Princípio da defesa do meio ambiente no sistema tributário nacional

Por Jimir Doniak Jr.

18/08/2025 12:00 am

A Emenda Constitucional (EC) nº 132/2023, conhecida como reforma tributária, trouxe muitas alterações. Entre elas está a inclusão do § 3º no artigo 145, para indicar princípios expressos que devem ser observados pelo sistema tributário nacional. São eles: a simplicidade, a transparência, a justiça tributária, a cooperação e a defesa do meio ambiente.

Esse novo dispositivo suscita indagações teóricas interessantes. Por exemplo: se eles já não eram princípios do sistema tributário nacional, embora implícitos, ou qual o impacto terá a adoção de um princípio de conteúdo tão inexato e subjetivo como a justiça tributária.

O objetivo destas breves reflexões é mais modesto: o foco é no princípio da defesa do meio ambiente e tendo em vista um tema em julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, nas ADIs nºs 7.774, 7.775 e 7.823 (registrando desde já que atuamos nesta última). Expliquemos o que está sendo julgado, para depois refletirmos se há impacto da adoção, para o sistema tributário nacional, do princípio da defesa do meio ambiente.

Moratória da soja
O tema gira em torno da chamada “moratória da soja”.

Como se sabe, houve um crescimento vertiginoso na produção de soja no Brasil. Tão rápido foi ele, com ganhos expressivos para aqueles dedicados à cadeia de produção, comercialização e industrialização relacionada à soja, que passou a existir uma demanda cada vez maior por novas áreas de produção. Com isso, passou a ocorrer o desflorestamento no Bioma Amazônico para a produção de soja. Isso começou a acontecer há pouco mais de 20 anos. Cresceu, então, a preocupação com a ameaça que o cultivo da soja poderia representar para a Floresta Amazônica.

Devido a esse quadro, entidades da sociedade civil, dedicadas ao tema ambiental, passaram a manifestar essa preocupação de variadas formas. Entre elas, a pressão sobre os adquirentes de soja e de produtos que a utilizam como insumo, como a carne. Essa pressão foi exercida, em particular, sobre grandes varejistas e redes de alimentação internacionais. O mote era que, ao adquirir soja ou carne brasileiras, estar-se-ia destruindo a Amazônia.

Spacca
Por decorrência das pressões, em 2006 foi firmado um pacto multissetorial, chamado “moratória da soja. As empresas comercializadoras e industrializadoras comprometeram-se a não adquirir soja oriunda de áreas do Bioma Amazônico desflorestadas a partir de certa data (primeiro foi adotado o ano de 2006 como marco, depois passado para 2008). Pouco mais tarde, o governo federal também passou a fazer parte dessa iniciativa. Daí ela se caracterizar como um pacto multissetorial, congregando empresas, suas associações, ONGs ambientais (como Greenpeace e WWF Brasil), órgãos do governo federal e o Banco do Brasil.

O resultado dessa certificação (um selo verde) foi um sucesso: houve redução no ritmo de desmatamento da Amazônia, garantiu-se o mercado consumidor internacional, a produção de soja brasileira mais do que triplicou de 2005 até 2025. Houve aumento de produção de soja até mesmo dentro do Bioma Amazônico, mas em áreas antes desmatadas, como pastagens degradadas. É um exemplo concreto do conceito teórico de “desenvolvimento sustentável”.

Plano de controle do desmatamento
Tão relevante se tornou a moratória da soja que ela consta do PPCDAm, o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, referendado pelo STF nos autos da ADPF nº 760.

Ocorre que, recentemente, começaram a crescer insatisfações por parte de proprietários rurais em áreas localizadas no Bioma Amazônico e que foram desmatadas depois da moratória da soja. Eles desejam não só produzir soja — o que podem fazer, dado que a certificação/selo verde da moratória só é concedida àqueles que a pleiteiam, não tendo força perante os demais, externos a ela —, como também exterminar a moratória, obrigando as empresas comercializadoras e industrializadoras a comprar soja deles.

Essas insatisfações sensibilizaram os governos estaduais, que aprovaram leis vedando a concessão de benefícios tributários àqueles que participem de acordos/pactos como a moratória da soja. Com isso, as empresas comercializadoras viram-se perante um dilema: ou dispensam os benefícios, assumindo custos tributários elevados e que levarão à perda de competitividade; ou mantêm os benefícios, afastando-se da moratória, mas perdendo parte relevante do mercado consumidor internacional.

A par da questão econômica e empresarial, coloca-se a questão jurídica: seria constitucional um estado, após a Emenda Constitucional nº 132/2023, utilizar de instrumental tributário para desestimular uma iniciativa que colabora com a defesa do meio ambiente, a saber, a redução do desflorestamento do Bioma Amazônico?

A resposta nos parece claramente negativa: tais medidas são inconstitucionais.

Não há sentido em normas contrárias à Constituição
Entre outros sentidos para o princípio, o ministro Roberto Barroso, em obra doutrinária, afirma que os princípios indicam uma direção, um valor, um fim, são “(…) como um farol que ilumina os caminhos a serem percorridos”[1]. Trata-se de norma jurídica, que prescreve. Não é mera recomendação. Se mais não fosse, o seria porque o novo § 3º do artigo 145 é expresso: “O Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios da (…) defesa do meio ambiente“.

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É possível entender que um princípio pode ter diferentes graus de força. Assim, pode-se sustentar que ele prescreve ao legislador que atue sempre e positivamente buscando a concretização do princípio, no caso, atuando para defender o meio ambiente. Ou seja, o legislador deveria, a cada decisão, avaliar como poderia utilizar o instrumental tributário para atuar em prol da defesa do meio ambiente. Talvez se entenda ser impraticável este nível de exigência. O princípio prescreveria a atenção a ele “sempre que possível”, na linha do § 1º do mesmo artigo 145 da Constituição.

De qualquer forma, parece inegável que, no mínimo, a adoção expressa de um princípio tem o efeito de impedir que o legislador adote leis em sentido contrário a ele. É a lição, entre outros, de José Afonso da Silva[2]. Realmente, não haveria qualquer sentido lógico-jurídico em a Constituição prescrever um princípio e o legislador poder aprovar normas que sigam outro caminho, uma direção oposta daquela iluminada pelo princípio.

É o que fazem as leis estaduais cuja constitucionalidade é questionada no STF. Elas reservam benefícios tributários às empresas que não adotam políticas ambientais mais exigentes. De outro lado, os negam àquelas que participam de iniciativas ambientalmente positivas. Os contribuintes, então, serão objeto de diferenciação: quem segue no caminho de maior proteção ambiental não tem benefício fiscal, quem não segue essa direção é favorecido tributariamente. Inegável que, com isso, os Estados desincentivam políticas ambientais mais exigentes.

Ora, o STF, há pouco tempo, julgou o RE nº 607.109. Na ocasião, ainda antes da EC nº 132/2023, foi decidido que o legislador não poderia utilizar o instrumental tributário de benefícios fiscais para prejudicar contribuintes mais alinhados à preocupação ambiental. Confira-se: “Ao assim agir, o Estado brasileiro prejudica as empresas que, ciosas de suas responsabilidades sociais, optaram por contribuir com o Poder Público e com a coletividade (…) A Corte se depara, fundamentalmente, com dispositivos legais que oferecem tratamento tributário prejudicial às cadeias econômicas ecologicamente sustentáveis, (…).”

Defesa do meio ambiente já seria princípio do sistema tributário
Se foi decidido condenar esse tipo de tratamento antes da expressa adoção da defesa do meio ambiente como princípio do Sistema Tributário Nacional, com maior razão após essa adoção não se pode admitir que o legislador utilize o instrumental tributário para desfavorecer aqueles que adotam política ambiental mais exigente. Estes, que contribuem com a defesa do meio ambiente, são prejudicados.

Realmente, a conclusão a que se chega é que a defesa do meio ambiente já era tida, ao menos para o STF, como um princípio implícito do sistema tributário nacional. Sua adoção expressa no Texto Constitucional, porém, não é irrelevante. Sua força cogente torna-se maior, frente à atenção ao tema por parte do constituinte derivado, a prescrever ao legislador e aos tribunais que esse princípio deve guiar “os caminhos a serem percorridos”.

Olhando a questão por essa ótica, entendemos ser um verdadeiro acinte as leis estaduais que, após a EC nº 132/2023, utilizam o instrumental tributário dos incentivos fiscais para combater políticas alinhadas à defesa do meio ambiente.

Ao final, percebe-se que os julgamentos das ADIs mencionadas serão uma boa indicação do grau de relevância que terão os princípios do sistema tributário nacional, recentemente incorporados na Constituição.

[1] BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 232.

[2] Fundamentado em B. Pallieri: “Do que expusemos nos parágrafos anteriores, fácil é extrair outro efeito notabilíssimo das normas constitucionais programáticas, como exprime Balladore Pallieri, que conclui: ‘Prescrevem à legislação ordinária uma via a seguir; não conseguem constranger, juridicamente, o legislador a seguir aquela via, mas o compelem, quando nada, a não seguir outra diversa. Seria inconstitucional a lei que dispusesse de modo contrário a quanto a constituição comanda. (…)’” (SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 158).

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é advogado, sócio da Advocacia Lunardelli, mestre e doutor pela PUC-SP.

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