Da inconstitucionalidade do rito sumário previsto no PLP 108/2024

João Rafael Arnoni Lanzoni

O Projeto de Lei Complementar nº 108/2024 (PLP 108/2024), apresentado com vistas à disciplinar a atuação do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (CG-IBS), dispõe também sobre o processo administrativo tributário relativo ao indigitado imposto. Antes da apresentação do PLP 108/2024, as várias possibilidades de estruturação do contencioso tributário do IBS, tal como previsto pelo texto constitucional, foi objeto de análises especulativas expressas em artigos veiculados nesta coluna por diversos autores (Rodrigo Dalla Pria [1], Ermelinda Marques Muller e Ramon Leandro de Freias Arnoni [2], Galderise Fernandes Teles [3] e Danilo de Castro Monteiro [4]), nos quais foram levantados excelentes pontos para debate e adequação do projeto de lei complementar, tal como apresentado.

Nessa mesma linha, o presente artigo busca discutir a (in)constitucionalidade parcial do artigo 94, do PLP 108/2024, e a consequente necessidade de adequação do dispositivo aos parâmetros constitucionais que informam do processo administrativo, em especial no que tange à mitigação do duplo grau de jurisdição em razão do valor de alçada.

Como é sabido, a Constituição, nos incisos LIV e LV, do seu artigo 5º [5], dispõe que aos litigantes, em processo administrativo ou judicial, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, preceitos estes que foram reafirmados nos incisos III e IV, do artigo 67 do PLP 108/2024 [6]. A ideia de ampla defesa, por sua vez, traz consigo a noção de duplo grau de jurisdição, haja vista a necessidade de controle das decisões jurisdicionais, incluídas aquelas exaradas em processos administrativos. Trata-se, na lição de Rodrigo Dalla Pria do “direito do jurisdicionado de, em face de erro ou de imprecisão do pronunciamento jurisdicional, reprovocar a atividade jurisdicional a fim de obter juízo de revisão da decisão exarada” [7].

Com efeito, em que pese o Supremo Tribunal Federal entenda que não há, per si, garantia ao duplo grau de jurisdição no processo administrativo [8], a Suprema Corte estabeleceu orientação que garante a todos os jurisdicionados o direito de acesso à segunda instância quando ela estiver prevista na legislação [9], sendo vedada a criação de critérios de mitigação do acesso à instância de revisão.

Evidente, portanto, que o processo administrativo do IBS deve oferecer ao jurisdicionado a possibilidade de revisão do mérito de toda e qualquer decisão proferida por instância ordinária superior, com a finalidade de garantir que os fundamentos das decisões proferidas em primeiro grau possam ser objeto de controle, como, aliás, consta da previsão constante do artigo 95, do PLP 108/2024.

Mitigação do direito ao duplo grau de jurisdição
Ocorre, no entanto, que o artigo 94 do PLP 108/2024, autoriza o CG-IBS a criar um rito sumário para julgamento de processos administrativo nos casos em que as autuações não atinjam o valor de alçada ou em casos de menor complexidade, segundo critérios a serem definidos por ato infralegal do CG-IBS. Confira-se:

“Art. 94. A tramitação e o julgamento do processo administrativo tributário poderão ser diferenciados mediante adoção de rito sumário, em razão do crédito tributário inferior ao valor de alçada, fixado em caráter uniforme em âmbito nacional, ou em razão da menor complexidade da matéria, nos termos definidos em ato do CG-IBS, hipótese em que a decisão de primeira instância de julgamento será considerada definitiva, ressalvado o direito de interposição de Pedido de Retificação.” (grifos do colunista)

Como se observa, o referido dispositivo autoriza ao CG-IBS a afastar o duplo grau de jurisdição, previamente previsto na sua estrutura processual, para casos que tenham baixa complexidade ou que não atinjam o valor de alçada que será proposto, o que afronta todo o exposto anteriormente.

O critério de mitigação do direito ao duplo grau de jurisdição administrativa fundado em parâmetros temáticos, conquanto aparentemente isonômico, pois equipara os contribuintes que forem objeto de autuação com base na mesma questão de mérito, permite à CG-IBS estabelecer uma hierarquia entre matérias que nem de longe justifica a restrição ao acesso às instâncias superiores de controle das decisões de primeiro grau administrativo, o que é altamente questionável. Mais grave ainda é a distinção – nada isonômica – de tratamento processual, no que tange ao exercício do direito de recorrer, entre jurisdicionados que tenham sido objeto de autuações materialmente equivalentes, imposta sob o pretexto de que o valor do débito exigido não justificaria o acesso às instâncias recursais.

Discriminem infundado
A adoção de tal mecanismo vai de encontro à orientação firmada no voto do ministro Joaquim Barbosa, exarada por ocasião do julgamento da mencionada ADI 1.976/DF, no qual se estabeleceu que, apesar do entendimento existente de que o duplo grau de jurisdição não seja uma garantia constitucional, é inconstitucional criar mecanismos que vedem o acesso ao grau recursal quando ele estiver expressamente previsto na legislação,.

Dessa forma, a diferença de tratamentos fixada em razão do valor do débito exigido cria uma discriminem infundado, que a atribui regime processual distintos a contribuintes que estão em mesma situação, beneficiando aqueles que, potencialmente, tem capacidade de gerar maior dano ao erário.

A possibilidade de revisão dos fundamentos das decisões de primeira instância é fundamental para garantir a efetiva realização das garantias ao contraditório e à ampla defesa, com vistas ao controle do arbítrio decisório.

Nesse tocante, é de suma importância diferenciar o sistema de rito sumário, proposto no artigo 94 do PLP 108/2024, e o regime de segregação em razão do crédito tributário inferior ao valor de alçada, tal como previsto atualmente no âmbito do processo administrativo federal. Isso porque no sistema vigente ainda que ocorra uma segregação de tratamento de processos em razão do seu valor (o que também é uma quebra da isonomia [10]), o duplo grau de jurisdição é mantido (mesmo que deforma precária), pois a decisão proferida pelo órgão judicante de primeiro grau poderá ser objeto de recurso dirigido às Turmas Recursais, o que não ocorrerá no rito sumário proposto no PLP 108/2024.

Conclusão
O rito sumário do PLP 108/2024, portanto, não traz no seu bojo uma alternativa de recurso à instância revisória, como faz o processo administrativo fiscal federal vigente, pois afasta, pura e simplesmente, a possibilidade de recurso para alguns contribuintes que sejam titulares de débitos de pequeno valor, restringindo injustificadamente o acesso às instâncias revisórias, caracterizando uma vedação desarrazoada e inconstitucional.

Dessa forma, fica evidente que o rito sumário proposto no artigo 94, do PLP 108/2024, padece de inconstitucionalidade, uma vez que veda o duplo grau de jurisdição no processo administrativo para parte dos contribuintes por ele tutelado, expediente este que, ao fim e ao cabo, estimulará judicialização do litígio.

[1] DALLA PRIA, Rodrigo. “Por um Contencioso Administrativo Tributário Unificado e Descentralizado”. CONJUR (https://www.conjur.com.br/2024-mai-19/por-um-contencioso-administrativo-tributario-unificado-e-descentralizado/)

DALLA PRIA, Rodrigo. A Reforma da Tributação do Consumo e o Processo Tributário. Pág.481 -491. Ed. Noeses. São Paulo. 2024. A Reforma do Sistema Tributário Nacional sob a Perspectiva do Constructivismo Lógico-Semântico. Ed. Noeses. São Paulo. 2024.

[2] MULLER, Ermelinda Marques. ARNONI, Ramon Leandro Freitas. “A Reforma Tributária e o Contencioso Administrativo”. CONJUR (https://www.conjur.com.br/2024-mar-17/reforma-tributaria-e-o-contencioso-administrativo/)

[3] TELES. Galderise Fernandes. A Nova Formatação do Contencioso Administrativo Tributário: Breves Comentários ao Artigo 156-B da Constituição Federal. Pág. 493 – 501. A Reforma do Siste,a Tribiutário Nacional sob a Perspectiva do Constructivismo Lógico-Semântico. Ed. Noeses. São Paulo. 2024.

[4] MONEIRO. Danilo de Castro. SPINA. Vanessa Damasceno Rosa. IBS e CBS: o problema de termos Justiças Diferentes a Enfrentar Similares, ou Idênticos, Conflitos. Pág.531-538. A Reforma do Siste,a Tribiutário Nacional sob a Perspectiva do Constructivismo Lógico-Semântico. Ed. Noeses. São Paulo. 2024.

[5] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

[6] Art. 67. No processo administrativo tributário, serão observados os seguintes princípios:

(…)

III – da ampla defesa;

IV – do contraditório;

[7] Dalla Pria, Rodrigo. Direito Processual Tributário (Portuguese Edition) (p. 650). Noeses. Edição do Kindle.

[8] MS 34.472 AgR

[9] ADI 1.976/DF

[10] Esse tipo de mecanismo tem como um de seus mais nefastos efeitos a segregação ilegítima de sujeitos passivos em idêntica situação jurídico-fiscal, fazendo-o a partir de um critério puramente econômico que, ao invés de promover o tratamento isonômico entre os sujeitos passivos tributários, tem o condão de agravar ainda mais a situação de injustiça já existente entre pequenos e grandes “contribuintes” e, em especial, entre sujeitos passivos que cometem pequenos erros e verdadeiros sonegadores contumazes. Trata-se, não há dúvidas, de um expediente discriminatório que viola frontalmente o cânone da isonomia, especialmente se considerarmos o fato de os maiores carecedores de justiça tributária serem os sujeitos passivos com menor capacidade econômica e aqueles que realmente se preocupam com uma gestão tributária de excelência (o que não os exime de erros e autuações).

Pria, Rodrigo Dalla. Direito Processual Tributário (Portuguese Edition) (p. 652). Noeses. Edição do Kindle.

João Rafael Arnoni Lanzoni

é advogado tributarista, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), em Gestão de Tributos pela Fundace–FEA USP/RP e mestrando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet).

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