Tributação mínima global no Brasil, inadequação da CSLL, regras GloBE e equidade federativa

Ricardo Almeida Ribeiro da Silva

Contexto: Beps (Base Erosion and Profit Shifting), Pilar 2 e regras GloBE (Global Anti-Base Erosion Rules)

A União editou a Medida Provisória nº 1.262/2024 introduzindo no Brasil a cobrança de adicional tributário para compensar ou retificar a alíquota efetiva da tributação da renda de empresas com faturamento acima de 750 milhões de euros por ano, para que ela seja de, no mínimo, 15% das rendas consideradas tributáveis.

As normas da MP 1.262/2024 representam a adesão do país às diretrizes estabelecidas pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) a partir do projeto denominado Beps (Base Erosion and Profit Shifting), que tem por escopo evitar a erosão deliberada de bases econômicas tributáveis [1].

A tributação mínima global constitui o “Pilar 2” do Beps e visa a combater a redução injusta da carga tributária sobre a renda auferida pelas empresas multinacionais, geralmente conquistada por meio de “planejamentos fiscais” lícitos ou ilícitos, aproveitando-se de assimetrias normativas entre os países ou de benefícios ilegais ou desleais concedidos pontual ou genericamente em diferentes territórios e regimes locais [2].

O projeto decorre da constatação de que há uma inegável deterioração nas alíquotas efetivas do imposto de renda cobrado das pessoas jurídicas, em nível internacional. Entre os anos 2000 a 2020, as alíquotas médias efetivas dos caíram de 36,5% para 26,2%, nos países do G-20, nos da OCDE de 32,3% para 22,9% e nos da Europa de 32,2% para 22%.

As diretrizes editadas pela OCDE dentro do Pilar 2 são denominadas como “Regras GloBE” (Global Anti-Base Erosion Rules) e são baseadas em 5 pilares fundamentais para o atingimento adequado das bases imponíveis e imposição da alíquota mínima efetiva (de 15%) [3]:

(1) Limite (inicial) de corte para multinacionais, no valor de 750 milhões de euros
(2) Base de cálculo de acordo com critérios contábeis internacionais (IFRS) e consideração detalhada de benefícios fiscais redutores da alíquota efetiva;
(3) Alíquota efetiva mínima de 15%;
(4) Regras de exclusão e inclusão de receitas;
(5) Regras de transição para adoção do regime, por cada país membro, sendo que estes poderão capturar o “gap” não tributado até a alíquota efetiva top-up (de 15%), em relação às receitas/rendas auferidas nos países que não adotarem o regime, criando um mecanismo cruzado de combate à erosão das bases universais.

Até a presente data, 149 países já concordaram e 36 já implementaram as novas diretrizes de tributação em nível internacional, intituladas “Regras GloBE”.

Arrecadação esperada
Inadequações e inconstitucionalidades da CSLL, introduzida pela Medida Provisória 1.262/2024
Segundo cálculos da Receita Federal do Brasil, baseados nos números abertos pelos países que já vêm implementando o novel regime internacional, 957 empresas estabelecidas no país seriam afetadas imediatamente pelas novas normas, gerando uma arrecadação bilionária para os próximos anos: R$ 3,44 bilhões (2026); R$ 7,28 bilhões (2027) e R$ 7,69 bilhões (2028) [4].

Entretanto, o instrumento tributário escolhido pelo governo federal por meio da Medida Provisória nº 1.262/2024 foi a criação de um adicional da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL), a ser cobrado das empresas que sejam, de algum modo, beneficiadas reduções ou favorecimentos da tributação da renda no Brasil, com alíquota efetiva inferior a 15%. A CSLL complementaria a carga tributária da imposição sobre a renda, de modo a cumprir o patamar mínimo definido pelas regras GloBE do Pilar 2.

O governo justifica a escolha da CSLL, e não do próprio Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), basicamente com dois argumentos: (1) a CSLL permite uma modulação menos questionável de alíquotas – se comparada ao IPRJ – à luz do parágrafo 9º do artigo 195 da Constituição; (2) a não introdução de regras de combate a benefícios fiscais na legislação do IRPJ protegerá alguns regimes fiscais de fomento regional, com a Zona Franca de Manaus (ZFM).

Contudo, nenhum dos dois argumentos parece consistente à luz do regime constitucional, das normas do sistema tributário brasileiro vigente e das “Regras GloBE”.

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Em primeiro lugar, porque a tributação mínima global é um regime legal impositivo não só compatível com o princípio da capacidade contributiva, inscrito na Constituição brasileira como pedra angular do seu sobressistema tributário brasileiro (artigo 145, §1º), mas também com o princípio da igualdade tributária. Portanto, a suplementação ou retificação de alíquotas para garantia de carga tributária mínima ou de “alíquota efetiva básica” é mais do que adequada: ela é desejável para um sistema tributário que se pretende justo e equânime.

Os mesmos critérios também autorizam a preservação de benefícios tributários existentes, caso estes se fundamentem à luz de outros aspectos da justiça fiscal, como a promoção da redução das desigualdades sociais e regionais, justificando a manutenção das “ajudas públicas” na via dos “tax spendings”, para determinados territórios ou setores econômicos e sociais.

Ainda à luz dos mesmos princípios, pode-se dizer que a CSLL não se afigura o instrumento mais adequado para o cumprimento dos desígnios do Pilar 2, exatamente por criar um terceiro regime paralelo para a harmonização da tributação dessas empresas privilegiadas com “alíquotas efetivas” ou “carga tributária” abaixo de 15%. Com efeito, além dos regimes de (1) tributação ordinária da renda e (2) de excepcionalidade que lhes conferem reduções ou benefícios tributários, se estaria criando um outro grupo (3) de regras corretivas adicionais, tornando difícil a aferição da sua sistematicidade, no cumprimento dos critérios GloBE [5].

Ademais, a novel tributação cognominada como “adicional da CSLL” configura uma nova contribuição social, estranha ao regime ordinário deste tributo, pois congloba os rendimentos de diversas unidades situadas no Brasil e no exterior para fins de aferição do percentual de ajuste a ser cobrado. Portanto, é um regime tributário excepcional e incompatível com a designação de “mero adicional da CSLL”.

Na verdade, trata-se de tributo novo que, por estar definido como contribuição social, configuraria uma nova fonte de custeio da Seguridade Social, não prevista no rol das matrizes definidas no inciso I do artigo 195 da Carta Magna. Portanto, a veiculação deste novo tributo só poderia se dar por meio de lei complementar, nos termos do inciso I artigo 154 da Constituição.

Além da inconstitucionalidade formal apontada e da baixa adequação da “nova CSLL” às regras GloBE, esta contribuição social criada pela MP 1.262/2024 malfere o princípio federativo, ao excluir esta nova fonte de tributação da renda — por meio da adoção do GMT (Global Minimum Tax) — impedindo a partilha do IPRJ poro meio dos fundos de participação de estados, DF e municípios (FPE e FPM) conforme previsto no inciso I do artigo 159 da Constituição de 1988.

Com efeito, a participação no produto das arrecadações federais são pilares fundamentais do federalismo cooperativo, na vertente financeira-tributária, ínsita à tradição constitucional brasileira e enfatizada sobremaneira pela Carta de 1988.

Excluir essa tributação corretiva ou igualitária sobre a renda de empresas multinacionais da partilha tributária (ou repartilha financeira) com os demais entes federados, abala não só os pilares do federalismo fiscal cooperativo brasileiro, mas também provoca graves ofensa à equidade federativa e ao financiamento proporcional das despesas públicas, devidas conforme as competências administrativas distribuídas para estados, DF e, cada vez mais para os municípios, à luz da Constituição de 1988 e das ingentes mutações constitucionais.

Na prática, caso se venha a adotar a regra de equalização da tributação da renda no âmbito da legislação do imposto de renda, se poderá evitar a perda dos seguintes valores de arrecadação de estados, DF e municípios, segundo os cálculos da própria Receita para os anos de 2026, 2027 e 2028:

Perdas de arrecadação pelo FPM (por não se adotar o IRPJ, mas a CSLL)

…………………FPM (25,5% do IPRJ)…………..FPE (21,5% do IRPJ)………….

2026 877 milhões 739 milhões

2027 1,856 bilhão 1, 565 bilhão

2028 1,960 bilhão 1,653 bilhão

Conclusão
Da breve análise da exposição dos motivos que levaram o governo federal a propor a edição de uma CSLL para implementar a tributação mínima global no Brasil, já se pode constatar a falta de fundamentos para a adoção desta via tributária para introduzir o Pilar 2 no Brasil. Por outro lado, há argumentos inapeláveis para que a adoção da tributação mínima da renda das pessoas jurídicas que faturam mais de 750 milhões de euros por ano, seja efetivada dentro da própria legislação do imposto de renda, uma vez que:

se harmoniza com a própria ontologia das regras GloBE;

densifica os princípios constitucionais de justiça fiscal aplicáveis aos próprios regime de tributação da renda

somente assim se respeitará o federalismo fiscal cooperativo sistematizado pela Constituição de 1988, assegurando a repartilha de receitas do IRPJ para estados, DF e municípios, permitindo que eles financiem os serviços públicos devidos aos cidadãos brasileiros, conforme atribuições proporcionalmente distribuídas a eles pela mesma Carta Constitucional.

Há oportunidade para alterar rapidamente as regras da Medida Provisória nº 1.262/2024, uma vez que ela ainda está submetida ao crivo do Congresso e o seu atual status de tramitação legislativa é “aguardando a instalação da Comissão”. Por sua vez, a Instrução Normativa nº 2.228/2024 recém editada pela Receita Federal para regulamentar o novel regime está submetida à Consulta Pública até o dia 29 de novembro.

Dada a importância do tema para o federalismo fiscal brasileiro e o impacto arrecadatório (negativo) para os entes federados, caso se insista na introdução do adicional da tributação mínima da renda por meio da CSLL (e não pelo IRPJ), restarão configuradas as inconstitucionalidades acima apontadas, fragilizando, no mínimo, a efetiva adesão do Brasil ao sistema internacional desenhado pelo Pilar 2 da OCDE.

[1] Medida Provisória n. 1.262/2024. Art. 2º Este Título altera a legislação da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL para instituir adicional do tributo, mantida a destinação, com a finalidade de estabelecer tributação mínima efetiva de 15% (quinze por cento) no processo de adaptação da legislação brasileira às Regras Globais Contra a Erosão da Base Tributária – Regras GloBE (Global AntiBase Erosion Rules – GloBE Rules) elaboradas pelo Quadro Inclusivo (Inclusive Framework on Base Erosion and Profit Shifting) sob coordenação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE e do Grupo dos Vinte – G20.

[2] The Global Anti-Base Erosion (GloBE) Rules provide for a co-ordinated system of taxation intended to ensure large multinational enterprise (MNE) groups pay a minimum level of tax on the income arising in each of the jurisdictions where they operate. It does so by imposing a top-up tax on profits arising in a jurisdiction whenever the effective tax rate, determined on a jurisdictional basis, is below the minimum rate. Cf. www.oecd-ilibrary.org/deliver/782bac33en.pdf?itemId=%2Fcontent% 2Fpublication%2F782bac33-en&mimeType=pdf, visitado em 29 de novembro de 2024.

[3] Crédito da Imagem para https://www.lucanet.com/en/blog/up-to-trends/everything-you-need-to-know-about-global-minimum-tax-27-09-2023/

[4] Entrevista coletiva da Receita Federal do Brasil disponível em https://www.youtube.com/watch? time_continue=1776&v=uvAtiPxVH6Y

[5] Basta ler as regras para a aferição e complementação da “top-up tax”, editada pela OCDE, para se confirmar que a aferição dá subtributação se realiza dentro da própria tributação da renda e lá deveria ser corrigida. Reproduzimos aqui os principais guidelines do manual:

5.1. Computation of Effective Tax Rate and Top-up Tax Under this chapter the Top-up Tax of each Low-Taxed Constituent Entity is determined: • by aggregating each Constituent Entity’s GloBE Income or Loss, determined under Chapter 3, and Adjusted Covered Taxes, determined under Chapter 4, with those of other Constituent Entities located in the same jurisdiction to determine an Effective Tax Rate for the jurisdiction; • by identifying which jurisdiction is a Low-Tax Jurisdiction (i.e. has an Effective Tax Rate that is below the Minimum Rate); • by computing a jurisdictional Top-Up Tax Percentage for each Low-Tax Jurisdiction; • by applying the Substance-based Income Exclusion to the Net GloBE Income in the Low-Tax Jurisdiction to determine the Excess Profits in that jurisdiction; • by multiplying the Top-up Tax percentage by such Excess Profit and reducing the result by the amount of any Qualified Domestic Minimum Top-up Tax to determine the Top-Up Tax for each Low-Tax Jurisdiction; and • by allocating such Top-up Taxes to the Constituent Entities in the Low-Tax Jurisdiction in proportion to their GloBE Income. The resulting Top-up Tax of each Low Tax Constituent Entity is then charged to a Parent Entity or to Constituent Entities located in a UTPR Jurisdiction under Chapter 2. This chapter also includes a de minimis exclusion for the Constituent Entities located in the same jurisdiction when their aggregated revenue and income does not exceed certain thresholds. Special rules are provided in Article 5.6 for calculating the ETR in respect of Minority-Owned Constituent Entities. Conforme a publicação da OCDE “Tax Challenges Arising from the Digitalisation of the Economy – Global Anti-Base Erosion Model Rules (Pillar Two)”, disponível em https://www.oecd-ilibrary.org/deliver/782bac33-en.pdf?itemId=%2Fcontent%2Fpublication% 2F782bac33-en&mimeType=pdf

Ricardo Almeida Ribeiro da Silva

é professor da pós-graduação em Direito Tributário da Uerj, procurador do município do Rio de Janeiro, assessor jurídórum Permanente em Direito Tributário da Emerj, da International Fiscal Association (IFA), diretor da Associação Brasileira de Direito Financeiro e Advogado (ABDF).

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