Tributação das apostas online no Brasil e no mundo

João Rafael Gândara, Maria Eduarda de Andrade Francisco

No final de junho, participamos do Congresso da IFA Latam, no Rio de Janeiro, onde falamos sobre a tributação das apostas online no Brasil, em um painel com outros países da América Latina [1]. Olhando sob uma perspectiva internacional, em especial nos países latino-americanos, verifica-se uma diversidade de abordagens com relação aos jogos de azar de um modo geral.

FreepikApostas esportivas, aposta
A questão da legalização dos jogos de azar, inclusive as apostas online, é controversa na região. Não há uma uniformidade de tratamento entre os países. Pelo contrário, há uma diversidade considerável de tratamentos que podem variar da proibição total, como acontece no Chile, até uma legalização bastante ampla, como ocorre no Paraguai, em que não só apostas online, mas também cassinos e bingos em estabelecimento físicos autorizados.

O caso específico do Brasil é bastante curioso. Havia uma proibição histórica dos jogos de azar desde a década de 1940, com uma permissão específica apenas para loterias oficiais e modalidades de turfe. Esse cenário tem sido modificado consideravelmente nos últimos anos, com a legalização das apostas na modalidade de quota fixa, e há um debate atual sobre a autorização progressiva de outras modalidades de apostas.

Por maiores que sejam os debates políticos, legais e morais que o tema desperta, há um dado da realidade muito importante nessa discussão. No Brasil e no mundo, com a expansão da internet e o crescimento das plataformas de apostas online, essa se tornou uma atividade de fácil acesso para qualquer pessoa que tenha um telefone celular e a vontade de apostar.

No caso específico do Brasil, de acordo com pesquisas recentes, mais brasileiros fazem apostas online do que investem na bolsa de valores, em títulos públicos ou mesmo em CDBs [2]. Somente no ano passado, 22 milhões de brasileiros (14% da população) usaram uma plataforma de apostas pelo menos uma vez. O Brasil se tornou o terceiro maior mercado de apostas do mundo [3], com uma estimativa de que o mercado tenha movimentado R$ 50 bilhões de reais, só em 2023 [4]. As apostas online, especialmente as apostas em jogos de futebol, tornaram-se uma espécie de segunda paixão nacional.

Portanto, do ponto de vista econômico, observa-se que, apesar de haver um fluxo muito considerável de recursos nesse negócio, eles acabam não sendo capturados pelo País no plano fiscal. Como a maioria das empresas de apostas online está atualmente localizada no exterior, existem regras tributárias para gravar apenas os valores recebidos pelos apostadores individuais, pessoas físicas, residentes no Brasil, e isso é só uma fração muito pequena de toda essa atividade.

Obrigação de residência no Brasil
Então, como o Brasil está se estruturando, em termos fiscais, para captar uma parte desses recursos? O Brasil está fazendo uma espécie de Projeto Beps (Base Erosion and Profit Shifting), mas à “moda antiga”. Explica-se. Por se tratar de uma atividade muito sensível à regulação estatal, para que possam exercer sua atividade legalmente no País, o Brasil passou a exigir, com a Lei nº 14.790/2023, que as bets se instalem aqui e se tornem residentes fiscais brasileiros.

De fato, no momento, o Brasil passa por três reformas legislativas com impactos nesse setor:

reforma regulatória do sistema de apostas com a autorização para exploração das apostas de quota fixa no país, quando o valor do prêmio é conhecido antecipadamente com base no valor apostado;

reforma tributária do setor de apostas: construção específica das regras tributárias que é acompanhada pela regulamentação deste setor;

reforma constitucional ampla da tributação do consumo, com implantação de regras de CBS e IBS que também trazem regras específicas aplicáveis às apostas online.

O que há no Brasil em termos de tributos, especialmente tributos federais sobre os rendimentos de operadores e apostadores?

Existem, atualmente, três tipos de tributos em nível federal que recaem sobre os rendimentos do operador.

O primeiro é um gravame de 12% sobre o que se pode denominar de “rendimento bruto dos jogos”, o que na literatura internacional se conhece como Gross Gaming Revenue.

A Lei nº 14.790/2023 prevê que, do total arrecadado pelas apostas, será deduzido o valor pago aos apostadores e o eventual imposto de renda incidente sobre o prêmio. E, após, o que sobrar, 88% é destinado ao agente operador e os 12% restantes têm diversos fins especiais (educação, segurança social, desporto, turismo, saúde e diversas entidades da sociedade civil).

Uma questão que se coloca é qual seria a natureza jurídica desses 12%. Parece-nos que existem argumentos consistentes para defender que se trata de um tributo. No Brasil, existe um conceito legal de “tributo”, e esse gravame de 12% parece se enquadrar nesse conceito, pois se trata de uma prestação pecuniária compulsória, não sancionatória de ato ilícito, prevista em lei e cobrada mediante atividade vinculada.

Não nos parece que esse gravame possa ter a natureza de uma receita patrimonial não tributária, a exemplo dos royalties ou das compensações financeiras. Por mais que a lei qualifique essa modalidade lotérica como um serviço público, parece-nos que esses 12% não decorrem da exploração de um bem público, como ocorre com os royalties do petróleo ou mesmo com a compensação financeira pela exploração minerária.

Trata-se, na nossa visão, de um gravame que incide sobre valores arrecadados pelo agente operador em decorrência das apostas online, que são realizadas pelos apostadores, com recursos privados. É, portanto, de uma receita derivada, e não originária.

Portanto, esse encargo de 12% constitui, na nossa visão, uma exação de natureza tributária. E, nessa condição, sujeita-se às normas aplicáveis aos tributos, como, legalidade, irretroatividade, anterioridade, entre outras. Na classificação dos tributos existentes no país, parece-nos uma modalidade de contribuição especial, pois é um tributo já vinculado pela lei a destinações específicas, ao contrário do que ocorre com impostos ou taxas. Mas, a verdade é que esse é um tema novo e, portanto, demanda aprofundamento.

O segundo tipo de tributo federal incidente sobre os rendimentos auferidos pelos operadores diz respeito à tributação da renda, notadamente 25% de IRPJ e 9% de CSLL, totalizando uma tributação de 34% sobre o lucro das empresas de apostas que serão residentes no Brasil.

Por fim, o terceiro tipo de tributo que se pode aventar sobre os rendimentos do operador são as contribuições de PIS e Cofins destinadas ao financiamento da seguridade social, que incidem a uma alíquota combinada de 9,25% sobre a receita bruta das empresas, no regime não cumulativo.

Tributação de PIS e Cofins
Contudo, pode haver uma discussão sobre a constitucionalidade da própria tributação de PIS e Cofins sobre essas receitas. É que a Constituição estabelece que deve haver uma contribuição para o financiamento da seguridade social sobre as “receitas de concursos de prognósticos” (artigo 195, III).

Como dissemos, um dos tributos incidentes sobre essa atividade é justamente a contribuição de 12% sobre a receita bruta do jogo, sendo uma parte dessa contribuição destinada justamente à seguridade social. Portanto, haveria a possibilidade de combinar essa contribuição de 12% com a arrecadação adicional de PIS e Cofins sobre essa mesma receita de concursos de prognóstico? Na nossa visão, essa tem tudo para vir a ser uma controvérsia existente quando as bets começarem a operar no Brasil.

Outra discussão que pode surgir diz respeito à base de cálculo dessas contribuições. A legislação do PIS e da Cofins prevê que a tributação se dará sobre a receita bruta, mas permite a dedução dos descontos incondicionais concedidos. Mas e no caso das apostas, qual será a base tributável?

O valor total recebido pelo operador (valores totais arrecadados com apostas — turnover) ou só o valor líquido (rendimento bruto do jogo — GGR). Em nossa opinião, qualquer desconto, inclusive e principalmente aqueles determinados por lei, deve ser levado em consideração para o cálculo do PIS e da Cofins. Portanto, parece-nos que, se há tributação de PIS e Cofins, ela deve ser tributada sobre o valor que realmente é auferido pela empresa.

É possível cogitar, ainda, a tributação da atividade, em nível municipal, pelo ISS. Alguns municípios, como São Paulo, já sinalizaram que adotarão como base do imposto o valor após os descontos previstos na Lei nº 14.790/2023. Todavia, a matéria deve dar azo a controvérsias.

O STF já reconheceu, no julgamento do RE n° 634.764/RJ (Tema n° 700 da Repercussão Geral), a constitucionalidade da tributação, pelo ISS, das apostas em hipódromos (pules). No entanto, pode haver algum tipo de discussão sobre a própria incidência do ISS sobre as atividades das apostas online, que foram só recentemente autorizadas, e sequer eram consideradas como uma atividade lícita ao tempo da edição da lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003.

O local da tributação igualmente pode ser objeto de disputa. Qual o estabelecimento prestador do serviço no caso das apostas online: o local da sede da empresa? O local onde estão localizados os servidores que processam as apostas? O local onde estão os apostadores fazendo as apostas? Todas essas são questões que precisam ser analisadas com o devido cuidado.

A reforma tributária contempla previsão de CBS e IBS sobre as receitas de concursos de prognósticos, na forma de um regime específico conforme previsto no artigo 156-A, § 6, II, da CF/1988, com a redação trazida pela EC 132/2023. Mais recentemente, no âmbito da regulamentação da reforma tributária, tem havido discussão sobre a incidência também do imposto seletivo sobre esse tipo de atividade.

Esse ponto também pode vir a gerar algum tipo de controvérsia a respeito de os concursos de prognósticos estarem inseridos na competência tributária bastante restrita de “produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos de lei complementar”.

Haveria possibilidade de se questionar se serviços realizados no país (e não importados) estariam alcançados por esse imposto. Também cabe a indagação se uma atividade de lazer desportivo — malgrado possa trazer eventual infortúnio financeiro — poderia ser considerada “prejudicial à saúde ou ao meio ambiente” para justificar o imposto. No plano internacional, os chamados “impostos sobre o pecado” costumam gravar cigarros e bebidas alcóolicas, mas não especificamente jogos de azar. Até porque o propósito maior dessa tributação é inibir o consumo, e não propriamente reduzir os ganhos do apostador e, menos ainda, tributar os operadores.

Com relação aos ganhos do apostador, se houver apostas de quota fixa ou loterias, essa tributação é de 15% sobre o prêmio líquido recebido pela pessoa física.

A Lei nº 14.790/23 estabelece que o prêmio líquido é o resultado positivo obtido a cada ano, após a dedução das perdas sofridas com apostas da mesma natureza. Também estabelece que o tributo só será cobrado sobre os rendimentos que ultrapassarem o primeiro nível da tabela progressiva do imposto sobre pessoas físicas, atualmente em R$ 2.259 [5].

Houve veto presidencial quanto à aplicação de uma faixa de isenção e à questão da possibilidade de dedução das perdas incorridas pelo apostador ao longo do ano. No entanto, esses vetos foram rejeitados pelo Congresso, restabelecendo a sistemática de tributação contida no texto original do artigo 31 da Lei nº 14.790/2023. Houve, também, um debate sobre se seria, ou não, necessário que os operadores retivessem impostos na fonte sobre os prêmios pagos.

Essa regra foi estabelecida em âmbito administrativo pela Instrução Normativa da Receita Federal nº 2191 de 2024, antes da rejeição dos vetos. Portanto, imagina-se que essa questão tenha que ser reavaliada agora pelas autoridades fiscais, uma vez que, após a derrubada do veto, está muito claro na lei que a tributação deve ocorrer por parte do apostador que aufere a renda, e não por eventual fonte pagadora.

Além de não haver norma legal determinando responsabilidade tributária por parte da fonte pagadora dos prêmios, o operador sequer tem condições de recolher o tributo, uma vez que não tem como saber se os prêmios pagos são tributáveis em função da questão da isenção aplicável e da possibilidade de dedução de perdas.

Como se vê, são muitos os desafios para a legalização e a tributação das apostas online, no Brasil e no mundo. Há, evidentemente, uma justa pretensão dos Fiscos de capturarem, por meio do sistema tributário, uma parcela considerável do fluxo de recursos gerados por essa atividade que está sendo regulamentada.

Mas há que se tomar muito cuidado com essa regulamentação tributária para que não se inviabilize e se mantenha na clandestinidade uma atividade que se pretende legalizar. As regras desse jogo precisam ser claras e justas. A sorte e o azar devem estar no jogo, não nas regras, sob pena de criarmos um jogo em que tanto a banca quanto os apostadores saem perdedores.

[1] Sou especialmente grato aos meus companheiros de painel pelas discussões produtivas que tivemos no painel: Valentina Cabrera (Venezuela), Doris Canem e Patrick Lopes (Brasil), Eduardo Espinosa (México), Yajaira Alvaredo (Equador), Alvaro Tapia (Bolívia), Nicolás Maturana e Mauro Mascareño (Paraguai).

[2] https://valorinveste.globo.com/objetivo/hora-de-investir/noticia/2024/05/04/muito-mais-brasileiros-apostam-on-line-do-que-investem-na-bolsa-ou-no-tesouro-direto.ghtml

[3] https://istoedinheiro.com.br/brasil-e-o-terceiro-pais-que-mais-consome-sites-de-apostas/

[4] https://www1.folha.uol.com.br/esporte/2024/01/brasileiros-gastaram-mais-de-r-50-bilhoes-em-apostas-on-line-em-2023.shtml

[5] Vide artigo 1º da Lei Federal nº 14.848/2024.

João Rafael Gândara, Maria Eduarda de Andrade Francisco

João Rafael Gândara
é sócio de Pinheiro Neto Advogados, professor da pós-graduação da FGV-RJ e da PUC-Rio e diretor da ABDF.

Maria Eduarda de Andrade Francisco
é associada da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados.

Gostou do artigo? Compartilhe em suas redes sociais

kuwin

iplwin

my 11 circle

betway

jeetbuzz

satta king 786

betvisa

winbuzz

dafabet

rummy nabob 777

rummy deity

yono rummy

shbet

kubet

winbuzz

daman games

winbuzz

betvisa

betvisa

betvisa

fun88

10cric

melbet

betvisa

iplwin

iplwin login

iplwin app

ipl win

1win login

indibet login

bc game download

10cric login

fun88 login

rummy joy app

rummy mate app

yono rummy app

rummy star app

rummy best app

iplwin login

iplwin login

dafabet app

https://rs7ludo.com/

dafabet

dafabet

crazy time A

crazy time A

betvisa casino

Rummy Satta

Rummy Joy

Rummy Mate

Rummy Modern

Rummy Ola

Rummy East

Holy Rummy

Rummy Deity

Rummy Tour

Rummy Wealth

yono rummy

dafabet

Jeetwin Result

Baji999 Login

Marvelbet affiliate

krikya App

betvisa login

91 club game

daman game download

link vào tk88

tk88 bet

thiên hạ bet

thiên hạ bet đăng nhập

six6s

babu88

elonbet

bhaggo

dbbet

nagad88

rummy glee

yono rummy

rummy perfect

rummy nabob

rummy modern

rummy wealth

jeetbuzz app

iplwin app

rummy yono

rummy deity 51

rummy all app

betvisa app

lotus365 download

betvisa

mostplay

4rabet

leonbet

pin up

mostbet

Teen Patti Master

Fastwin App

Khela88

Fancywin

Jita Ace

Betjili

Betvisa

Babu88