A indevida inclusão da CSLL na base de cálculo do IRPJ

Soraya Marina Barcelos

É necessário verificar qual o conceito de renda tributável, pois apenas desta forma é possível concluir se a CSLL está inserida neste conceito.

Introdução

Atualmente, é controverso perante a doutrina e a jurisprudência se o valor relativo à contribuição social sobre o lucro líquido compõe ou não a base de cálculo do imposto de renda. Para responder a tal questão, é necessário verificar qual o conceito de renda tributável, pois apenas desta forma é possível concluir se a CSLL está inserida neste conceito.

O Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza e os Princípios que lhe são Aplicáveis

A Constituição Federal determinou ser de competência da União instituir imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Trata-se de um tributo de natureza eminentemente fiscal, mas não deixa de ter função extrafiscal na medida em que também pode ser instrumento de redistribuição de riquezas entre pessoas ou regiões geográficas

O fato gerador do imposto de renda é a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda e de proventos de qualquer natureza, sendo que a disponibilidade constitui-se com o efetivo recebimento da renda ou da aquisição do direito de recebê-la. Não basta haver a mera possibilidade da aquisição da renda, mas sim que não haja qualquer obstáculo para seu auferimento.

O imposto incide sobre rendas e proventos auferidos em um período específico de tempo, motivo pelo qual o seu fato gerador é continuado, e não instantâneo. Sendo a renda um resultado de fatos ocorridos durante um lapso temporal, tem-se que o fato gerador do imposto é denominado como complexo.

O contribuinte do imposto de renda é a pessoa física, a jurídica ou mesmo as entidades sem personalidade, como condomínios prediais ou consórcios de sociedades, sendo que o presente trabalho terá enfoque no contribuinte pessoa jurídica.

De acordo com o art. 153, § 2º, I, da Constituição Federal de 1988, o imposto de renda "será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei". Entende-se pelo princípio da universalidade que o imposto atinja todos os tipos de renda, sem discriminação. Pelo princípio da generalidade, entende-se que as rendas auferidas por todas as pessoas físicas e jurídicas devem ser tributadas. Por fim, pelo princípio da progressividade, entende-se que a alíquota aplicável será maior quanto mais elevada for a renda. Outros princípios também são aplicáveis ao Imposto de Renda e Proventos de Qualquer Natureza: legalidade, irretroatividade, igualdade, pessoalidade, capacidade contributiva, anterioridade e vedação ao confisco.


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O princípio da capacidade contributiva figura expressamente na Constituição no art. 145, § 1º, sendo que o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza é aquele que melhor se ajusta a este princípio. Em outras palavras, em obediência a este princípio, o imposto de renda deverá incidir apenas sobre o valor que realmente expresse a capacidade contributiva da pessoa.

De acordo com o princípio da anterioridade da lei tributária, previsto no art. 150, III, "a" da Constituição Federal, a legislação aplicável ao imposto de renda será aquela existente desde o início do período em que a renda é apurada.


O conceito constitucional de renda e proventos de qualquer natureza

O Direito é o meio pelo qual o ser humano busca a justiça e a segurança, valores complementares entre si. As normas mais genéricas têm enfoque no ideal da justiça, enquanto que as normas mais específicas enfocam o ideal da segurança. Em prol da justiça e da segurança, a expressão normativa deve ser clara e precisa e, em virtude dos significados plúrimos das palavras, as normas devem ser interpretadas de acordo com a coerência do sistema, ditada primordialmente pela Constituição.

A interpretação dos preceitos normativos é questão jurídica fundamental para se determinar o alcance e o significado das normas. A norma suprema é a Constituição Federal, que prevalece diante das demais leis em prol da preservação da unidade do sistema jurídico. A supremacia constitucional é a única garantia que o Direito apresenta contra o arbítrio do Estado na garantia das liberdades, inclusive quando tal arbítrio se impõe através das leis. Os valores expressos na Constituição devem dirigir a interpretação das normas infraconstitucionais

A competência para tributar está rigidamente disposta na Constituição Federal, não podendo o legislador infraconstitucional nela interferir.

O art. 153, III, da CF, ao determinar a competência da União para instituir impostos, utilizou o vocábulo "renda". Desta forma, só pode ser compelido ao pagamento do imposto aquele contribuinte que efetivamente auferiu renda, que é uma das formas de manifestação de capacidade contributiva.

O Sistema Tributário Brasileiro é fundado na Constituição, a a qual aponta os sujeitos passivos e ativos e a base de cálculo dos tributos. Embora o conceito de renda não esteja expresso na Constituição Federal, esta pressupõe um conceito de renda, que nela está implícita. Desta forma, quando o constituinte se referiu à renda, já havia construído o seu conceito. Assim, se já havia um pressuposto, é certo que o conceito de renda não pode ser determinado ou modificado pelo legislador infraconstitucional.

De acordo com Hugo de Brito Machado (1994), renda é um conceito oriundo das Ciências Econômicas, e a doutrina elaborou três teorias básicas para a sua definição: a teoria da fonte e renda-produto; a teoria do incremento patrimonial e a teoria do conceito legalista de renda [01]. Contudo, o certo é que, no Direito, o conceito de renda deve ser buscado primeiramente na Constituição Federal.

Se a Constituição atribui à União a competência para instituir o imposto sobre a renda, o vocábulo "renda" é elemento que define o âmbito de incidência tributária. Tendo em vista que a Constituição limita o poder de tributar do Estado, é certo que o conceito de renda só poderia ser rígido e constitucionalmente pressuposto. Do contrário, o legislador ordinário poderia modificar a Constituição simplesmente modificando o significado da palavra "renda". Tal não seria admissível.

Inclusive, de acordo com o art. 110 do CTN, a lei tributária não poderá alterar definição, conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, tanto de forma expressa quanto implícita, pela Constituição Federal para definir ou limitar competências tributárias.

O conceito de renda pode ser obtido da Constituição Federal como sendo um acréscimo patrimonial, distinguindo-se de outros conceitos que a ele se opõem, tais como "patrimônio" e "capital".

Paulo Ayres Barreto (2005) extraiu da Constituição o conceito de renda:

"Renda, portanto, nos estritos termos em que constitucionalmente plasmada, há de ser interpretada como o acréscimo a um dado conjunto de bens e direitos (patrimônio), pertencente a uma pessoa (física ou jurídica), observado um lapso temporal necessário para que se realize o cotejo entre determinados ingressos, de um lado, e certos desembolsos, de outro." [02]

Para que haja renda, deve haver um incremento material ou imaterial, representado por qualquer espécie de direito ou bem, ao conjunto líquido de direitos de uma pessoa. Contudo, vale lembrar que nem todo acréscimo patrimonial é tributável pelo imposto de renda. É necessário que este acréscimo seja um produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos. Justamente por este motivo que sobre as heranças e doações não há incidência do referido imposto. Lado outro, se um determinado valor não representa acréscimo patrimonial, não poderá ser tributado pelo imposto de renda.

Assim, o legislador infraconstitucional está submetido ao conceito de renda posto pela Constituição, ou seja, não poderá, em hipótese alguma, ampliar o conceito de renda, pois se assim o fizer irá incorrer em plena inconstitucionalidade. A alteração neste conceito significaria a instituição de um novo imposto, que não fosse o imposto sobre a renda.

Enfim a Constituição pressupõe o conceito de renda como sendo de acréscimo patrimonial, sendo que o legislador ordinário não pode definir renda como algo diferente, que não seja um acréscimo patrimonial. Exatamente esta posição foi defendida pelo ministro Marco Aurélio no julgamento desta questão no Supremo Tribunal Federal, como será detalhado adiante.


Conceito de renda e proventos de qualquer natureza no Código Tributário Nacional

O Código Tributário Nacional, recepcionado como Lei Complementar pela Carta de 88, apresenta, em seu art. 43, subsídios para a construção de um conceito de renda. Quando o CTN afirma que os proventos de qualquer natureza são "acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior", mostra que a renda é um acréscimo patrimonial, e que o imposto sobre a renda incide apenas sobre determinados acréscimos patrimoniais, nos quais a renda se inclui.

O conceito extraído do Código Tributário Nacional identifica-se com o conceito de renda extraído da Constituição, ou seja, o imposto de renda incide sobre a riqueza acrescida no patrimônio do contribuinte entre um determinado intervalo de tempo. Desta forma, incide o tributo apenas sobre a nova receita auferida pelo contribuinte, o que importa na tributação somente da renda, e não do patrimônio.

Renda distingue-se de patrimônio e de receita. Enquanto que renda é o acréscimo positivo de patrimônio de uma pessoa em um período de tempo, patrimônio é o conjunto total de bens, direitos e obrigações de uma pessoa em um determinado momento, e receita é tudo aquilo que é inserido no patrimônio, sem considerar as despesas e perdas incorridas. A receita é a riqueza agregada, sem se considerar os custos para a sua geração; por outro lado, a renda é exatamente a diferença entre a receita e as despesas necessárias à sua geração.

Para constituir renda, uma determinada riqueza deverá reunir, ao mesmo tempo, três peculiaridades: advir de uma fonte patrimonial pertencente ao próprio titular da renda (excluindo-se, pois, doações e heranças); poder ser consumida sem reduzir o patrimônio que a produziu; e ser proveniente do exercício de uma atividade, e não de uma simples valorização de bens ainda não efetivamente percebida pelo titular. Desta forma, não são tributáveis os ganhos em que ocorrem a consumação da fonte, os acréscimos patrimoniais não decorrentes de empenho do contribuinte e a simples valorização do patrimônio.

Enfim, de acordo como CTN, o fato gerador do imposto sobre a renda e proventos se qualquer natureza não pode ultrapassar o conceito de acréscimo patrimonial.


A base de cálculo do imposto de renda das pessoas jurídicas

A base de cálculo do imposto de renda das pessoas jurídicas deverá demonstrar a ocorrência de acréscimo patrimonial, em conformidade com o conceito de "auferir renda". A base de cálculo do IR é obtida pela conjugação da receita auferida num lapso temporal após subtraídos os custos e despesas. De acordo com o art. 44 do CTN, "a base de cálculo do imposto é o montante real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis".

Se o imposto incide sobre a renda, ou seja, a diferença entre receita e despesa, é certo que pode o legislador determinar quais despesas podem ou não ser deduzidas para o cálculo do imposto, desde que suas prescrições não interfiram no conceito de renda, que é o acréscimo do patrimônio.

Não há qualquer óbice para que a legislação não considere como despesa valores gastos que efetivamente não sejam despesa em seu sentido econômico, ou despesas que não sejam essenciais à atividade geradora da renda, despesas sem cabal comprovação ou despesas que possam ser usadas como práticas evasivas. As despesas que devem ser deduzidas para efeito do cálculo do imposto de renda são aquelas necessárias para a produção da renda, as despesas efetivas, ou seja, de natureza eminentemente econômica e as despesas pertinentes, ou seja, comuns e usuais a atividade da empresa.

O imposto de renda incide sobre o lucro contábil das empresas comportando quatro regimes de apuração: determinação pelo lucro presumido, pelo lucro arbitrado, através do programa denominado Simples Nacional, ou pelo lucro real.

A tributação do imposto de renda sobre uma base presumida é uma opção simplificada outorgada pela lei a contribuintes que não sejam empresas de maior porte, cuja receita bruta seja inferior a um valor previamente determinado em lei e preencham determinados requisitos. No entanto, estas empresas podem livremente optar pela apuração da renda tendo como base o lucro real. As empresas que optarem pela tributação pelo lucro presumido ficam dispensadas de manter escrituração contábil. Na apuração do imposto através do lucro presumido, aplicam-se coeficientes dispostos na legislação sobre o valor da receita bruta auferida durante o exercício fiscal (trimestre), coeficiente este variável conforme a atividade exercida pela empresa.

Quando a pessoa jurídica não preenche os requisitos para ser tributada pelo lucro presumido e quando é impossível aferir o montante real da sua renda, esta poderá ser arbitrada, inclusive no caso de desídia do contribuinte, quando sua escrituração contábil ou o livro de apuração do lucro real (Lalur) não permitir a recomposição da base de cálculo do imposto de renda. Também haverá tributação pelo lucro real quando o contribuinte se nega a apresentar seus documentos contábeis à Administração Fazendária ou caso opte por esta modalidade de apuração, o que é incomum, porque, via de regra, é mais gravosa. No caso de haver apenas erros e omissões por parte do contribuinte, não será permitida a imposição do arbitramento quando for possível verificar o valor real da renda.

Caso seja conhecida a receita bruta do contribuinte, o lucro arbitrado será um percentual deste valor. Caso contrário, se desconhecida a receita bruta, o lucro real poderá ser arbitrado de acordo com outros critérios estabelecidos em lei: segundo o valor dos ativos, tendo como parâmetro o valor do capital social, do patrimônio líquido, dentre outros. Não obstante, será sempre facultado ao contribuinte constituir prova do seu lucro real, que é a verdadeira base de cálculo do imposto de renda.

O Simples Nacional é um regime tributário simplificado e facultativo às microempresas e empresas de pequeno porte que cumpram requisitos previstos na legislação. Ele abrange a apuração e o pagamento conjunto de tributos de todos os entes federados mediante documento único de arrecadação, e o cálculo do tributo a pagar se baseia-se na receita bruta do contribuinte.

O regime de apuração do imposto de renda através do lucro real é obrigatoriamente aplicado às empresas de maior porte considerando-se o valor de suas receitas ou certos ramos de atividade. As pessoas jurídicas enquadradas no regime de apuração do lucro real devem manter sua escrituração rigorosamente em ordem e manter arquivados, pelo prazo de 5 anos, todos os livros e documentos que serviram de base para a determinação do lucro real.

O lucro real é obtido através do lucro líquido do exercício apurado em balanço, ajustado por adições, exclusões e compensações prescritas ou autorizadas pela legislação tributária. O lucro real é o acréscimo verdadeiramente auferido pelas empresas, aumentando o seu patrimônio em um determinado período. O lucro real será a base sobre o qual será aplicada a alíquota para o cálculo do imposto de renda.

Os custos são os gastos diretamente ligados à produção e à venda de produtos e serviços, enquanto que as despesas são os demais gastos essenciais para a manutenção das atividades da pessoa jurídica. Sempre que uma despesa efetiva for essencial para alcançar as finalidades da empresa, deverá haver dedução na apuração da base de cálculo do imposto de renda. Deverá haver, também, a dedução dos prejuízos fiscais ocorridos em exercícios anteriores. Afinal, renda é o resultado positivo da pessoa jurídica em um determinado período de tempo, abatidos os valores necessários para obtê-los, revelando o acréscimo patrimonial que demonstra a capacidade contributiva.


A CSLL na base de cálculo do IRPJ no lucro real

Como já foi dito, o lucro real é obtido através da diferença entre as receitas e as despesas/custos da pessoa jurídica, e sobre este resultado incide o imposto de renda. Daí surge um questionamento: o valor da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido poderá ser deduzido da base de cálculo do Imposto de Renda? Acredita-se que poderá, sob pena de ferimento ao art. 145,§1º, art. 146, III, "a" e art. 153, III da Constituição Federal e arts. 43, 44 e 110 do CTN.

O art. 195 da Constituição Federal prevê que a contribuição social sobre o lucro das empresas deverá ser uma das fontes de recurso para custear a seguridade social. A base de cálculo desta contribuição para as pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real será o lucro contábil, antes da provisão para o imposto de renda e para a própria CSLL, com ajustes de adições e exclusões previstos na legislação. A CSLL é despesa relativa à atividade empresarial, decorrente do auferimento de lucro, tem natureza compulsória, não tem natureza contratual e está distante do arbítrio do contribuinte.

A Lei 9316/96 dispõe sobre a base de cálculo do imposto de renda, afirmando que o valor da contribuição social sobre o lucro líquido não poderá ser deduzido para efeito de determinação do lucro real. Isto significa que a Fazenda Pública, com supedâneo nesta lei, exige dos contribuintes o imposto de renda com inclusão, em sua base de cálculo, do valor da Contribuição Social sobre o lucro líquido.

Embora a lei 9316/96 tenha restringido a dedução do valor da contribuição social sobre o lucro líquido para efeito de determinação do lucro real, tem-se que tal preceito não pode ser aplicado. Os gastos com a CSLL devem ser excluídos no cálculo do lucro real sobre o qual incide o imposto de renda, sob pena de inconstitucionalidade e ilegalidade. O imposto de renda deve incidir sobre todos os valores que compõem a renda da empresa, entendida como acréscimo patrimonial, havendo exclusão das despesas usuais, necessárias e efetivas do contribuinte na geração da sua renda. Ocorre que a CSLL é um ônus, não é acréscimo patrimonial; é despesa obrigatória da empresa, não facultativa Portanto, se a CSLL não é renda, mas despesa, não pode ser incluída na base de cálculo do IRPJ.

A impossibilidade de dedução da CSLL da base de cálculo do IR no lucro real fere a Constituição porque o art. 146, inciso III, letra "a", da CF define que cabe à lei complementar definir a base de cálculo dos tributos.

Além disso, se a Constituição diz que é a lei complementar que define fatos geradores e bases de cálculo dos tributos, não pode uma lei ordinária modificar uma lei complementar. O Código Tributário Nacional foi recepcionado como lei complementar, e afirma que o imposto de renda não pode incidir sobre algo que não seja um acréscimo patrimonial.

Se o CTN define que o imposto de renda só poderá incidir sobre produto do capital, do trabalho, de ambos ou demais acréscimos patrimoniais, é certo que uma lei ordinária não pode modificar a base de cálculo do imposto, para incluir valores que não constituem acréscimo patrimonial. A contribuição é renda da União e não da empresa. Só a renda compõe a base de cálculo e o fato gerador do imposto, conforme dispõem o art. 44 e 43 do CTN, respectivamente.

A lei ordinária não pode excluir, para efeito de determinação do lucro real, a dedução do valor da contribuição social sobre o lucro líquido, pois a sua natureza é dedutível. A Contribuição Social sobre o Lucro Líquido é uma despesa necessária para o funcionamento da pessoa jurídica, pois uma empresa jamais poderia operar regularmente sem recolher o aludido tributo, motivo pelo qual se entende que tem a natureza de despesa dedutível da base de cálculo do imposto de renda.

O art. 145 § 1º da CF preceitua que, sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade contributiva, ou seja, não deve incidir imposto sobre valor que não seja representativo da capacidade contributiva da pessoa. A lei 9316/96 ofendeu o princípio da capacidade contributiva, esta entendida como capacidade econômica de suportar a tributação sobre a renda, pois, a aplicação de tal princípio no IRPJ significa a possibilidade de se deduzir os gastos e despesas necessários à produção da renda, como no caso da CSLL.

Além disso, embora a Constituição não contenha um conceito explícito de renda, deixa claro que é constituída da apuração de ingressos menos despesas. De fato, renda é sempre um ganho, um acréscimo de patrimônio gerado pelo trabalho ou capital do contribuinte, enquanto que a parcela do lucro destinado ao pagamento da CSLL não pode ser considerada renda para fins de incidência do IR, pois se trata, pelo contrário, de um decréscimo patrimonial, e não de uma nova riqueza acumulada pela empresa.

Como já mencionado e como bem lembra JOÃO DÁCIO ROLIM (1994), o conceito de renda como acréscimo patrimonial é oriundo da própria Constituição:

"o conceito de renda é de natureza constitucional. Não fosse assim, o Supremo Tribunal Federal não teria exercido o controle de constitucionalidade de inúmeras leis ordinárias que pretendem fazer incidir imposto de renda onde tecnicamente não havia." [03]

Conclui-se, portanto, que é inconstitucional e ilegal o artigo 1º, caput e parágrafo único, da Lei 9.613/96, que veda a dedução do valor da CSLL para efeito de determinação do lucro real, sobre o qual incide o imposto de renda, porque não pode ser incluído na base de cálculo do IR um valor que não é acréscimo patrimonial.

A posição atual da jurisprudência

A questão da inclusão da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido na base de cálculo do imposto de renda está sendo apreciada pelo Supremo Tribunal Federal. O Recurso Extraordinário nº 582525 [04] foi interposto contra decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, discutindo a constitucionalidade do artigo 1º, caput e parágrafo único da Lei 9.613/96, que veda a dedução do valor da CSLL para efeito de determinação do lucro real e apuração do imposto de renda da pessoa jurídica.

No citado processo, o recorrente afirmou que a inclusão da CSLL na base de cálculo do IR viola o 146, inciso III, letra "a" da CF, que remete para lei complementar a alteração de legislação tributária, quando o dispositivo impugnado consta de lei ordinária. Sustentou que o Código Tributário Nacional foi recepcionado como lei complementar, não podendo, por isto, ser sobrepujado pela lei 9613/96, que é ordinária. Também defendeu que a Constituição deixa implícito que renda é constituída da apuração de ingressos menos despesas, que a CSLL é despesa obrigatória da empresa, não facultativa, e que um tributo não pode integrar a base de cálculo de outro.

Após o reconhecimento da repercussão geral da matéria, o ministro relator Joaquim Barbosa votou de forma contrária ao recurso, afirmando que a CSSL não é despesa operacional, essencial à manutenção da atividade da empresa, mas sim um gasto decorrente do lucro dela. Afirmou também que o valor destinado à CSLL não deixa de ser um lucro, só porque o seria destinado ao pagamento de tributo. Asseverou que somente as despesas operacionais ou necessárias, ligadas diretamente à manutenção da atividade econômica poderiam ser deduzidas para obtenção do lucro real.

Também disse não haver violação da reserva legal de lei complementar para dispor sobre normas gerais em matérias de imposto de renda, porque os artigos 43 e 44 do CTN não teriam especificado o significado de lucro real.

O ministro Marco Aurélio proferiu voto a favor do contribuinte, sustentando que a CSLL é ônus, e não acréscimo patrimonial, e que no seu entendimento, não é renda e não pode ser incluída na base de cálculo do IRPJ.

O julgamento foi interrompido por pedido de vista do Ministro Cezar Peluso, e, até a presente data, março de 2009, ainda não foi retomado.


Conclusão

De todo o exposto, conclui-se que a inclusão da CSLL na base de cálculo do Imposto de Renda prevista na lei 9316/96 é inconstitucional e ilegal, porque contraria o conceito de renda posto na Constituição e no Código Tributário Nacional. De fato, se o conceito de renda não pode ultrapassar o significado de acréscimo patrimonial, ou seja, o imposto não poderá incidir sobre um valor que não seja incremento no patrimônio, tal como a Contribuição social sobre o lucro líquido, inclusive porque uma lei ordinária não pode contrariar lei complementar (CTN) e a própria Constituição. A questão está pendente de decisão perante o Supremo Tribunal Federal, já tendo sido proferido um voto a favor e um voto contra o contribuinte.


Referências Bibliográficas

BARRETO, Paulo Ayres, in DINIZ DE SATI, Eurico Marcos (Org.), Curso de especialização em direito tributário: estudos analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho, 1ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 2005, fls. 774

BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

BRASIL. Código Tributário Nacional: Lei nº. 5.172 de 25.10.1966.

COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, 6ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 2001.

DENARI, Zelmo. Curso de Direito tributário de acordo com a Constituição de 1988, 6ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2000.

FERREIRA SOBRINHO, José Wilson. Direito tributário: temas pontuais, 1ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2001.

HIGUCHI, Hiromi, HIGUSHI, Fábio Hiroshi, Imposto de Renda das Empresas Interpretação e Prática. 30ª ed. São Paulo, IR Publicações, 2005.

MACHADO, Hugo de Brito. Temas de direito tributário II, 1ª ed , São Paulo Editora Revista dos Tribunais, 1994.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, 29ª ed. Revista atualizada e ampliada, São Paulo, Malheiros editores, 2008..

PEIXOTO, Marcelo Magalhães. O conceito constitucional de renda. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 601, 1 mar. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6345>. Acesso em: 09 mar. 2009

ROLIM, João Dácio. Imposto de renda: Estudos, vol. 39, Resenha Tributária, 1994.

ROLIM, João Dácio. O conceito jurídico de renda e proventos de qualquer natureza: alguns casos concretos – adições e exclusões ao lucro real. In ROCHA, Valdir de Oliveira (Coor.) Imposto de renda: questões atuais e emergentes, 1ª ed. Dialética, São Paulo, 1995.


Notas

  1. MACHADO, Hugo de Brito. Temas de Direito Tributário II, 1ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1994, p. 83.
  2. BARRETO, Paulo Ayres, in DINIZ DE SATI, Eurico Marcos (Org.), Curso de especialização em direito tributário: estudos analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho, 1ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 2005, fls. 774
  3. ROLIM, João Dácio. Imposto de renda: Estudos, vol. 39, Resenha Tributária, 1994, p. 25
  4. STF – Recurso Extraordinário 582525. Origem: São Paulo. Relator: Min. Joaquim Barbosa. Recorrente: Santander S.A – Serviços Técnicos, Administrativos e de Corretagem de Seguros (denominação atual do Banespa SA); Recorrido: União Federal.

Soraya Marina Barcelos

Advogada do Escritório Elcio Reis e Advogados Associados, Mestranda em Direito Empresarial pela Faculdade Milton Campos. Pós-graduada em Direito Tributário e em Direito Empresarial

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