Contencioso do IVA-Dual: entre unificação possível e caos institucional
Por Andrea Hitelman
25/08/2025 12:00 am
A Emenda Constitucional nº 132/2023, ao instituir a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), deu o passo mais ousado das últimas décadas rumo à racionalização do sistema tributário sobre o consumo.
Contudo, a promessa de simplicidade contida no plano material da norma corre sério risco de se perder na complexidade de sua regulamentação processual, especialmente no que tange ao contencioso administrativo, cujo desenho proposto pelo Projeto de Lei Complementar (PLP) 108/2024 tem sido alvo de intensos e justificados debates.
O ponto nevrálgico da proposta é a criação de uma estrutura dual para a resolução de litígios de tributos que, por determinação constitucional (artigo 149-B), são “gêmeos”, compartilhando fato gerador, base de cálculo, regimes específicos e regras de não cumulatividade.
De um lado, o contencioso da CBS, tributo federal, permaneceria sob a competência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão de reconhecida maturidade e cuja estrutura paritária é uma garantia histórica para os contribuintes. De outro, o PLP 108/2024 propõe a criação de uma institucionalidade administrativa inteiramente nova para o IBS, o Comitê Gestor (CG-IBS), que não apenas julgará os litígios, mas também editará o regulamento do imposto e uniformizará sua interpretação.
Essa bifurcação processual é a antítese da simplificação. Ela cria a possibilidade real de decisões conflitantes sobre a mesma matéria, forçando o contribuinte a litigar em duas frentes, com regras, prazos e culturas decisórias distintas.
A insegurança jurídica decorrente de tal modelo é iminente e pode sobrecarregar ainda mais o Poder Judiciário, que será invariavelmente chamado a resolver as contradições que o sistema administrativo criar.
Outro ponto de extrema gravidade é a proposta de vedar aos próprios julgadores do CG-IBS o poder de afastar a aplicação de atos normativos do comitê por manifesta ilegalidade. Tal dispositivo cria uma situação anômala na qual o órgão que edita a norma infralegal se torna imune ao controle de legalidade por seu próprio tribunal administrativo, ferindo a lógica do sistema de freios e contrapesos e o princípio da legalidade estrita.
A solução mais racional, defendida por inúmeros juristas e entidades da sociedade civil, é a unificação do contencioso administrativo do IBS e da CBS. A criação de um tribunal administrativo único, que poderia se dar no âmbito do próprio Carf, com as devidas adaptações para garantir a representatividade dos entes federativos, não apenas evitaria o risco de decisões conflitantes, mas também representaria uma enorme economia de recursos públicos e aproveitaria a expertise de um órgão já consolidado.
Responsabilidade está com o Senado
O texto aprovado na Câmara dos Deputados, ao prever a participação paritária dos contribuintes na instância especial do CG-IBS, representou um avanço, mas um avanço tímido, que não resolve o problema estrutural da duplicidade.
O PLP 108/2024 encontra-se agora no Senado, que tem a responsabilidade de corrigir esses desvios e garantir que a reforma tributária cumpra sua promessa.
A comunidade jurídica deve estar atenta e atuante para que a busca por um sistema tributário mais justo não resulte em um sistema processual mais complexo e inseguro. A separação de “gêmeos siameses” é uma cirurgia de altíssimo risco, e, neste caso, a prudência recomenda veementemente que permaneçam unidos.
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é advogada tributarista no Ferreira e Hitelman Advogados.
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