Da não incidência de ISS em contratos de self-storage

Por Rute Endo

29/09/2025 12:00 am

A atividade de self-storage, embora não possua um Cnae específico, vem se desenvolvendo rapidamente nos centros urbanos. Com a tendência de apartamentos cada vez menores, cresce a necessidade de espaços adequados para a guarda de bens móveis. Essa modalidade de negócio caracteriza-se essencialmente como locação de espaços, não configurando prestação de serviços.

O artigo 110 do Código Tributário Nacional proíbe que a legislação tributária extrapole os limites conceituais e formais dos institutos de Direito Privado. Assim, atividades de self-storage, que se enquadram na natureza de locação de espaços, não se subsumem às normas de incidência do Imposto sobre Serviços (ISS).

Responsabilidade pela gestão do espaço locado

A principal diferença entre contrato de self-storage e contrato de armazém/depósito, reside na responsabilidade pela gestão do espaço onde estão armazenados os bens do contratante.

No contrato de armazém/depósito, a responsabilidade pela limpeza e conservação do espaço onde estão os bens guardados, bem como a conservação dos próprios bens deixados para armazenagem e guarda, fornecimento de equipamentos e equipe para acomodação e retirada dos bens, tudo fica a cargo da empresa que presta o serviço de armazenagem.

Já no contrato de self-storage, a parte locatária do espaço detém a responsabilidade pela limpeza, conservação, acomodação e retirada dos seus bens, autonomia para usar ou não a totalidade do espaço, ou até mesmo de mantê-lo vazio durante determinado período, ou seja, a parte de aluga o box e contrato de self-storage, realiza a autogestão do espaço, de modo que a efetivação do contrato se dá com a simples entrega das chaves do box locado.

O contrato de self-storage privilegia a autonomia da parte locatária do espaço, a qual recebe as chaves do espaço locado, normalmente representado por box de tamanho reduzido, o qual passará a sua plena responsabilidade, durante toda a vigência do contrato de locação.

Se os bens serão embalados ou não, se serão empilhados, se permanecerão divididos em caixas, a forma de sua organização, o esforço em guardá-los e retirá-los, assim como a decisão por por trancar e guardar as chaves do box locado, tudo recai na esfera de responsabilidade da parte locatária, e não da contratante, a qual apenas loca o box locado em caráter de self-storage.

No contrato de self-storage não há qualquer manipulação dos bens guardados no espaço locado, pela parte locatária, diferente do que acontece na prestação de serviço de armazém/guarda, em que há integral responsabilização civil pela destinação e correta guarda dos bens pela contratada.

Princípio da capacidade contributiva
Importante notar que os contratos de locação de espaços, em caráter de self-storage são, em sua maioria, contratados por pessoas físicas, que utilizam os espaços locados de forma autônoma, como se fossem extensões de suas residências.

Já nos contratos de fornecimento de serviço de armazenagem e guarda de bens, a maioria dos contratantes são empresas, que necessitam de um local apropriado para guarda de seus estoques de insumos e produtos, necessários para suas atividades, sendo que neste tipo de contrato, a responsabilidade civil do armazém é fundamental para trazer maiores garantias e mitigar prejuízos ao contratante.

Entende-se que no contrato de prestação de serviço de armazenamento e guarda de bens aquele que presta o serviço tem expertise e conhecimento de técnicas necessárias para conservação adequada dos produtos deixados sob sua guarda e responsabilidade, normalmente utilizados no processo logístico de empresas, funcionando, muitas vezes, como centro de distribuição.

O mesmo não ocorre nos contratos de self-storage, e, portanto, o valor cobrado pela locação do espaço é inferior ao valor cobrado pelo serviço de armazenagem e guarda, como acima descrito.

Assim, é evidente que a incidência de ISS sobre ambos os tipos contratuais fere o princípio da capacidade contributiva, uma vez que a base de cálculo referente ao serviço, no caso de self-storage, inexiste.

Afastamento da incidência de ISS em contratos de self-storage
A previsão do subitem 11.04 da lista anexa à Lei 116/03, que trata como serviço a atividade de armazenamento, depósito, carga, descarga, arrumação e guarda de bens de qualquer espécie não se aplica ao contrato de self-storage, pois neste não há depósito, carga, descarga, arrumação e guarda de bens, mas tão somente a locação do espaço, com total responsabilidade do locatário pela guarda e conservação do espaço e dos bens nele alocados.

Assim, por força do princípio da legalidade estrita, não havendo o serviço, mas sim a simples locação do espaço, de modo que deve prevalecer a aplicação da norma prevista na Súmula Vinculante 31 do STF, a qual afasta a incidência de ISS sobre contratos de locação, justamente por não serem considerados fornecimento de serviços.

Conclusão
A modalidade de contratos de locação de espaços, self-storage, é complementar ao crescimento demográfico e expansão do setor imobiliário, principalmente em grandes centros urbanos, nos quais o espaço de residências tende a se tornar cada vez menor, de modo a sanar o déficit habitacional brutal que ainda existe no Brasil.

Assim, novas modalidades de apartamentos tipo estúdio, não possuem espaço suficiente para guarda de objetos de seus moradores, contexto no qual as locações de espaço na modalidade self-storage garantem esse espaço faltante, com total autonomia, como se fosse uma extensão de suas casas.

Saudável, portanto, que tais locações sejam viabilizadas por valores mais acessíveis à população, o que é possível diante da ausência de prestação de serviço agregado ao preço, diante da autogestão dos espaços, realizada pelos locatários.

Evidente, portanto, que a incidência de ISS sobre contratos de self-storage é indevida, tanto por não haver fato gerador do tributo, quanto pela ausência de capacidade contributiva, o que nos leva a concluir que, a cobrança de ISS nestes casos acarretaria enriquecimento ilícito do ente tributante.

Mini Curriculum

é advogada, sócia do escritório Ivan Endo Advocacia, especializada em Direito Imobiliário e Tributário, graduada pelo Mackenzie, com LLM em Direito Empresarial pelo CEU Law School e especialização pelo Ibet.

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