Carf define natureza pública do BNDES e exclui apuração de IRPJ e CSLL

Por Pedro Vieira

11/08/2025 12:00 am

O Acórdão nº 1202-001.489, proferido pela 2ª Turma Ordinária da 1ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), é uma decisão que reverbera no cenário jurídico-tributário brasileiro, trazendo clareza e segurança jurídica para as empresas que acessam financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A controvérsia central do caso envolvia a possibilidade de excluir os valores correspondentes a juros subsidiados de financiamentos do BNDES da base de cálculo do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

André Corrêa/Agência Senado
No caso, a Receita Federal glosou as exclusões realizadas pelo contribuinte, no valor de R$ 166.903.459,42. O fundamento da autuação era o artigo 198, § 6º, da Instrução Normativa RFB 1.700/17, que restringe a exclusão de subvenções concedidas por pessoas jurídicas de direito privado. A decisão de primeira instância manteve o Auto de Infração, citando a IN 1.700/17 e argumentando que, apesar de o BNDES ser uma empresa pública, nem todos os seus financiamentos são suportados por recursos exclusivamente públicos, e que seu controle é distinto das subvenções concedidas pela União, estados, Distrito Federal e municípios.

No entanto, a tese que prevaleceu no Carf, em um voto unânime, pautou-se na interpretação do artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, que permite a exclusão de subvenções para investimento concedidas pelo “poder público”. A questão crucial a ser dirimida era: o BNDES, sendo uma empresa pública com personalidade jurídica de direito privado, pode ser considerado “poder público” para os fins da referida lei?

BNDES é parte do poder público
A fundamentação da decisão do Carf, que se apresenta com precisão e objetividade, reside na hermenêutica crítica que busca a essência da norma, indo além de uma interpretação literal e restritiva. A decisão corretamente aponta que o artigo 30 da Lei nº 12.973/2014 não veda expressamente a exclusão com base na natureza jurídica do ente concedente, mas sim exige que a subvenção seja concedida pelo “poder público”. O Carf então defende que a Instrução Normativa RFB nº 1.700/2017, ao utilizar a expressão “pessoa jurídica de direito privado” para vedar a exclusão, não pode ser interpretada de forma literal para restringir um direito conferido por lei.

Aqui reside o ponto central da argumentação. A tese provida, a qual entendo estar respaldada tecnicamente, sustenta que uma empresa pública, como o BNDES, que integra a administração indireta, deve ser considerada como parte do “poder público”. Essa conclusão não é meramente formal, mas substancial. A citada instituição, embora tenha personalidade jurídica de direito privado, foi criada para cumprir uma finalidade pública: a execução da política de investimento do governo federal, apoiando o desenvolvimento do país.

Seu capital é exclusivo da União, é controlado pelo mesmo, vinculado ao Ministério da Economia e está sujeito ao controle do Congresso Nacional, da CGU e do TCU. A própria Constituição e a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União (Lei nº 8.443/1992) estipulam que o TCU deve julgar as contas de administradores de entidades da administração indireta, o que inclui as empresas públicas.

Portanto, ignorar a natureza pública do BNDES em razão de sua personalidade jurídica de direito privado seria um equívoco jurídico e uma distorção da realidade administrativa. O legislador, ao usar a expressão “poder público”, certamente tinha a intenção de abranger todas as entidades da administração pública, direta e indireta, independentemente de sua forma jurídica.

Spacca
Decisão do Carf reforça princípio da legalidade
A decisão do Carf, ao dar provimento ao recurso voluntário da contribuinte, não apenas corrige a interpretação restritiva da Receita, mas também reforça o princípio da legalidade, segundo o qual uma norma infralegal não pode restringir direitos estabelecidos em lei. A Corte Administrativa demonstrou que a Solução de Consulta Cosit nº 365/2014, usada pela fiscalização, tratava de um caso distinto, onde a subvenção era concedida por pessoas jurídicas privadas que não faziam parte da administração pública, o que reforça a inaplicabilidade daquela interpretação ao caso do BNDES.

Para que a exclusão seja válida, a empresa deve observar as condições impostas pela lei, como o registro dos valores na reserva de incentivos fiscais, que só pode ser usada para absorver prejuízos (após esgotadas outras reservas de lucros, exceto a reserva legal) ou para aumentar o capital social. Do ponto de vista contábil, o Pronunciamento Técnico CPC 07 define que empréstimos subsidiados devem ser tratados como subvenções governamentais, e o benefício (a diferença entre o valor principal e o valor presente dos pagamentos futuros) deve ser reconhecido como receita diferida ou reduzir o valor contábil do ativo. Para fins da exclusão fiscal, a parte do benefício qualificada como subvenção para investimento deve ser transferida para uma conta de reserva de lucros específica no patrimônio líquido — a reserva de incentivos fiscais. Essa prática assegura a conformidade com a LSA e com as exigências da legislação tributária.

Em suma, a decisão do Carf é um avanço crucial, que traz segurança jurídica e previsibilidade para o planejamento fiscal e contábil das empresas que contam com o apoio do BNDES. A interpretação final consolida a premissa de que a natureza pública de um ente não pode ser ignorada em detrimento de sua forma jurídica, reafirmando que o BNDES, em sua essência e função, é parte integrante do “Poder Público” e, portanto, as subvenções concedidas por ele são elegíveis para o benefício fiscal da exclusão do lucro real e do resultado ajustado.

Mini Curriculum

é advogado, sócio do escritório Charão Associados, especialista em Planejamento Patriminial e sua Tributação (FBD), graduado em Direito pela Faculdade Baiana de Direito, membro do IBDT, membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/BA e membro do Grupo de Estudos de Direito e Negócios (GEDEN – BA).

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