24-A ao Decreto-Lei nº 1.598/1977, sendo esta exigência necessária para o diferimento da tributação de IRPJ e CSLL, uma vez que permitiria rastrear a efetiva concretização do ganho obtido.

Em sua defesa, a empresa autuada apontou que, por ser um dever meramente instrumental, o controle por subcontas não constituiria fato gerador da exação. Além disso, os ativos não foram realizados, indo de encontro ao que preceitua o art. 43 do CTN e os ganhos decorrentes de AVJ não perpassaram pelo resultado, pois foram registrados como “Outros Resultados Abrangentes (ORA)” sem impacto no lucro contábil.

No caso em tela, a definição desse julgamento via voto de qualidade reflete bem o tamanho da divergência de entendimento sobre o tema, que vem ganhando novos contornos a cada dia. No julgamento do acórdão n°1402-007.057, de agosto de 2024, o Carf entendeu que existindo meios de se comprovar os ganhos com AVJ para fins de controle e eventual tributação, tão somente a inexistência de subconta não seria suficiente para justificar a tributação do ganho. Nesta mesma linha de argumentação foi o acórdão n° 1401-003.873, que afastou a exigência das subcontas, condicionando, contudo, ao controle dos ganhos por outros meios, se afastando de uma leitura estritamente legalista da exigência contida na Lei 12.973/2014. Já no acórdão n° 1401-007.393, julgado em março de 2025, o CARF, tratando também do tema da AVJ, afastou a incidência de de IRPJ no caso da distribuição de dividendos que tem por base o lucro decorrente do AVJ, pois entendeu que, na sua distribuição, o ativo ainda não havia sido realizado, seguindo rigorosamente o que preceitua o §1º, do art. 13 da lei 12.973/14.

A lei 12.973/2014 iniciou o processo de convergência das normas brasileiras de contabilidade ao padrão internacional, a partir das diretrizes do IFRS. O AVJ foi introduzido como um procedimento contábil pelo qual determinados ativos ou passivos são mensurados não mais pelo seu custo histórico, mas sim pelo seu valor justo. Ou seja, o preço que seria recebido pela venda de um ativo ou pago pela transferência de um passivo em uma transação não forçada entre participantes do mercado. Em contrapartida, um dos pilares dessa normatização é a neutralidade fiscal, posição que demarca que a assimilação dos padrões internacionais de contabilidade não resulte, por si só, na majoração de tributos. É verdade que o art. 13 da lei 12.973/2014 exige a criação de subcontas para o ganho decorrente do AVJ não seja computada na apuração do lucro real, mas talvez estejamos diante de um impasse entre ciência jurídica e contábil.

Para a exigência de subcontas, o legislador entendeu por bem que este controle seria necessário para evitar a ocultação de ganhos; isso evitaria, em tese, que contribuintes reduzissem artificialmente prejuízos fiscais ou elevassem o custo de ativos sem a devida tributação. Não obstante, é preciso pontuar que, no caso do AVJ, estamos diante de uma avaliação, uma mensuração que se traduz em lucro, mas meramente contábil. Da perspectiva jurídica, esse ganho contábil não configuraria ainda renda realizada, com a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica, portanto passível de tributação, como preceitua o art. 43 do CTN. Por conseguinte, quando o acréscimo patrimonial não ocorre o ganho é tão somente potencial.

Como é possível notar, é patente que a lei 12.973/2014 traz uma tensão entre o jurídico e o contábil nos casos de contabilização dos ganhos com AVJ. Se por um lado, a exigência legal que obriga a separação em subcontas está em plena harmonia com critérios contábeis; por outro, o aspecto jurídico da tributação deve se dar sempre em razão do seu fato gerador, e nos casos que envolvem ganhos com AVJ, por não se estar diante de renda realizada, hipótese de incidência do imposto sobre a renda, não haveria que se falar em tributação, em respeito a neutralidade determinada pela própria legislação.

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