As sanções por descumprimento de obrigações acessórias devem obedecer aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade
Renata Villela
Recentemente o SINDICONT-RIO desenvolveu, juntamente com entidades parceiras um manifesto contra multas abusivas, levando proposta de lei ou medida provisória ao Ministério da Fazenda visando a revogação do artigo 57 da Medida Provisória 2158-35/2001.
A referida Medida Provisória nº 2.158-35/2001, notadamente por meio do artigo 57, institui multas pela falta de apresentação ou apresentação extemporânea da Escrituração Contábil Digital (ECD), da Escrituração Fiscal Digital da Contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS (EFD-Pis/Cofins). A referida legislação institui multas também por informações incorretas ou omitidas.
Não se ignora a importância das obrigações acessórias como importante ferramenta para garantir o cumprimento da obrigação principal e aumentar a eficiência na arrecadação, porém, verifica-se que, com base na regulamentação acima mencionada, uma empresa que deixe de apresentar as referidas declarações, por exemplo, pelo período de um ano (12 meses) sofrerá a aplicação de multas no montante de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais).
A despeito do entendimento doutrinário antigo no sentido de que os valores das multas não estariam sujeitos ao princípio do não confisco (devido à vedação constitucional se aplicar somente a tributos) é oportuno destacar que toda a legislação pátria pertinente ao tema fiscal está sujeita às disposições da Constituição Federal e dos princípios norteadores desta.
Por outro lado, verifica-se hodiernamente que os valores indicados a título de multa, pela sua alta probabilidade de inviabilizar a atividade empresarial de uma pequena empresa, que por alguma razão não conseguisse enquadramento no SIMPLES, por exemplo, obrigariam, sim, a observação do princípio da razoabilidade, proporcionalidade e em última análise o do não confisco.
Deveras, a atual sistemática de aplicação das referidas multas no âmbito da Receita Federal vem atentando contra os princípios citados (do não-confisco, razoabilidade e proporcionalidade) e vem contribuindo para inviabilizar a atividade das pequenas empresas (01).
Ademais, além disto, nos moldes atuais, a carga de responsabilidades que pesa sobre os profissionais da área contábil (que já se encontram sobrecarregados com o cumprimento de obrigações e procedimentos junto ao Fisco e por uma responsabilidade profissional solidária com seus clientes) está chegando a níveis insuportáveis.
Certo é que a maioria absoluta desses profissionais não tem a menor condição de suportar o peso financeiro da solidariedade com seus clientes em decorrência da aplicação de tão pesadas multas.
Tal responsabilidade eleva a níveis intoleráveis o stress desses profissionais em épocas de entrega das declarações e informações ao Fisco (ou seja, diversas vezes ao ano).
Como resultado do esforço empreendido pelo SINDICONT-RIO e outros interessados contra a presente regulamentação, em 27 de dezembro de 2011 foi noticiada pela agência Senado a aprovação de projeto que reduz multas por descumprimento de obrigação acessória.
Em 21/12/2011 ocorreu aprovação em Plenário pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), do projeto de Lei do senador Francisco Dornelles (PP-RJ) de número PLS 721/2011 (02) que reduz e escalona, por faixa de receita bruta anual, as multas aplicadas sobre as empresas em caso de descumprimento das chamadas obrigações acessórias em relação aos tributos (aplicadas, por exemplo, em caso de atraso ou falta de entrega de declarações, demonstrativos ou escrituração digital exigidos).
O objetivo do projeto, segundo o autor Dornelles é oferecer às instituições, independentemente do regime fiscal, um "tratamento mais justo e proporcional" com relação às penalidades, para que as multas não possam ferir os princípios constitucionais do não confisco, da razoabilidade e da proporcionalidade.
Segundo o senador, a aprovação do projeto, irá corrigir e aliviar a situação de pequenas e microempresas que hoje estão realmente em dificuldades com o Fisco, em decorrência do não cumprimento de obrigações acessórias que, no entanto, não significam dolo ou sonegação; tudo para que pequenas empresas que cometem apenas erros formais não mais ficassem sujeitas a penalidades tão elevadas.
O projeto agora segue para ser examinado na Câmara dos Deputados e sugere, por exemplo, multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) por mês-calendário ou fração para apresentação de declarações e documentos intempestivamente, para empresa com receita bruta anual igual ou inferior a três milhões e seiscentos mil reais por ano.
Nesse caso, o patamar máximo para aplicação da multa seria o valor de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) para empresas com receita bruta anual superior a quarenta e oito milhões de reais.
Tal disposição é bem diferente da lei atualmente em vigor, que estabelece que as empresas que deixam de apresentar por um ano a chamada Escrituração Contábil Digital (ECD) paguem, como mencionado anteriormente, multa no valor de R$ 60 mil (sendo R$ 5.000,00 – cinco mil reais – por mês).
Do princípio do não confisco
Segundo José Eduardo Soares de Melo(3) :
"é difícil estipular o volume máximo da carga tributária, ou fixar um limite de intromissão patrimonial, enfim, o montante que pode ser suportado pelo contribuinte. O poder público há de se comportar pelo critério da razoabilidade, a fim de possibilitar a subsistência ou sobrevivência das pessoas físicas, e evitar as quebras das pessoas jurídicas, posto que a tributação não pode cercear o pleno desempenho das atividades privadas e a dignidade humana".
Para Hugo de Brito Machado (4):
"o caráter confiscatório do tributo deve ser avaliado em função do sistema, vale dizer, em face da carga tributária resultante dos tributos em conjunto".
É portanto com base na tributação como um todo que a ocorrência do confisco deve ser analisada.
Deve-se repisar que não somente a legislação instituidora de tributos deve se orientar pelo princípio do não confisco, mas também a da aplicação de multas, eis que uma lei que venha a instituir multas também está sujeita à Lei Maior e seus Princípios.
Neste sentido cumpre destacar que o não confisco é princípio conhecido desde a Magna Carta inglesa, segundo lembra Hélio Sabino de Sá (5) (grifos nossos):
"Consta que essa limitação ao poder estatal de tributar teve como marco na história constitucional a imposição da Magna Carta pelos Barões Ingleses ao rei João, dito João sem terras, em 1215, in verbis:
Carta magna das liberdades, ou Concórdia entre o Rei João e os Barões para a outorga das liberdades da Igreja e do rei inglês – foi a declaração solene que o rei João da Inglaterra, dito João Sem-Terra, assinou, em 15 de junho de 1215, perante o alto clero e os barões do reino.
I – Não lançaremos taxas ou tributos sem o consentimento do conselho geral do reino (commue concilium regni), a não ser para resgate da nossa pessoa, para armar cavaleiro nosso filho mais velho e para celebrar, mas uma única vez, o casamento da nossa filha mais velha; e esses tributos não excederão limites razoáveis. De igual maneira se procederá quanto aos impostos da cidade de Londres."
Porém, apesar da existência do referido princípio (anterior mesmo à presente Carta constitucional), não obstante as atuais limitações Constitucionais ao poder de tributar, o legislador constitucional brasileiro deixou de estatuir limites ao poder estatal de criar e impor aos contribuintes, pessoas físicas, jurídicas ou equiparadas a essas últimas, as obrigações tributárias acessórias.
Ademais, o § 5º do art. 34 do ADCT instituiu o fenômeno da recepção, através do qual, uma vez em vigor o novo sistema tributário, foi garantida a aplicação das normas tributárias antecedentes à Constituição de 1988, desde que não conflitantes com o texto então recém-criado." (6)
Sendo assim, indiscriminadamente, os entes tributantes vem editando normas criando os mais diversos tipos de obrigações acessórias, que correntemente requerem as mesmas informações já prestadas às outras Fazendas Públicas ou pior, instituindo multas em duplicidade.
Diante deste cenário, cumpre ponderar que a penalidade que inviabiliza a atividade empresarial pode sim, ter efeito confiscatório e atentar contra a razoabilidade e a proporcionalidade.
Mesmo que não se analise a questão pela ótica da possibilidade de confisco, ainda resta configurado que na questão em tela existe onerosidade excessiva, o que fere a razoabilidade.
Por estas razões, a doutrina e a jurisprudência adotaram como parâmetros a razoabilidade e a proporcionalidade para aplicação das sanções tributárias, o que é totalmente justificável e plausível, a fim de proteger as pequenas e médias empresas, principalmente, de sanções que venham a inviabilizar sua atividade.
O critério da razoabilidade/proporcionalidade
Pelo critério acima mencionado, a pena imposta deve ser proporcional levando em conta o grau de restrição da infração e o grau de realização do objetivo, segundo o porte do contribuinte.
Ou seja, uma pequena empresa, que possui uma estrutura reduzida e muitas vezes precária, não pode ser penalizada pelo descumprimento de uma obrigação tributária acessória da mesma forma que uma de grande porte, que possui uma estrutura muito maior e mais capacitada.
Sendo assim a previsão das multas contidas nos arts. 10, da IN RFB nº 787/2007 (ECD) e 7º, da IN RFB nº 1052/2010 (EFD-Pis/Cofins), impondo pena pelo atraso na apresentação da ECD e da EFD-Pis/Cofins no pagamento de multa de R$ 5.000,00 por mês ou fração, independentemente do porte da empresa, com fundamento no art. 57, da Medida Provisória nº 2158-35/2001, desconsidera o princípio da proporcionalidade.
Ademais, verifica-se que a legislação pretende punir em duplicidade o mesmo equívoco, tendo em vista que a previsão referente à multa referente a não apresentação da EFD-Pis/Cofins, refere-se à obrigação de prestar informações através do referido sistema de escrituração fiscal digital que são mais completas que as informações apresentadas atualmente através do Demonstrativo de Apuração de Contribuições Sociais – DACON.
Porém, a Lei nº 10.426/2002 (art. 7º) e a IN RFB nº 1.015/2010 (art. 7º) estipulam, ambas, multas por atraso na entrega de tal demonstrativo e por informações incorretas ou omitidas, ou seja, como mencionado, a legislação pretende punir em duplicidade o mesmo equívoco, qual seja, o atraso ou incorreção das informações relativas ao Pis e à Cofins, o que avilta frontalmente o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade (7).
Conclusões e considerações finais
Diante do exposto, temos que a atual regulamentação agrava sobremaneira tanto as responsabilidades das empresas, de maneira não razoável e desproporcional, impondo também ao já sobrecarregado contabilista responsabilidades que não se justificam.
Isto porque os referidos profissionais, já tem, por lei, responsabilidade solidária aos clientes e carregam pesada rotina de entrega de declarações e seguem diuturnamente, trabalhando demasiado em prol da atividade arrecadatória do Estado, tudo sob pesada vigilância e atribuição de responsabilidades, como mencionado, jurídicas e financeiras. Tais obrigações também com relação a este grupo de pessoas também precisa ser urgentemente reduzida.
Por outro lado, a aplicação destas multas pode inviabilizar a continuidade das atividades das empresas de pequeno porte e havendo ameaça à continuidade deste tipo de empresa, consequentemente restará comprometida a continuidade dos empregos de parte significativa da população brasileira e o sustento da própria família do empreendedor.
Decorrência lógica da ameaça e inviabilidade das atividades das pequenas empresas é o enfraquecimento da economia.
Na questão social, outra decorrência lógica do mencionado processo é que, existindo inviabilidade na continuidade das pequenas empresas certamente ocorrerá o ingresso nos filões da pobreza milhares de brasileiros, outrora trabalhadores.
Pode-se deduzir ainda que, pela criação de necessidades, haja aumento e criação de cada vez mais programas sociais, tudo a contribuir para gerar o desagradável aumento da já inadmissível carga tributária, sendo todo este peso gerado para garantir o objetivo da República de erradicação da pobreza e fomento do bem estar social.
Portanto, o acatamento das sugestões de alteração da legislação que estabeleceu as referidas multas (Medida Provisória 2158-35/2001, notadamente o artigo 57 (8) é de extrema importância e urgência, tudo visando garantir a efetividade do binômio razoabilidade/proporcionalidade, visando corroborar com a tão almejada justiça fiscal.
Notas
(01) A proteção às pequenas empresas está contida no art. 146, III, "d", da CFA/88, é regulamentada pela Lei Complementar nº 123/2006, a qual instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte.
(02) http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=103576
(03) Curso de direito tributário. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2001. p.34.
(04) Curso de direito tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 42.
(05) SÁ, Hélio Sabino de. A ditadura das obrigações tributárias acessórias. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1673, 30 jan. 2008. Disponível em:
<http://jus.com.br/revista/texto/10899>. Acesso em: 6 mar. 2012.
(06) SÁ, Hélio Sabino de. A ditadura das obrigações tributárias acessórias. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1673, 30 jan. 2008. Disponível em:
<http://jus.com.br/revista/texto/10899>. Acesso em: 6 mar. 2012.
(07) Art. 7º O sujeito passivo que deixar de apresentar Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica – DIPJ, Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF, Declaração Simplificada da Pessoa Jurídica, Declaração de Imposto de Renda Retido na Fonte – DIRF e Demonstrativo de Apuração de Contribuições Sociais – Dacon, nos prazos fixados, ou que as apresentar com incorreções ou omissões, será intimado a apresentar declaração original, no caso de não-apresentação, ou a prestar esclarecimentos, nos demais casos, no prazo estipulado pela Secretaria da Receita Federal – SRF, e sujeitar-se-á às seguintes multas: (Redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004)
I – de 2%(dois por cento) ao mês-calendário ou fração, incidente sobre o montante do imposto de renda da pessoa jurídica informado na DIPJ, ainda que integralmente pago, no caso de falta de entrega desta Declaração ou entrega após o prazo, limitada a 20%(vinte por cento), observado o disposto no § 3;
II – de 2%(dois por cento) ao mês-calendário ou fração, incidente sobre o montante dos tributos e contribuições informados na DCTF, na Declaração Simplificada da Pessoa Jurídica ou na DIRF, ainda que integralmente pago, no caso de falta de entrega destas Declarações ou entrega após o prazo, limitada a 20%(vinte por cento), observado o disposto no § 3º;
III – de 2% (dois por cento) ao mês-calendário ou fração, incidente sobre o montante da Cofins, ou, na sua falta, da contribuição para o PIS/Pasep, informado no Dacon, ainda que integralmente pago, no caso de falta de entrega desta Declaração ou entrega após o prazo, limitada a 20% (vinte por cento), observado o disposto no § 3º deste artigo; (Redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004)
IV – de R$ 20,00 (vinte reais) para cada grupo de 10 (dez) informações incorretas ou omitidas. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)
(08) Art. 57. O descumprimento das obrigações acessórias exigidas nos termos do art. 16 da Lei nº 9.779, de 1999, acarretará a aplicação das seguintes penalidades:
I – R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por mês-calendário, relativamente às pessoas jurídicas que deixarem de fornecer, nos prazos estabelecidos, as informações ou esclarecimentos solicitados;
II – cinco por cento, não inferior a R$ 100,00 (cem reais), do valor das transações comerciais ou das operações financeiras, próprias da pessoa jurídica ou de terceiros em relação aos quais seja responsável tributário, no caso de informação omitida, inexata ou incompleta.
Parágrafo único. Na hipótese de pessoa jurídica optante pelo SIMPLES, os valores e o percentual referidos neste artigo serão reduzidos em setenta por cento.
Renata Villela
Mestranda em Direito Empresarial pela UCES-Buenos Aires. Especialista em Direito Público e Tributário, Direito e Processo Tributário e Planejamento Tributário. Sócia no escritório Amaral & Araujo in association with MMO Advogados - São Paulo e Rio de Janeiro.
Articulista de diversas publicações técnico-jurídicas. Atuação preponderante em tributação no setor da saúde, distribuição de combustíveis, em procedimentos administrativos e judiciais.