IBS e CBS não compõem a base de ICMS, ISS e IPI

Por Paulo Duarte

31/10/2025 12:00 am

Em evento recente em Brasília, o secretário extraordinário da Reforma Tributária, Benard Appy, fazendo coro com auditores das fazendas estaduais e municipais, deu declaração de que IBS e CBS deveriam compor a base de cálculo de ICMS, ISS (e IPI), o que inflaria os valores desses tributos. Essa frase surpreende, pois foi exatamente a Secretaria Extraordinária que publicou em sua página “Reforma Tributária”, de forma muito acertada, que o IBS e a CBS, por serem tributos não incluídos no valor da operação, não entrariam na base de ICMS, ISS ou IPI. Também a calculadora disponibilizada pelo Ministério da Fazenda fazia, até então, o cálculo sem a inclusão desses tributos.

Os governos não apresentaram qualquer cálculo sobre este assunto, mas basta fazer uma conta simples para saber que a alíquota uniforme de CBS, seja de 9.6%, 10% ou 12% (considerando as reduções previstas), gerará aumento de base dos outros tributos.

A não inclusão é obvia: IBS e CBS, como Impostos sobre Valor Agregado (IVAs), não são tributos que oneram a operação, mas o consumo. Esses tributos não entram no conceito de valor da operação, pois não o compõem, apenas transitam nas contas das empresas para instrumentalizar a arrecadação. A percepção jurídico-econômica é a partir da ótica do consumidor, não daquela do fornecedor, por serem tributos sobre a renda gasta pelo consumidor para a aquisição do bem ou do serviço.

Embora a cobrança seja feita ao longo da cadeia econômica, o IVA é construído juridicamente para que o foco e o efeito econômico recaiam sobre a renda consumida especificamente com aquele fornecimento, e que os recursos pertençam, enquanto remuneração, ao fornecedor. Podemos até discutir questões envolvendo elasticidade de preço e se, economicamente, há porções sendo arcadas pelo fornecedor também. Contudo, juridicamente, o modelo é construído para que a carga translade até o consumidor, que é o CPF, nunca o CNPJ. Se isso afeta a margem da empresa, pois as condições do mercado assim exigem, é uma discussão que não impacta o resultado jurídico.

Nesse sentido, a base de cálculo do tributo é a renda consumida de forma estrita, constituindo o valor da operação. Por isso que descontos de qualquer natureza e bonificações não podem, de forma alguma, compor a base de IBS e CBS, pois o adquirente não gastou sua renda relativa a essa parcela: é um “não valor”, não há qualquer contraprestação. Na Europa, por exemplo, onde já existe IVA há décadas, há ajuste e/ou creditamento de IVA, se o desconto ou bonificação vier posteriormente ao faturamento do bem ou serviço.

Para entender que IBS e CBS são valores dos sujeitos ativos tributários, não dos fornecedores, cobrados e calculados à parte do valor da operação, não precisamos nem nos valer do Tema 69 do STF, que decidiu que ICMS não compõe a base de PIS e Cofins.

Com a introdução do split payment, fica ainda mais claro. A possibilidade de split, a partir da ótica governamental, é exatamente a de que IBS e CBS são receitas dos Fiscos. Por consequência, a divisão dos valores já no momento da liquidação financeira, sem qualquer fluxo ao fornecedor, deixa evidente que IBS e CBS não compõem o valor da operação para fins dos tributos correntes. Se o compusessem, portanto fossem valores do fornecedor, os Fiscos não poderiam sequer recolher os tributos por meio de split, pois estaríamos diante de um enriquecimento ilícito do Estado, de um confisco.

A não ser que esteja de forma expressa na lei, o que não é o caso, apenas despesas/custos que compõem o valor da operação, suportados jurídica e economicamente pelo fornecedor, é que poderiam integrar a base desses tributos. Como exemplo, no caso do ICMS, o frete entra na base desse imposto se o transporte for efetuado pelo próprio remetente (CIF), mesmo que cobrado em separado. Se o transporte, podendo ser organizado pelo fornecedor ou não, for do adquirente, o ICMS não incide sobre sua parcela na operação de venda (artigo 13, I, cc. parágrafo 1º, da Lei Complementar nº 87/1996).

Na legislação dos tributos correntes, o “valor da operação” é usado como base de cálculo para o IPI (artigo 14, II cc parágrafo 1º, Lei nº 4502/1964) e para o ICMS (artigo 13, I, cc. parágrafo 1º, da Lei Complementar nº 87/1996). No caso do ISS, é utilizado o preço do serviço (artigo 7º da Lei Complementar nº 116/2003), mas que, por ser a expressão monetária do valor do respectivo serviço prestado, se confunde com valor da operação. Em relação a IBS e CBS, o artigo 12, parágrafo 1º, V, da Lei Complementar nº 214/2025 determina o que é valor da operação, extraindo de sua base tributos, a não ser aqueles que constituem custo/despesa (e.g. Imposto Seletivo).

O termo “valor da operação” não é, portanto, um termo vago e independente. Ele precisa ser interpretado de forma sistemática: um fluxo de valores característicos de remuneração, não apenas um fluir que não pertence ao fornecedor. IBS e CBS não são remuneração do fornecedor.

Não faz sentido jurídico que o termo “valor da operação” seja usado meramente à conveniência interpretativa fiscal, como subterfugio para aumentar o valor dos tributos correntes e forçar um possível aumento de alíquota de IBS a partir de 2029. Mesmo que o sistema atual tenha inúmeras anomalias, como o ICMS sendo cobrado por dentro e o IPI por fora, fato é que o IVA é também por fora e até o final.

O IVA, em todos os países do mundo, não compõe o conceito de receita de vendas, pois simplesmente não o é, como prova qualquer demonstração financeira de empresas europeias. Mesmo os tributos de hoje tendo bases de cálculo incompreensivelmente largas, em especial a do ICMS, o IBS e a CBS não a compõem. O mundo inteiro trabalha com receita líquida, enquanto o Brasil trabalha, até então, com receita bruta “alargada”. Isso, necessariamente, muda com o novo sistema, algo que os Fiscos ainda não perceberam.

Ainda há tempo para evitarmos mais contencioso.

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é doutor em Direito Econômico pela Universidade de Ciências Econômicas de Viena, mestre em Direito pela Universidade de Munique e sócio do Escritório Stocche Forbess informações

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