O artigo 166 do CTN e os depósitos judiciais do IBS e da CBS

Por Fernando Facury Scaff

18/08/2025 12:00 am

Dentre os vários temas nublados na parte procedimental da reforma tributária estão o da restituição dos tributos, hoje regulado pelo artigo 166 do CTN (Código Tributário Nacional), e o do direito ao crédito dos depósitos judiciais. Os dois temas se intercalam em algumas situações, foco desta coluna.

Iniciemos pela realidade: em tempos de ampla aceitação de seguro-garantia judicial para as lides, por qual motivo as empresas ainda fazem depósitos judiciais dos valores em discussão? Uma das razões é afastar o artigo 166 do CTN, que, para a restituição dos tributos indiretos, obriga a comprovação de sua não-repercussão econômica, ou seja, que o tributo em discussão não tenha sido transferido ao adquirente/consumidor pela via do preço cobrado. Já escrevi sobre o artigo em outra ocasião (aqui) demonstrando sua inaplicabilidade, o que me desobriga a explicar novamente as razões pelas quais o identifico como inconstitucional.

Considerando que o artigo 166, CTN, permanecerá vigente, como ficará essa situação com a introdução do IBS e da CBS no sistema tributário?

Com a adoção do split payment, que é o núcleo do sistema a ser adotado, o problema se agravará. Para compreender o que é o split payment e sua importância, recomendo a leitura de dois textos, dentre outros: aqui e aqui).

Considerando que só o efetivo pagamento gerará crédito pela via do split payment, como operacionalizar a questão dos depósitos judiciais, que as empresas continuarão a fazer visando afastar o artigo 166, CTN? Esses depósitos gerarão créditos na rotina das empresas? O dinheiro sairá dos cofres privados e será carreado para os depósitos judiciais, mas será considerado como crédito a ser utilizado naquelas operações, já que não adentrarão aos cofres públicos pela via do split? Isso revela o problema: as empresas terão o desembolso, mas não haverá o crédito correspondente, pois o tributo não será pago, mas depositado.

Crédito
A solução, que me parece estar sendo discutida, é de as empresas estabelecerem em sua contabilidade que os valores depositados judicialmente geram crédito, a despeito de não estarem submetidos ao split payment. Quando o processo for decidido após décadas, o montante de crédito poderá ser revertido a favor ou contra a empresa. Esta alternativa não é a ideal, pois poderá acarretar pendências contábeis, com impactos fiscais relevantes, inclusive na apuração de seus resultados ao longo de muitos anos, com impactos na distribuição de dividendos. Além de ser tornar operacionalmente complexa, pois fora dos padrões rotineiros do novo sistema.

Parece-me que a melhor solução será a de simplesmente revogar o artigo 166, CTN, considerando sua inaplicabilidade, pois, se o Fisco recebeu mais do que era devido, houve violação do Princípio da Legalidade (Reserva Legal Tributária), que determina exatamente o quanto deveria ser pago aos cofres públicos. É irrelevante saber se o tributo foi trasladado economicamente para o adquirente/consumidor, uma vez que a legalidade delimita o valor que o Estado pode cobrar, motivo pelo qual é inconstitucional o artigo 166, CTN. Essa é a solução ideal, afastando um problema que as empresas enfrentam em seu quotidiano.

Os benefícios serão enormes com a revogação do artigo 166, CTN, pois: (1) afasta-se a necessidade de as empresas realizarem depósitos judiciais para cumprir o que é inadequado, pois inconstitucional, (2) as empresas realizarão o split payment sem o temor que não terem restituição sob o argumento da repercussão econômica, (3) mantém íntegro o sistema adotado pela reforma tributária, ancorado no split, (4) isso aliviará o Poder Judiciário da gestão desses recursos, (5) e afasta-se a discussão da correção monetária desses valores depositados, tema que recentemente retornou à pauta de debates.

A revogação do artigo 166, CTN, está em tudo coerente com o que se prega, considerando estar sendo a reforma tributária uma verdadeira revolução rributária na área do consumo.

P.S. : Registro com pesar o falecimento do professor Paulo de Barros Carvalho ocorrido semana passada. Tributarista de muitas qualidades, deixa uma legião de seguidores. Perdem as letras jurídicas nacionais um grande doutrinador. Meus pêsames a todos os enlutados.

Mini Curriculum

é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Bentes, Lobato & Scaff – Advogados.

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