Tributação de créditos de carbono: dilema ambiental-fiscal da reforma

Por Isabella Mathias Vetere

04/08/2025 12:00 am

A transição para uma economia de baixo carbono tem exigido dos ordenamentos jurídicos a incorporação de mecanismos eficazes de incentivo à proteção ambiental. No contexto brasileiro, essa demanda ganhou contornos ainda mais relevantes diante da recente reforma tributária do consumo, formalizada pela Emenda Constitucional nº 132/2023, que introduziu uma reestruturação da tributação sobre bens e serviços.

No centro desse novo arranjo fiscal, destaca-se a crescente preocupação com a definição do tratamento tributário aplicável ao mercado de créditos de carbono, os quais representam uma tonelada de dióxido de carbono que foi removida ou evitada da atmosfera e hoje em dia tem grande impacto no meio ambiente do mundo todo, inclusive no Brasil.

Esse mercado de créditos de carbono é dividido em duas modalidades: mercado regulado — quando os governos estabelecem limites obrigatórios de emissões (cap-and-trade) e empresas que ultrapassam o limite compram créditos de quem emite menos — e mercado voluntário — quando empresas adquirem créditos de forma espontânea para compensar as suas emissões.

O Brasil, até pouco tempo atrás, operava quase exclusivamente no mercado voluntário, sem uma regulamentação clara. No entanto, em 2024, foi editada a Lei nº 15.042/24 que instituiu o mercado regulado denominado “Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) e trouxe regras tributárias para o comércio dos créditos de carbono, instituindo o sistema de cap-and-trade no país, com efeitos a partir de 2025.

Incidência de impostos sobre créditos de carbono
Nessa perspectiva, atualmente, com a entrada em vigor da Lei nº 15.042/2024, estabeleceu-se que não há incidência de PIS e Cofins sobre receitas com venda de créditos de carbono, conforme o artigo 19, bem como consignou a dedutibilidade para fins de IRPJ e CSLL dos dispêndios de créditos de carbono (artigo 18)

Com isso, a partir de 2025, a venda de créditos de carbono estará fora do campo de incidência dos tributos ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins, restando apenas a tributação pelo IRPJ e CSLL. Tal avanço representa um incentivo normativo à internalização de práticas ambientais e à consolidação do mercado de carbono no Brasil.

Spacca
No entanto, com a regulamentação da Reforma Tributária pela Lei Complementar nº 214/2025, surgiu-se o debate sobre a incidência de IBS e CBS sobre esses créditos. Como já se sabe, em 2027 iniciará a cobrança da CBS, extinguindo-se o PIS e a Cofins. Do mesmo modo, em 2029 iniciará a cobrança do IBS, com uma redução de forma gradativa do ICMS e ISS.

Princípios constitucionais
Apesar de o artigo 156-A da Constituição prever a possibilidade de incidência dos novos tributos sobre “bens materiais ou imateriais, inclusive direitos”, a tributação irrestrita de ativos ambientais como os créditos de carbono pode ferir princípios constitucionais caros à ordem jurídico-tributária brasileira.

Não deveria haver incidência desses tributos sobre esse comércio, considerando todo o aparato constitucional que visa à proteção do meio ambiente. Cabe relembrar que o artigo 225 da Constituição traz o princípio da defesa do meio ambiente, direito fundamental a um ambiente ecologicamente equilibrado e impõe ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Não obstante, no § 1º, inciso VII, do artigo 225, é ressaltado o dever de se “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies e submetam os animais à crueldade”. Não se pode olvidar que o direito ao meio ambiente é um direito de terceira geração, sendo indiscutível a sua função primordial e insubstituível para que a vida possa se manter.

Dessa maneira, qualquer lei abaixo da Constituição deve respeitar e utilizar como base o referido princípio visando à conservação do meio ambiente, ou seja, é necessário equilibrar o crescimento econômico com a sustentabilidade ambiental.

Tributação iria contra princípio do meio ambiente
Assim, tendo em vista que a proteção ao meio ambiente é um dever e direito constitucional, o direito tributário é um instrumento que pode ser utilizado a fim de se atingir esse objetivo, seja pela função fiscal, seja pela função extrafiscal dos tributos.

A tributação de IBS e CBS do comércio de créditos e carbono pode acabar indo contra esse princípio do meio ambiente, dado que aumentaria consideravelmente a carga tributária sobre a comercialização de créditos de carbono. Ou seja, haveria uma maior oneração nessa operação cuja natureza visa incentivar externalidades ambientais positivas, contrariando o propósito do próprio crédito de carbono e o comando constitucional de proteção ambiental.

A incidência plena de CBS e IBS sobre os créditos de carbono, sem qualquer mecanismo de compensação ou incentivo (como alíquotas reduzidas ou créditos presumidos), resulta em tributação desproporcional sobre um ativo cuja natureza é precisamente fomentar externalidades ambientais positivas. A função dos créditos de carbono é remunerar a redução, retenção ou remoção de CO2 da atmosfera. Portanto, tributar essas operações representa sanção fiscal a comportamentos sustentáveis.

Desse modo, a cobrança dos tributos IBS e CBS sobre os créditos de carbono não é vedada pela Constituição. Entretanto, a ausência de tratamento diferenciado ou a aplicação irrestrita da carga tributária padrão pode implicar consequências negativas ao meio ambiente, caso a norma se revele desestimuladora de práticas ambientais benéficas.

Constitucionalidade de tributação ambiental
A constitucionalidade da tributação ambiental depende de um equilíbrio entre o princípio da capacidade contributiva, a função extrafiscal dos tributos e os objetivos de proteção ao meio ambiente. Assim, eventuais soluções como créditos presumidos e regimes diferenciados para aquisições sustentáveis devem ser debatidas com cautela pelo Congresso Nacional, dada a relevância do tema.

A Lei nº 15.042/24 representa um marco positivo ao conferir segurança jurídica às operações com créditos de carbono, ao passo que a Lei Complementar nº 214/25 inaugura uma nova etapa da tributação sobre o consumo. O ponto de tensão está na possível aplicação da CBS e do IBS à comercialização de créditos de carbono, o que pode desvirtuar a lógica ambiental do instrumento e afrontar o princípio de defesa ao meio ambiente.

A discussão não é apenas técnica ou fiscal. Trata-se de definir qual papel o Brasil pretende assumir na economia verde global. A definição de um regime tributário que incentive, e não puna, a descarbonização será essencial para compatibilizar o desenvolvimento econômico e proteção ambiental. Essa discussão precisa ser aprofundada, sob pena de se inviabilizar, por via fiscal, um dos instrumentos mais promissores da transição ecológica brasileira.

Defende-se, com base em fundamentos constitucionais, a exclusão dos créditos de carbono da incidência do IBS e da CBS ou, ao menos, a criação de regime fiscal diferenciado que preserve a finalidade ambiental do instrumento e evite a tributação que cause o desestímulo de práticas favoráveis ao meio ambiente. A sustentabilidade fiscal deve caminhar ao lado da sustentabilidade ambiental.

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advogada tributarista formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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