Exceções mantêm complicação do sistema tributário
Por Edison Fernandes
21/10/2025 12:00 am
Desde logo, permitam-me que apresente duas advertências sobre este artigo: em primeiro lugar, não tenho a intenção de fazer juízo de valor sobre o tema das exceções de tratamento na reforma tributária, apenas constatar um fato; em segundo lugar, não se trata de um tema novo, mas ganha nova “realidade” com a regulamentação inicial da reforma tributária.
A ideia inicial, tal como propagada pelos condutores do projeto da reforma tributária, seria prever tratamento tributário uniforme para todo e qualquer produto, serviço e direito. Durante a tramitação do texto constitucional, que resultou na Emenda Constitucional n° 132, no entanto, a opção política foi de permitir alguns tratamentos excepcionais.
Conforme antecipado por esses mesmos condutores do projeto da reforma tributária, as exceções de tratamento tributária trariam como efeitos a manutenção da complicação do sistema tributário e, dessa forma, a possibilidade de incerteza, o que poderia resultar em contencioso, e até de injustiça. O que está se verificando na regulamentação trazida pela Lei Complementar n° 214 e de maneira direta nas notas técnicas emitidas até agora é a concretização da manutenção da complicação do sistema tributário sobre o consumo.
Um exemplo será o suficiente para demonstrar esse fato: o tratamento tributário de alguns produtos, cuja excepcionalidade está relacionada à sua aplicação, ao destino que o adquirente lhe dá.
Inicialmente, um produto é identificado por seu código na Nomenclatura Comum do Mercosul, conhecido pela sigla NCM. Acontece que para um mesmo código NCM pode haver duas ou mais descrições do produto; em outras palavras: para um mesmo NCM, dois produtos distintos, identificados por sua descrição, não por seu código. Além disso, um mesmo produto pode ainda ter aplicações ou destinações diferentes.
Resumindo: um mesmo NCM pode se referir a mais de um produto e o tratamento tributário excepcional está condicionado à sua utilização (aplicação ou destinação). A complicação reside em como identificar de maneira objetiva o produto que goza deste tratamento tributário excepcional, vale dizer, benéfico em relação à regra geral.
Esse efeito ficou evidente nas notas técnicas referentes à emissão da nota fiscal. A identificação pelo NCM – critério objetivo para a parametrização do sistema de informação da empresa (ERP) – não será suficiente para atribuir o tratamento tributário próprio.
Já a descrição do produto, somado ao NCM, poderá causar confusão e erro, pois, no controle eletrônico, o texto da descrição deverá ser exatamente o mesmo da descrição prevista na regulamentação.
No entanto, a complicação não termina nesta segunda etapa de identificação: é preciso indicar a aplicação, a utilidade do produto no momento da venda; essa informação exige do fornecedor o conhecimento do negócio do cliente ou, ao menos, a confiança na declaração do cliente sobre o destino do produto adquirido.
A complicação na identificação prática e concreta do produto sujeito ao tratamento tributário excepcional, que deverá (ou deveria) ser feita na emissão da nota fiscal correspondente, é causa de erro por parte do contribuinte, de contestação por parte da autoridade fiscal e, por decorrência, de objeto de contencioso entre os dois.
Eventual simplificação desses casos deve ser preocupação dos responsáveis pela regulação infralegal e implementação da reforma tributária. Talvez, a possibilidade de identificação objetiva seja o antídoto para a potencial complicação das exceções no tratamento tributário.
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Doutor em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).). Professor da Universidade Mackenzie. Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas (APLJ). Advogado em São Paulo.
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