Possíveis problemas na fiscalização do IBS e da CBS

Por Diego Diniz Ribeiro

11/08/2025 12:00 am

Há alguns meses temos nos dedicado a tratar dos reflexos da reforma tributária sobre o consumo no processo tributário, o que está materializado em textos publicados aqui na revista eletrônica Consultor Jurídico, oportunidade em que abordamos problemas a serem enfrentados tanto no âmbito dos processos administrativos como nos processos judiciais que tenham por objeto demandas relacionadas ao IBS e a CBS.

No texto de hoje, todavia, trataremos da fase pré-processual, ou seja, a fase procedimental que culmina no lançamento tributário do IBS e CBS, refletindo a respeito de eventuais controvérsias que poderão surgir daí e, certamente, converter-se-ão em demandas administrativas e/ou judiciais.

Competência para lançar o IBS e a CBS
Apesar de CBS e IBS conformarem tributos gêmeos, fruto da aprovação do IVA dual brasileiro, a competência fiscalizatória de tais exações foi definida no artigo 156-B, § 2º, inciso V da Constituição [1], inserido pela Emeda Constitucional 132/2023, e reproduzida no artigo 324, incisos I e II da Lei Complementar 214/2025 [2], tendo sido outorgada competência administrativa à União para lançar a CBS e aos estados-membros, Distrito Federal e municípios para constituir as suas respectivas parcelas do IBS, considerando, como regra, a tributação no destino.

Apesar da unidade normativa das exações aqui mencionadas, procurou-se respeitar as respectivas competências fiscalizatórias de cada um dos possíveis entes tributários, de modo a prestigiar a promessa feita pelos reformistas de que o IVA brasileiro não implicaria ofensa ao pacto federativo.

Importante desde já frisar que, quanto ao IBS, o papel atribuído ao Comitê Gestor foi o de coordenação, [3] sem atribuição de competência fiscalizatória. Daí a proposta legislativa retratada no artigo 2º, § 1º, inciso VI, alínea “a” do PLP 108/2024 [4], em sintonia com o disposto no artigo 156-B, § 2º, inciso V da Constituição, adrede referido. Trata-se — convém repetir — de um papel de coordenação, com vista à integração, de modo que o IBS mantenha a sua uniformidade, apesar de se sujeitar à diversas fiscalizações por parte dos diferentes entes públicos.

Considerando a multiplicidade de entes tributantes com competência para fiscalizar e exigir o IBS (26 estados, mais o DF e 5.568 municípios), além da competência da União para lançar sua irmã-gêmea, a CBS, o problema que pode surgir no âmbito da realização prática do direito é desses diferentes entes promoverem autuações díspares para um mesmo fato jurídico-tributário e, o que é pior, com interpretações distintas para essa mesma operação, o que nos remete à seguinte questão: como evitar esse possível problema?

Resposta pensada pelo legislador reformista
Com objetivo de minimizar o risco acima mencionado, de multiplicidade de autuações e diferentes interpretações para um mesmo fato jurídico sujeito às mesmas regras jurídicas, o legislador reformista pensou nas seguintes alternativas:

(1) dever de informação sempre que iniciada uma fiscalização de IBS/CBS para que haja a possibilidade de cotitularidade nesse trabalho, unificando o seu resultado, caso esse procedimento fiscalizatório compartilhado resulte em autuações; e

(2) possibilidade de um ente tributante tomar de empréstimo a fundamentação e a prova produzida por outro para o mesmo fato fiscalizado.

Em relação ao dever de informação acerca do início de uma fiscalização de IBS e CBS para eventual cotitularidade de entes, tal previsão está disposta na parte inicial do artigo 325, inciso II da Lei Complementar 214/2025 [5]. Tudo isso para que, todos os interessados em compartilhar a fiscalização em relação ao mesmo sujeito passivo e os mesmos fatos jurídico-tributários, possam agir de forma integrada por intermédio de uma única fiscalização. Com isso, evitar-se-á uma multiplicidade de procedimentos fiscalizatórios recaindo sobre uma mesma operação.

O segundo caminho adotado pelo legislador para tentar minimizar uma multiplicidade de interpretações distintas para uma mesma operação fiscalizada se dá nos termos do artigo 325, inciso I da Lei Complementar 214/2025 [6]. Conforme previsão desse dispositivo, não havendo habilitação de um ente como cotitular em um procedimento fiscalizatório, ele poderá tomar de empréstimo a fundamentação e a prova produzida por outro para um mesmo fato fiscalizado sujeito ao IBS ou à CBS. Tal possibilidade, portanto, tende a redundar em uma convergência de fundamentos no caso de autuações de CBS e IBS.

Tais propostas, todavia, não estão imunes de possíveis problemas, os quais serão apresentados a seguir.

Possíveis problemas para as respostas apresentadas pelo legislador reformista
Um primeiro ponto para reflexão diz respeito à possibilidade do uso da prova e fundamentação emprestada para fins de autuação de IBS/CBS, considerando o que dispõe o artigo 325, § 3º da Lei Complementar 214/2025, quando prevê que a sua utilização não dispensa a oportunidade do contraditório e da ampla defesa pelo sujeito passivo. Diante de tal previsão a pergunta que fica é: o contraditório e ampla defesa almejados pelo legislador seria numa fase procedimental (fiscalizatória) e, portanto, anterior a uma autuação, ou só se daria em possível etapa processual, na hipótese de eventual impugnação por parte do autuado? Caso a exigência se dê ainda na fase fiscalizatória, a súmula Carf 46 [7] perderia sua vigência no âmbito das autuações de IBS/CBS? E, por fim, essa exigência se daria para todo o tipo de prova tomada por empréstimo ou apenas no caso de provas dinâmicas, em que o devido processo legal também deve ser respeitado no seu procedimento de produção, tal como ocorre, v.g., com as provas orais e periciais?

Em respeito a um devido processo legal substancial, entendemos que tal exigência já se faz presente no atual contexto jurídico ainda na fase fiscalizatória sempre que a prova a ser tomada de empréstimo for uma daquelas do tipo dinâmica [8]. Não há, todavia, uma orientação explícita da novel legislação nesse sentido, o que com certeza redundará em longos debates na instância administrativa e, posteriormente, judicial. Daí a importância de um aperfeiçoamento da legislação para explicitamente tratar desse ponto.

Ainda merece atenção a possibilidade de cotitularidade de fiscalizações, em especial em razão do que se projeta no conteúdo do artigo 3º, § 3º do PLP 108/2024 [9].

Segundo essa previsão, em uma fiscalização partilhada por diferentes entes tributantes, todos os cotitulares poderão promover atos procedimentais perante o fiscalizado, ou seja, havendo uma multiplicidade de entes — o que pode ser elevado a enésima potência considerando que a regra é a tributação no destino — todos eles poderão produzir diferentes intimações em momentos fiscalizatórios distintos para que o administrado preste esclarecimentos e/ou apresente documentos fiscais. A depender da quantidade e periodicidade dessas exigências, o fiscalizado certamente terá enorme dificuldade em atender as múltiplas exigências, o que pode implicar sanções pelo não atendimento à fiscalização, bem como redundar em severas dificuldades para o exercício do seu direito de defesa.

Uma possível solução seria concentrar todos os atos de intimação no ente que deu início à fiscalização. Medida desse quilate, todavia, poderia resultar na mitigação do pacto federativo, na medida em que concentraria os atos fiscalizatórios em apenas um dos entes detentores da chamada “competência compartilhada”. E aí surge o dilema a ser solucionado: deve prevalecer o pacto federativo em detrimento do devido processo legal substancial ou o contrário? Essa também é uma questão sem resposta na legislação já em vigor e no PLP 108/2024.

Conclusões
A tomada de decisão dos reformistas por uma IVA dual teve o notório objetivo de promover uma unificação tributária sem retirar a autonomia dos diferentes entes tributantes que abriram mão das competências tributárias primitivas (PIS/Cofin, ICMS e ISS) em torno de uma competência compartilhada nacionalmente (CBS e IBS), o que é aparentemente factível no altiplano normativo.

O que o legislador reformista não pensou, todavia, foi nos desdobramentos dessa legislação no âmbito da realização prática do direito. Faltou, sem dúvida, o olhar treinado daqueles que militam no dia a dia do Direito Tributário, acostumados com os mais diferentes problemas provenientes da realização do direito em concreto. Agora, compete ao legislador tentar encontrar caminhos para os possíveis problemas aqui apontados ou aguardar as soluções que deverão ser ofertadas pela jurisprudência administrativa e judicial, sem que se possa reclamar, ulteriormente, de um pseudoativismo da instância jurisdicional.

P.S.: Nas últimas semanas perdemos dois grandes advogados, professores e tributaristas: Brasil Salomão e Marcelo Viana Salomão, pai e filho. Eu também perdi dois dos meus mentores que, no início da minha carreira, tanto contribuíram para a minha formação como advogado e professor. Fica aqui o meu abraço apertado para os familiares e meus inúmeros amigos do Brasil Salomão e Matthes Advocacia, que certamente seguirão honrando o legado desses dois gigantes.

[1] Art. 156-B. (…)

§2º Na forma da lei complementar:

V – a fiscalização, o lançamento, a cobrança, a representação administrativa e a representação judicial relativos ao imposto serão realizados, no âmbito de suas respectivas competências, pelas administrações tributárias e procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que poderão definir hipóteses de delegação ou de compartilhamento de competências, cabendo ao Comitê Gestor a coordenação dessas atividades administrativas com vistas à integração entre os entes federativos;

[2] Art. 324. A fiscalização do cumprimento das obrigações tributárias principais e acessórias, bem como a constituição do crédito tributário relativo:

I – à CBS compete à autoridade fiscal integrante da administração tributária da União;

II – ao IBS compete às autoridades fiscais integrantes das administrações tributárias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

[3] Pensando de forma diferente a aqui defendida e atribuindo ao Comitê Gestor um papel para além dessa coordenação, destacamos o texto de Bianor Arruda Bezerra Neto: Natureza jurídica do Comitê Gestor e a reforma tributária (consultado em 02/07/2025).

[4] Art. 2º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exercerão, de forma integrada, exclusivamente por meio do CG-IBS, as seguintes competências administrativas relativas ao IBS:(…).
§1º Além do previsto no caput, compete ao CG-IBS:
(…).
VI – coordenar, com vistas à integração entre os entes federativos, no âmbito de suas respectivas competências, as atividades de:

a) fiscalização, lançamento e cobrança, e representação administrativa relativas ao IBS, que serão realizadas pelas administrações tributárias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
(…). (g.n.).

[5] Art. 325. A RFB e as administrações tributárias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
(…).
II – compartilharão, em um mesmo ambiente, os registros do início e do resultado das fiscalizações da CBS e do IBS.

[6] Art. 325 (…).
I – poderão utilizar em seus respectivos lançamentos as fundamentações e provas decorrentes do processo administrativo de lançamento de ofício efetuado por outro ente federativo;

[7] O lançamento de ofício pode ser realizado sem prévia intimação ao sujeito passivo, nos casos em que o Fisco dispuser de elementos suficientes à constituição do crédito tributário.

[8] Nesse sentido destaca-se a declaração de voto veiculada no Acórdão CARF n. 3402­002.869.

[9] Art. 3º. (…).
§3º. Os atos procedimentais serão exercidos, perante o sujeito passivo, pelas autoridades das administrações tributárias que figurarem como titular ou cotitular da fiscalização.

Mini Curriculum

é advogado tributarista e aduanerista, ex-conselheiro titular do Carf na 3ª Seção de Julgamento, professor de Direito Tributário, Direito Aduaneiro, Processo Tributário e Processo Civil, doutor em Processo Civil pela USP, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, pós-graduado em Direito Tributário pelo Ibet e pesquisador do NEF da FGV-SP e do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.

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