Carf muda rumo em autuações fiscais de perdas de energia elétrica
Por Maurício Pereira Faro, Thais de Barros Meira, Pamela Cristina Café
29/09/2025 12:00 am
As concessionárias responsáveis pela distribuição de energia elétrica sofreram autuações fiscais bilionárias nos últimos anos relacionadas às perdas sofridas no processo de distribuição, mas houve uma mudança de rumo em tais autuações com uma recente vitória dos contribuintes na Câmara Superior de Recursos Fiscais.
As perdas de energia elétrica não somente são tão inerentes ao negócio que são reguladas de forma detalhada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que define tais perdas como a “diferença entre a energia injetada na rede da distribuidora e o total de energia vendida e entregue” e distingue as perdas técnicas e as perdas não técnicas.
Em síntese, as perdas técnicas correspondem à “parcela das perdas na distribuição inerente ao processo de transporte, de transformação de tensão e de medição da energia na rede da concessionária” [1]. As perdas não técnicas, por sua vez, são aquelas oriundas de furtos de energia, erros de medição, erros no processo de faturamento, unidades consumidoras sem equipamento de medição etc., ou seja, o famoso “gato”. Na prática, as perdas não técnicas são apuradas pela diferença entre as perdas totais e as perdas técnicas regulatórias, apuradas conforme as normas da Aneel.
Relatório de perdas de energia elétrica
Recentemente, foi disponibilizado o relatório [2] da Aneel de perdas de energia elétrica na distribuição referente aos anos-calendários de 2025/2024. As perdas totais de energia na distribuição (ou seja, técnicas e não técnicas) representaram 14% da energia injetada em 2024, sendo aproximadamente 7,4% de perdas técnicas e 6,6¨de perdas não técnicas (reais e regulatórias). Em termos financeiros, as perdas não técnicas representaram um custo aproximado de R$ 7,1 bilhões (regulatórias) e R$ 10,3 bilhões (reais).
Nos Estados do Amazonas e do Rio de Janeiro, locais com índices de violência alarmantes, as perdas não técnicas reais representam, respectivamente, 123,2% e 59,5% das perdas sobre o mercado de baixa tensão faturado em 2024. Isso significa que, no Estado do Amazonas, a distribuidora de energia elétrica deve adquirir mais que o dobro da energia elétrica que deve ser entregue aos consumidores finais, nos termos do contrato de concessão, sob pena, inclusive, da rescisão desse contrato.
Lei para coibir práticas criminosas
No contexto de crescente preocupação com as perdas não técnicas, a Lei nº 15.181, de 28 de julho de 2025 promoveu modificações significativas no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal) para aumentar as penas aplicadas ao furto, roubo e receptação de fios, cabos ou equipamentos utilizados para fornecimento ou transmissão de energia elétrica ou de telefonia ou para transferência de dados.
Remanescem, contudo, o maior desafio que é a identificação dos criminosos e sua consequente punição. Há, por exemplo, diversas notícias de ações violentas contra empregados de concessionárias que tentam cortar os “gatos”, resultando, algumas vezes, até mesmo em empregados baleados e mortos.
Impacto tributário
O que causa mais perplexidade, no âmbito tributário, é que as concessionárias ainda vêm sendo autuadas, sob a alegação de que as perdas não técnicas seriam indedutíveis da base de cálculo do IRPJ e da CSLL e que contribuição ao PIS e à Cofins incidentes sobre a aquisição de energia elétrica que são objeto de perdas não gerariam créditos para a etapa de distribuição de energia elétrica.
Em apertada síntese, o que as autoridades fiscais alegam é que tais perdas de energia elétrica decorrem da incompetência das distribuidoras de energia elétrica que não estariam envidando esforços para evitar tais perdas. E mais. Que não seria aplicável um dispositivo que autoriza expressamente a dedução de valores referentes a furto da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, pois as distribuidoras de energia elétrica não apresentariam notificação às autoridades policiais identificando os criminosos.
No caso da contribuição ao PIS e da Cofins, é aplicado um dispositivo legal que não permite a apropriação de créditos de tais contribuições no caso de furto. Claramente referido dispositivo legal tinha por objetivo vedar a apropriação de créditos em caso de mercadoria furtada, que não gera receita tributáveis por tais contribuições. Esse dispositivo jamais poderia ser aplicado para as perdas de energia elétrica uma vez que o valor de tais perdas é incluído nas tarifas dos consumidores finais.
Ainda com relação à contribuição ao PIS e à Cofins, a vedação ao crédito cria uma verdadeira bola de neve, uma vez que o custo efetivo da contribuição ao PIS e Cofins é transferido para as contas de energia elétrica. Dessa forma, os bons pagadores não somente arcam com o custo do “gato”, mas com a contribuição ao PIS e Cofins referente ao “gato”.
Vitória no Carf
Finalmente, contudo, após quase uma década discutindo essas absurdas autuações, os contribuintes tiveram uma vitória — em um simbólico 7×1 — na Câmara Superior de Recursos Fiscais[3] — última instância administrativa. Reconheceu-se que as perdas não técnicas são um custo inerente à distribuição de energia elétrica, que, portanto, são dedutíveis da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Espera-se que a discussão referente à contribuição ao PIS e à Cofins siga na mesma direção, caso contrário, o bom pagador continuará arcando com o ônus decorrente dos maus pagadores e com a incompetência, não das distribuidoras, mas do poder público que não consegue evitar os “gatos”.
[1] Segundo o submódulo 2.6 do Procedimentos de Regulação Tarifária (“Proret”). Fonte: aqui.
[2] Fonte: aqui.
[3] É o caso do Acórdão nº 9101-007.440, julgado em 10 de setembro de 2025, nos autos do Processo nº 16682.720895/2020-62 da Light Serviços de Eletricidade S.A, em que a 1ª Turma da CSRF negou provimento ao Recurso Especial da Procuradoria, mantendo os fundamentos do Acórdão nº 1004-000.155, de 10 de abril de 2024.
Mini Curriculum
Maurício Pereira Faro
é advogado tributarista do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados, mestre em Direito pela Universidade Gama Filho, professor dos cursos de Pós-Graduação da PUC/RJ e FGV/RJ e presidente da Comissão Especial de Assuntos Tributários da OAB/RJ.
Thais de Barros Meira
é advogada, doutora em Direito Tributário (USP), LLM pela Harvard Law School e mestre em Direito do Estado – PUC/SP.
Pamela Cristina Café
é advogada do escritório BMA Advogados, pós-graduanda em Direito Tributário pela FGV e graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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