STF define limite para aplicação de multas por descumprimento de obrigações acessórias
Por Gregório Caballero
21/11/2025 12:00 am
O Supremo Tribunal Federal “joga uma pá de cal” na discussão envolvendo o caráter confiscatório da multa isolada por descumprimento de obrigação acessória.
Historicamente, as multas no sistema tributário brasileiro desafiaram diversos questionamentos em razão da máxima simplista de que, ocorrido o ilícito, deve haver sanção como meio de que se vale a ordem jurídica para desestimular o comportamento ilícito.
As sanções, assim como a coerção, constituem formas de coação, ou seja, meios pelos quais o Estado, utilizando de suas prerrogativas, indiretamente obriga os seus jurisdicionados a empreender alguma atividade por ele almejada, sendo tanto elementos garantidores do cumprimento das normas jurídicas quanto consequência do descumprimento de deveres estabelecidos na ordem jurídica, o que ocorre mediante a aplicação de punições.
Trazendo o tema para o Direito Tributário, a multa é uma espécie de sanção fiscal pelo descumprimento de uma obrigação tributária, representando consequência negativa do ordenamento jurídico diante de atos comissivos ou omissivos praticados pelo sujeito passivo (contribuinte), o que pode significar o atraso no pagamento de um tributo, a falta de recolhimento deste ou, até mesmo, o descumprimento de um dever instrumental.
A sanção fiscal é utilizada para direcionar o comportamento do contribuinte, para que efetue regularmente o pagamento dos tributos, cumprindo com a obrigação que lhe foi imposta, prevenindo a ocorrência de infrações futuras.
Meu enfoque se dá aqui quanto à aplicação das multas decorrentes de descumprimento de obrigação acessória (“multas isoladas”) – em que não há inadimplemento de tributo ou prática de ilícito tributário – e às implicações decorrentes do Tema nº 487 pelo STF.
A controvérsia decorre especialmente da prática de muitos estados de cobrarem multa num percentual calculado sobre o valor da operação tributária, fazendo com que o seu valor seja superior ao próprio tributo envolvido na operação, indo de encontro com os princípios da proporcionalidade, racionabilidade, vedação ao efeito confiscatório e capacidade contributiva.
Entendimento do STF e o respeito a princípios
Em 6/10/2011, em vista do aumento da complexidade e da quantidade de deveres instrumentais, o STF reconheceu a existência de repercussão geral do Recurso Extraordinário (RE) nº 640.452/RO, para a análise do caráter confiscatório, desproporcional e irracional de multa aplicada em valor variável entre 5% e 40%, sobre o valor de operação que não gerou débito tributário.
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Com isso, surgiram duas indagações: existe limite a ser observado na cobrança de multa pecuniária devida por descumprimento de dever instrumental? E em caso positivo, qual seria esse limite?
Passados mais de dez anos do reconhecimento da repercussão geral, o julgamento do RE nº 640.452/RO foi iniciado em novembro de 2022, tendo o ministro Roberto Barroso (relator do caso) concluído que a multa isolada não pode exceder a 20% do tributo devido, sob pena de violação ao efeito confiscatório. Na sua visão, a multa por descumprimento de uma obrigação principal, necessariamente, deve ser mais pesada do que a multa por descumprimento de uma obrigação acessória.
Como bons contribuintes, sabemos que jamais devemos comemorar antes da hora, especialmente quando se trata de posicionamento dos tribunais superiores em matéria tributária.
O ministro Dias Toffoli instaurou divergência, propondo uma tese mais flexível ao do relator: ampliando o teto da penalidade para 60% do valor do tributo ou do crédito vinculado; e possibilitando a majoração do limite a 100% em caso de circunstâncias agravantes, tais como o dolo, a reincidência específica e o fato de a obrigação violada já ter sido objeto de solução de consulta formulada, entre outras. Em seu voto, destacou que as multas isoladas, cujos percentuais superam os parâmetros por ele indicado, são inconstitucionais. Porém, de forma um tanto quanto contraditória, autorizou que as autoridades administrativas, à luz do conjunto fático-probatório constante do caso concreto, verifiquem, excepcionalmente, o caráter confiscatório da penalidade aplicada dentro daquelas referências.
Passados mais três anos, o julgamento terminou no último dia 10/11/2025, quando, por maioria dos votos, prevaleceram as teses propostas pelo ministro Dias Toffoli, inclusive no que diz respeito à modulação dos efeitos, valendo somente a partir da data de publicação da ata do julgamento do mérito resguardando os processos administrativos e judiciais que estavam em andamento.
Apesar de não ter sido o melhor resultado aos contribuintes, uma vitória não pode ser menosprezada, afinal esse desfecho representa grande avanço de respeito aos princípios da vedação ao efeito confiscatório e da segurança jurídica, além de colocar limites nas autuações exorbitantes lavradas especialmente pelas administrações estaduais e municipais.
Com isso, espera-se que os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade possam ser aplicados com mais consistência e de forma organizada, para solucionar de maneira objetiva o problema da limitação das multas pecuniárias devidas pelo descumprimento de dever instrumental.
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advogado do Candido Martins Cukier.
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