O preço da herança e a reforma tributária

Por Bruno A. François Guimarães

25/09/2025 12:00 am

São muitas as novidades trazidas pela reforma tributária: novos tributos, sistemáticas de recolhimento e apuração, rotinas fiscais, órgãos de arrecadação e fiscalização, regimes diferenciados e específicos, etc. Um admirável mundo novo tributário, onde as mudanças se mostram tão radicais quanto automatizadas.

Neste cenário, há um ponto em específico — também a ser severamente impactado — que não está contando com a devida atenção e mesmo nível de alerta que outros pontos da reforma tributária. Trata-se das novidades relacionadas ao Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD).

O referido tributo terá praticamente todos seus aspectos alterados nesta transição, indo desde sua base de cálculo e alíquotas, até o local do seu recolhimento e sua incidência sobre bens localizados no exterior. Vamos, portanto, elencar e esclarecer algumas das principais alterações no preço tributário da herança no Brasil pós-reforma tributária.

Mudanças no ITCMD
Em primeiro lugar, o ITCMD agora “será progressivo em razão do quinhão, do legado ou da doação”, conforme nova redação dada ao artigo 155, §1º, VI, da Constituição. Embora seja verdade que alguns estados já praticam alíquotas progressivas para a tributação sobre doações e heranças, isso não é uma regra geral. Agora, teremos uma lógica de que quanto maior o quinhão, maior a carga tributária sobre ele. A justificativa para isso é simples: uma lógica de alegada isonomia, pois quanto maior a capacidade contributiva, consequentemente, mais justo seria se exigir um maior recolhimento de tributos. O repetido uso da palavra “maior” não é acaso.

Curiosamente, ignora-se que o recebimento de uma herança é um evento relevante, mas normalmente trágico na vida das pessoas, quanto ao qual todo o contexto da vida do herdeiro deve(ria) ser considerado. Receber uma herança não significa, necessariamente, “mudar de vida”, pois não somente há custos relacionados ao seu recebimento, como também há o fato de que, no Brasil, todos estamos presos a uma realidade de tributação elevadíssima sobre o consumo que consome, de forma parasitária, o patrimônio de todos.

Vale destacar que a reforma tributária nada faz para reduzir nossa elevada tributação sobre o consumo, pois não é vocacionada à redução de carga tributária, mas sim a um alinhamento do que haveria de mais moderno no cenário internacional. Países desenvolvidos costumam ter uma tributação mais reduzida sobre o consumo para, a partir disso, tributar de forma mais isonômica e proporcional as rendas e heranças das pessoas. Há uma ordenação de fatores implicados entre si, e não uma simples instituição de progressividade na tributação sobre heranças que tende a gerar um aumento de carga tributária, desacompanhado de qualquer contrapartida sistêmica no que diz respeito à carga tributária global instituída sobre os contribuintes.

Em outros termos, os intentos arrecadatórios do Brasil parecem querer ter “dois pés em duas canoas”, no sentido de se instituir uma progressividade sobre a tributação de heranças, ao mesmo tempo que se institui uma nova sistemática de tributação sobre o consumo que não tem o menor compromisso de ser menos agressiva, mas apenas “mais moderna” na perspectiva de importar institutos e sistemáticas muito interessantes, mas que pouco ou nada dialogam com demandas de redução de carga tributária da população em geral.

Reflexos no recebimento da herança
Em segundo lugar, com base no mesmo dispositivo constitucional acima referido, não há dúvidas de que a incidência do ITCMD fica restringida à parte devida a cada herdeiro, de forma que referida progressividade se aplica individualmente e não considerando a totalidade do patrimônio do de cujus. Embora possa parecer um óbvio ditame do princípio da capacidade contributiva que não possa haver tributação para além do quanto efetivamente herdado ou doado, o novo texto traz luz e apazigua uma questão que, lamentavelmente, ainda precisava ser enfrentada pelos contribuintes.

Em terceiro lugar, há uma importante alteração com relação ao local onde o ITCMD é devido, quanto a inventários extrajudiciais envolvendo bens móveis. Em tais situações, a competência do ITCMD cabia ao estado onde se processava o inventário extrajudicial, de forma que os contribuintes elegiam estados com menor carga tributária para processar seus inventários extrajudiciais, quando envolvia bens móveis. Contudo, agora, o imposto necessariamente compete ao estado do domicílio do falecido, independentemente do estado onde será lavrada a escritura de inventário extrajudicial, restringindo planejamentos sucessórios e vinculando todos a uma lógica de maior uniformidade nacional que, naturalmente, acompanha as cargas tributária mais agressivas.

Noutros termos: para se evitar que contribuintes possam escolher estados com menor carga tributária para processar inventários extrajudiciais, impõe-se a adoção do estado de domicílio do falecido, retirando-se liberdades e impondo-se cargas tributárias mais agressivas aos herdeiros.

Em quarto lugar, há uma importante inovação quanto à cobrança de ITCMD relacionada a heranças que envolvam bens no exterior. Com efeito, a maior parte dos estados cobrava ITCMD sobre herança e doação provenientes do exterior, o que gerou um importante contencioso na medida em que a Constituição exige a instituição de uma lei complementar regulamentando tal situação que, contudo, jamais foi editada. Enquanto os estados entendiam que poderiam se valer de uma espécie de “vácuo” legislativo para tal cobrança, os contribuintes defenderam justamente o contrário, ou seja, a impossibilidade de cobrança do tributo na pendência da lei.

Inconstitucionalidade de cobrança
Em 2021, o STF decidiu pela inconstitucionalidade dessa cobrança enquanto não fosse instituída por lei complementar, tendo em vista o que prevê a própria Constituição, fixando o Tema em Repercussão Geral 825 (RE 851.108). Ainda, em 2022, o STF, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 67, estabeleceu o prazo de 12 meses para que o Congresso Nacional editasse lei complementar nesse sentido, que, até o presente momento, não foi publicada.

Com a reforma tributária, manteve-se a obrigatoriedade de que tal cobrança seja instituída por meio de lei complementar. Porém, ficou previsto, de forma provisória, que, enquanto não instituída lei complementar, será aplicado um regramento mínimo, no sentido de ser devido o ITCMD, relativamente a bens situados no exterior, ao Estado onde era domiciliado o de cujus ou, se domiciliado ou residente no exterior, onde tiver domicílio o sucessor ou legatário, ou ao Distrito Federal.

Significa dizer que, ao invés de simplesmente se instituir uma lei complementar disciplinando o assunto, conforme já previa a Constituição, preferiu-se uma regulamentação provisória via emenda à Constituição que tutela o agir desviante dos estados. De forma simples, a reforma tributária acolhe e respalda a cobrança de tributos de forma já declarada como sendo inconstitucional, mas ora respaldada, à revelia do que constitucionalmente convencionado pelo simples fato de que os Estados não conseguiram ver seus desígnios acolhidos via processo legislativo e tentam, agora, vê-los impostos via “canetaço”.

ITCMD sobre participações societárias
Finalmente, em quinto lugar, destaca-se que há uma importante modificação na própria base de cálculo do ITCMD nas transmissões que envolvem quotas ou participações societárias. Isso porque o PLP 108 aduz que a base de cálculo deve corresponder ao valor de mercado do bem ou direito transmitido, ajustado conforme a legislação estadual.

Portanto, apenas para exemplificar algumas implicações dessa novidade, se estamos falando de uma empresa que detém imóveis, esses serão avaliados a preço de mercado, o que não ocorre em diversos Estados. Para participações societárias listadas na bolsa de valores, a base será a cotação de mercado do dia anterior ao fato gerador. E nos demais casos, deve-se utilizar uma metodologia tecnicamente adequada que reflita o valor patrimonial líquido ajustado, acrescido do valor de mercado do fundo de comércio.

Tais apontamentos não alcançam todas as novidades relacionadas à tributação de herança, mas dão o tom do caminho que se está seguindo. A pretexto de uma uniformização nacional (de uma tributação estadual, diga-se de passagem) e de uma alegada modernidade espelhada em experiências internacionais, adota-se elementos pontuais que, na prática, tendem a aumentar o preço tributário da herança sem as contrapartidas sistêmicas que se percebe em outros países, notadamente uma menor agressividade na tributação sobre o consumo.

Assim como nem tudo que brilha é ouro, nem tudo que é novo é melhor.

Mini Curriculum

sócio do escritório Rossi, Maffini, Milman & Grando Advogados, mestre em Direito Tributário pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), master in law (LLM) em Direito Corporativo pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC), especialista em Gestão Tributária e Planejamento Tributário Estratégico pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e graduando em Ciências Contábeis pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Associado do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e do Instituto de Estudos Tributários (IET).

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