Imposto Seletivo na reforma tributária: desenho, alcance e desafios

Por Laura Vidal Regueiro, Maria Beatriz Gomes de Melo Gardelli

23/09/2025 12:00 am

O Imposto Seletivo (IS) foi criado para desestimular o consumo/produção de bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente e, por esse motivo, ficou popularmente conhecido como o “imposto do pecado”. Ele conviverá com o novo IVA dual (CBS e IBS) e sua cobrança começa já em 2027.

A Lei Complementar 214/2025, que regulamenta a reforma, dedicou um livro inteiro ao IS, remetendo a lista de incidência e as alíquotas à lei ordinária, inclusive com possibilidade de combinar alíquotas calculadas sobre o valor da operação (percentual) e alíquotas fixas por unidade de produto (específicas) para certos produtos.

No plano conceitual, o IS tem função extrafiscal: calibrar preços relativos de itens com “externalidades negativas”. Entretanto, tributos com esse objetivo podem causar efeitos colaterais negativos, como por exemplo o incentivo ao mercado informal/contrabando, risco de calibragem “confiscatória” e governança sujeita a ciclos políticos.

A incidência recairá sobre bens e serviços listados em lei ordinária (remissão ao Anexo XVII da LC 214/2025), com destaque para veículos, embarcações e aeronaves (com critérios ambientais/eficiência), produtos fumígenos, bebidas alcoólicas, bebidas açucaradas, loterias, fantasy sport e bens minerais na extração (com teto máximo de 0,25% para minerais).

Entenda o IS
Com objetivo de simplificar e desmistificar esse novo imposto, será feita uma análise detalhada dos seus principais pontos.

– Fatos geradores: produção, extração, comercialização, arrematação, consumo do bem pelo fabricante e importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente;
– Momento da incidência: o imposto incidirá uma única vez sobre o bem ou serviço. O momento poderá variar conforme a operação.
– Não incidência: energia elétrica e telecomunicações; exportações, inclusive com regras específicas para empresa comercial exportadora.
– Base de cálculo: valor do bem ou serviço, devendo ser observada as regras próprias de cada operação.
– Integração com IBS/CBS: o IBS e a CBS poderão incidir sobre a mesma operação que o IS, inclusive sobre bases que podem englobar tributos cobrados na operação. Na importação de bens, a base do IBS/CBS inclui expressamente o Imposto de Importação e o IS.

Cumpre informar que o Imposto Seletivo incide uma única vez, considerando-se ocorrido o fato gerador no primeiro fornecimento do bem a qualquer título (incluídos os negócios jurídicos do §2º do artigo 4º da LC 214), na arrematação em leilão público, na transferência não onerosa de bem produzido, na incorporação do bem ao ativo imobilizado pelo fabricante, na extração de bem mineral, no consumo do bem pelo próprio fabricante e, no caso de serviços, no fornecimento ou no pagamento, o que ocorrer primeiro.

Na importação, distinguem-se o momento de ocorrência do fato gerador e o do pagamento: quanto aos bens materiais, o fato gerador ocorre na liberação para despacho para consumo, na liberação em admissão temporária para utilização econômica ou no lançamento do crédito tributário nas hipóteses especiais (bagagem, extravio verificado pela aduana e bens sem DI), ao passo que o recolhimento do IS deve ser efetuado no registro da DI, ressalvadas as suspensões e peculiaridades de regimes especiais, lojas francas e admissão temporária.

Trata-se de tributo monofásico, que não gera créditos e cuja base de cálculo não inclui o próprio imposto; para serviços importados, aplica-se a mesma lógica do fornecimento ou pagamento, prevalecendo o que ocorrer primeiro.

Alíquotas
Como mencionado anteriormente, uma das principais características do Imposto Seletivo será a possibilidade de adoção conjunta das alíquotas ad valorem e ad rem (específicas) em seu recolhimento. Diferentemente da sistemática atual de outros tributos, o IS permitirá a aplicação concomitante desses dois modelos, conforme será regulamentado por lei ordinária editada pelo governo federal.

A alíquota ad valorem incide sobre o valor do bem ou serviço, tomando como base, por exemplo, o preço da operação. Esse modelo, entretanto, não guarda relação direta com a externalidade negativa causada pelo produto. Por essa razão, pode acabar estimulando a produção de mercadorias de menor qualidade, já que a tributação ocorre pela categoria do bem, e não pela sua composição.

Já a alíquota ad rem, que será utilizada em conjunto com a ad valorem em determinadas situações, é definida de acordo com a quantidade do produto. Por ter essa característica, mostra-se mais adequada para atribuir preço às externalidades negativas, sendo ainda passível de atualização anual.

No caso das bebidas alcoólicas, por exemplo, as alíquotas específicas terão caráter progressivo conforme o teor alcoólico e variarão de acordo com a categoria do produto.

Além disso, a legislação complementar prevê alíquotas diferenciadas e progressivas para os pequenos produtores de bebidas alcoólicas, moduladas conforme o volume de produção e a categoria da bebida fabricada. Contudo, a norma não apresenta definição clara do que deve ser entendido como “pequenos produtores”, o que poderá gerar incertezas na aplicação prática do dispositivo.

Outros aspectos
Como a base do IBS/CBS pode englobar tributos cobrados na operação, o IS impacta o preço final indiretamente via IVA, embora não componha sua própria base. Mapear a cadeia e a precificação por Unidade de Manutenção de Estoque (SKU) se torna essencial nesse momento.

Além disso, deverá ser dada atenção maior à NCM dos produtos de fumo e bebidas e à futura lei ordinária (Anexo XVII), uma vez que divergências de classificação podem alterar regime e alíquota.

Nas operações com fim específico de exportação, a saída do industrial à empresa comercial exportadora é não tributada pelo IS, cabendo a esta a responsabilidade pelo recolhimento caso haja descumprimento dos requisitos legais.

O rol de produtos sujeitos ao Imposto Seletivo está previsto no Anexo XVII, da Lei Complementar nº 214/2025. Um dos principais debates que se instaurou foi acerca da interpretação desse rol, seria ele taxativo ou exemplificativo? O rol taxativo implica na hipótese em que apenas os produtos expressamente listados estariam sujeitos ao imposto, enquanto que o exemplificativo permite a inclusão de produtos similares, ainda que não mencionados.

O questionamento ganha relevância no caso de bebidas açucaradas, cuja tributação pelo IS encontra respaldo no entendimento da Organização Mundial de Saúde (OMS), que associa o elevado teor de açúcar a efeitos nocivos à saúde. Alguns produtos que efetivamente possuem adição de açúcar, como chás, energéticos e sucos adoçados, não estão classificados na NCM indicada pelo Anexo XVII.

Entretanto, bebidas sem adição de açúcar, como as águas aromatizadas foram contempladas na classificação prevista no anexo, ainda que não tenham adição do agente nocivo. Essa inconsistência tende a intensificar os questionamentos quanto à coerência e à efetividade da tributação seletiva.

Conclusão
O Imposto Seletivo inaugura um novo capítulo na tributação nacional, pois acarretará efeitos significativos não apenas no âmbito arrecadatório, mas principalmente no regulatório, ao buscar induzir a redução de atividades que geram externalidades negativas para a saúde e para o meio ambiente.

A instituição desse novo tributo trará não apenas um aumento da arrecadação, mas também inúmeros questionamentos quanto à sua efetividade e aplicabilidade, em razão das lacunas existentes em sua regulamentação, o que tende a gerar maior insegurança jurídica antes mesmo do início do período de transição entre os regimes tributários.

Mini Curriculum

Laura Vidal Regueiro
é advogada do Consultivo Tributário Indiretos do escritório Dessimoni e Blanco Advogados, graduada pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) e pós-graduada em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Maria Beatriz Gomes de Melo Gardelli
é advogada do Consultivo Tributário Indiretos do escritório Dessimoni e Blanco Advogados, graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, pós-graduanda em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

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