Crédito presumido na cadeia do agronegócio para IBS/CBS: a Lei Complementar 214/25 (parte 2)
Por Fábio Pallaretti Calcini
15/09/2025 12:00 am
No artigo anterior, inauguramos o tema do crédito presumido para o setor do agronegócio.
Reforçamos naquele texto as balizas constitucionais do instituto, nos termos do artigo 9º, da Emenda Constitucional nº 132/2023, com especial destaque para o fato de que o crédito presumido estabelecido não constitui benefício ou incentivo, muito menos privilégio alcançado pelo setor, sendo em verdade, resultante da determinação constitucional de não cumulatividade plena e a neutralidade.
Cabe, assim, neste novo texto, explorar a regulamentação realizada pela Lei Complementar nº 214/2025.
Crédito presumido e a Lei Complementar nº 214/2025
Como já é de conhecimento, o crédito presumido de CBS/IBS é concedido em razão de o produtor rural (pessoa física ou jurídica) ser considerado não contribuinte, seja em razão da receita bruta anual ser inferior ao montante de R$ 3,6 milhões ou por força do contrato de integração vertical previsto na Lei nº 13.288/2016 [1]. Com isso, como não há neste fornecimento de bens agropecuários em geral a incidência com o respectivo destaque da CBS/IBS, houve a concessão de um crédito tido como presumido.
Em regulamentação deste instituto, preceitua o artigo 168 da Lei Complementar nº 214/25:
“Art. 168. O contribuinte de IBS e de CBS sujeito ao regime regular poderá apropriar créditos presumidos dos referidos tributos relativos às aquisições de bens e serviços de produtor rural ou de produtor rural integrado, não contribuintes, de que trata o art. 164 desta Lei Complementar.
§1º O documento fiscal eletrônico relativo à aquisição deverá discriminar:
I – o valor da operação, que corresponderá ao valor pago ao fornecedor;
II – o valor do crédito presumido; e
III – o valor líquido para efeitos fiscais, que corresponderá à diferença entre os valores discriminados nos incisos I e II deste parágrafo.
§2º Na hipótese de bem ou serviço fornecido por produtor integrado, o valor da operação de que trata o inciso I do § 1º deste artigo será o valor da remuneração do produtor integrado determinado com base no contrato de integração.
§3º O valor do crédito presumido de que trata o inciso II do § 1º deste artigo será o resultado da aplicação dos percentuais de que trata o § 4º deste artigo sobre o valor da operação de que trata o inciso III do § 1º deste artigo.
§4º Os percentuais serão definidos e divulgados anualmente até o mês de setembro, por ato conjunto do Ministro de Estado da Fazenda e do Comitê Gestor do IBS, e entrarão em vigor a partir de primeiro de janeiro do ano subsequente.
§5º A definição dos percentuais de que trata o § 4º:
I – será realizada, nos termos do regulamento, com base nas informações fiscais disponíveis;
II – resultará da proporção entre:
a) montante do IBS e da CBS cobrados em relação ao valor total dos bens e serviços adquiridos pelos produtores rurais não contribuintes; e
b) valor total dos bens e serviços fornecidos pelos produtores rurais não contribuintes a que se refere o inciso III do § 1º deste artigo; e
III – tomará por base a média dos percentuais anuais relativos às operações realizadas nos 5 (cinco) anos-calendário anteriores ao do prazo da divulgação previsto no § 4º.
§6º Os percentuais de que trata o § 4º deste artigo poderão ser diferenciados, observadas as categorias estabelecidas em regulamento, em função do bem ou serviço fornecido pelo produtor rural ou pelo produtor rural integrado.
§7º Para efeito do disposto no § 5º deste artigo, não serão consideradas as aquisições de bens e serviços de que trata o inciso I do caput do art. 57 desta Lei Complementar, nem a aquisição de bens e serviços destinados ao uso e consumo pessoal do produtor rural ou de pessoas a ele relacionadas, nos termos do inciso II do caput do art. 57 desta Lei Complementar.
§8º Os créditos presumidos do IBS e da CBS de que trata o caput deste artigo poderão ser utilizados para dedução, respectivamente, do valor do IBS e da CBS devidos pelo contribuinte, permitido o ressarcimento na forma da Seção X do Capítulo II do Título I deste Livro.
§9º O direito à apropriação e à utilização do crédito presumido de que trata este artigo aplica-se também à sociedade cooperativa em relação ao recebimento de bens e serviços de seus associados não contribuintes do IBS e da CBS na forma do art. 164 desta Lei Complementar e não optantes pelo Simples Nacional, inclusive no caso de opção pelo regime específico de que trata o art. 271 desta Lei Complementar, exceto na hipótese em que o bem seja enviado para beneficiamento na cooperativa e retorne ao associado.
§10. Excepcionalmente, de 2027 a 2031, o período de que trata o inciso III do § 5º poderá ser inferior a 5 (cinco) anos, a depender da disponibilidade de informações.”
Segundo estabelecido em referido texto legal haverá direito ao crédito presumido pelo adquirente, desde que contribuinte regular, na aquisição de bens e serviços fornecidos por produtor rural não contribuinte ou de contrato de integração vertical. Essa seria a hipótese que gera o direito ao crédito.
A sua constatação se dará por meio da emissão de documento fiscal eletrônico, onde constará: (I) – o valor da operação, que corresponderá ao valor pago ao fornecedor;(II) – o valor do crédito presumido; e (III) – o valor líquido para efeitos fiscais, que corresponderá à diferença entre os valores discriminados nos incisos I e II deste parágrafo.
Ainda não há clareza de quem será responsável pela emissão desse documento fiscal, uma vez que o produtor rural não é contribuinte, o que não necessariamente o exoneraria da obrigação acessória. Todavia, sabemos da dificuldade operacional e de estrutura para tal emissão ao levar em consideração todo o território nacional e a realidade brasileira.
Outro aspecto a ser considerado diz respeito ao valor desse crédito presumido, ou seja, como será calculado o montante concedido pelo texto constitucional e regulamentado pela lei a fim de cumprir sua finalidade.
Segundo prescreve o § 3º, do artigo 168, o valor do crédito presumido será o resultado de um percentual sobre o valor da operação. Para o contrato de integração valor da operação será o valor da remuneração do produtor rural integrado estabelecido nos termos do contrato (§ 2º), convém esclarecer que houve, em nossa visão, um equívoco na redação da lei ao mencionar que seria o percentual aplicável nos termos do inciso III do § 1º do artigo 168.
Isso porque, somente é possível definir o valor líquido previsto neste inciso, sabendo o valor do crédito presumido que depende inclusive do percentual aplicável à operação. Salvo se a pretensão do legislador foi primeiro ter um cálculo do percentual sobre a operação, resultando em um valor inicial de presumido, fazendo-se, após isso, a apuração de um valor líquido, aplicando-se sobre ele novamente o percentual, chegando-se ao crédito presumido final. Não nos parece esta última leitura a mais adequada, uma vez que restringiria significativamente o montante deste, além gerar confusão e complexidade na informação que constará da nota fiscal, norteadora do crédito em questão.
Ainda a respeito do montante de crédito presumido, o percentual a ser aplicado sobre o valor da operação será fixado e divulgado anualmente até o mês de setembro de cada ano, por ato conjunto do ministro de Estado da Fazenda e do Comitê Gestor do IBS, aplicando a partir de janeiro do mês subsequente.
Mais do que ser informado por atos regulamentares, o percentual será definido levando em consideração a proporção entre o “montante do IBS e da CBS cobrados em relação ao valor total dos bens e serviços adquiridos pelos produtores rurais não contribuintes” e o valor “total dos bens e serviços fornecidos pelos produtores rurais não contribuintes a que se refere o inciso III do § 1º do artigo 168 (valor líquido = valor da operação – valor do crédito presumido).
Quanto a esse dispositivo, acreditamos que há de ter interpretado no sentido de que se busca apurar o ônus tributário de IBS/CBS nas aquisições do produtor rural não contribuinte e o que destes bens e serviços em geral resultaram no fornecimento de bens e serviços geradores de crédito presumido, descartando eventuais custos e despesas que não se relacionam com a atividade, ou seja, adquiridos como consumidor final ou uso pessoal. Exatamente o que se estabelece no respectivo § 7º, ao enunciar que “não serão consideradas as aquisições de bens e serviços de que trata o inciso I do caput do artigo 57 desta Lei Complementar, nem a aquisição de bens e serviços destinados ao uso e consumo pessoal do produtor rural ou de pessoas a ele relacionadas, nos termos do inciso II do caput do art. 57 desta Lei Complementar”.
Esses percentuais, além disso, conforme § 6º, poderão ser diferenciados em função do bem ou serviço fornecido, o que nos parece adequado uma vez que cada atividade pode ter peculiaridades em seu processo de produção, com maior ou menor carga fiscal, o que há de refletir no crédito presumido, como medida de cumprimento da não cumulatividade e que não se permita a manutenção de resíduos tributários.
Daí porque, será fundamental a total transparência do Ministério da Fazenda e Comitê Gestor na apuração quanto à fixação do percentual do crédito presumido, sob pena de perder sua legitimidade e ser objeto de questionamentos quanto à constitucionalidade e legalidade, uma vez que não há discricionariedade, muito menos ampla liberdade na sua fixação, uma vez que deve cumprir a finalidade estabelecida no texto constitucional e as diretrizes da lei.
Por fim, o crédito presumido poderá ser utilizado para abatimento da CBS/IBS, além de existir autorização para o ressarcimento (§ 8º).
São nossas ponderações iniciais sobre o crédito presumido na cadeia do agronegócio.
[1] Sobre o produtor rural e também integração vertical na reforma: aqui e aqui
Mini Curriculum
Doutor em Direito do Estado pela PUC/SP. Professor da CERS, EPD, FAAP, FGV DIREITO/SP, IBET, PUC/SP (COGEAE), USP (RP), UEL, entre outras. Ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF – MF/DF. Diretor Jurídico Adjunto do CIESP. Membro da Comissão Especial de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB. Membro da Comissão de Contencioso Tributário da OAB/SP. Advogado tributarista com atuação no setor do agronegócio.
Continue lendo
Crédito presumido na cadeia do agronegócio para IBS/CBS (parte 1)
Por Fábio Pallaretti Calcini
Altruísmo e desigualdade: olhar a partir da dedução de incentivo do Imposto de Renda da Pessoa Física
Por Breno Lemos
Desafios do processo administrativo do IBS: soluções do PLP 108/2024
Por Vitor Laurindo Sivini Angelo, Francieli Daiane Krampe
Nova tributação com IVA pode redesenhar o mercado imobiliário
Por Alline Guimarães Marques