O aumento dos combustíveis está em jogo no STF
Por Ricardo Lodi Ribeiro
21/10/2025 12:00 am
No Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal está em julgamento o Tema nº 1.258, que pode provocar um substancial aumento no preço dos combustíveis e, consequentemente, da inflação. O processo discute a manutenção dos créditos de ICMS relativos às saídas internas que antecedem às operações interestaduais com combustíveis derivados de petróleo. Essa prática parte do conceito de intributalidade, que por sua vez decorre de uma decisão normativa, e é constitucional.
Entre os votos já proferidos, há divergência acerca da interpretação de duas normas constitucionais sobre o ICMS: uma que estabelece a tributação no Estado de destino, a partir da intributabilidade das operações interestaduais, e outra que manda anular os créditos anteriores às operações em que haja isenção e não-incidência.
O relator, ministro Dias Toffoli, reconheceu a existência do direito à manutenção de crédito a partir da ideia de que a intributabilidade constitucional das operações interestaduais com combustíveis constitui uma verdadeira imunidade, que não foi atingida pela exceção que a aludida norma anuladora de créditos estabeleceu ao princípio da não-cumulatividade.
Já o ministro Alexandre de Moraes divergiu, entendendo que a intributabilidade nas operações interestaduais com combustíveis não se caracteriza como imunidade, mas como não-incidência constitucional, o que a insere no âmbito da norma que determinou a anulação dos créditos relativos a operações anteriores às submetidas à isenção ou não-incidência. Para ele, a tributação no destino não é absoluta, pois parte da arrecadação permanece com os Estados de origem.
Por sua vez, o ministro Flavio Dino acompanhou a divergência, mas sem proferir voto específico sobre a matéria.
Controvérsia
Para resolver a controvérsia, é preciso examinar a distinção entre não-incidência em sentido estrito, isenção e imunidade. Na não incidência em sentido estrito, a não aplicação da lei tributária ao caso concreto é derivada da própria descrição da hipótese de incidência que não o prevê; enquanto na isenção e na imunidade, outra norma jurídica afasta a aplicação da hipótese de incidência. A diferença é que na isenção esta norma é uma lei da mesma hierarquia da norma de incidência, enquanto na imunidade é a Constituição.
Deste modo, estando as operações interestaduais com combustíveis inseridas economicamente dentro do raio de incidência do ICMS, a intributabilidade decorre de uma decisão normativa, que, no caso, é constitucional, o que a caracteriza como imunidade.
Vale lembrar que em nosso regime, se o contribuinte não tiver direito sobre o crédito relativo às operações anteriores, sejam elas tributadas ou não, todo o imposto recolhido nas etapas que antecedem à operação isenta ou imune voltará a ser exigido. Isso ocorre porque a alíquota será aplicada sobre a integralidade da base de cálculo da operação praticada pelo contribuinte, sem qualquer desconto relativo a créditos, gerando efeitos cumulativos. A consequência disso é o aumento do preço final do produto. Esse é o risco que se corre ao prevalecer a posição divergente do ministro Alexandre de Moraes.
Além do risco inflacionário, outro efeito danoso é subverter a decisão constitucional de destinar a integralidade do imposto ao Estado de destino. Isso porque, com o estorno do crédito relativo às operações anteriores à interestadual imune, o ICMS que foi pago nessas operações anteriores ficará no Estado de origem, subvertendo a partilha constitucional de receitas prevista para operações interestaduais com combustíveis.
Ao mesmo tempo, desde 2003, o STF reconhece que a imunidade em questão se destina a viabilizar que a tributação das operações com petróleo, combustíveis dele derivados e energia elétrica ocorra no exclusivamente Estado de destino, e não no Estado de origem. Este, por sua vez, já é compensado por meio do recebimento de royalties e participações especiais, ficando, portanto, a totalidade do ICMS no destino, o que não acontecerá se prevalecer o voto divergente.
Por todas essas razões, é de se esperar que o STF reconheça que a imunidade das operações interestaduais com combustíveis não acarreta a anulação de créditos às operações anteriores, com o que se preservará a repartição constitucional de receitas tributárias e a não-cumulatividade, evitando os efeitos inflacionários de um substancial aumento do preço dos combustíveis.
Mini Curriculum
é advogado, ex-reitor e professor associado de Direito Financeiro da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
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