O ICMS, a Cofins e as duas faces da moeda
Mary Elbe Queiroz e Antonio Elmo Queiroz – Com o resultado parcial do julgamento do Recurso Extraordinário nº 240.785, que aponta a tendência do Supremo Tribunal Federal (STF) em acatar o argumento de que o ICMS não deve compor a base de cálculo da Cofins, criou-se um frêmito no meio jurídico, sempre sequioso de novas fronteiras a desbravar. E, de fato, o direcionamento adotado pelo Supremo é promissor, pois de acordo com os princípios e fundamentos que devem nortear a incidência tributária.
Contudo, é prudente que todos sejam cautelosos diante da insegurança evidenciada nas últimas reversões de jurisprudência já assentada ao longo dos tempos, tanto no Supremo – caso do IPI alíquota zero – como no Superior Tribunal de Justiça (STJ) – caso do crédito-prêmio IPI -, e também no tocante à cobrança da Cofins das sociedades profissionais, tema já pacificado e até sumulado pelo STJ e que teve decisão diversa no Supremo.
Vale reconhecer que, quando há mudança de entendimento, somente resta aos jurisdicionados que confiaram na jurisprudência consolidada assumirem sozinhos a responsabilidade e o ônus da sua boa-fé e, repita-se, da confiança legítima.
Portanto, recomenda-se, doravante, que as empresas tenham cuidados redobrados ao adotarem novas teses, ainda que fundamentadas em sólidas bases jurídicas e endossadas por pareceres ou mesmo pelas instâncias judiciais inferiores e até por tribunais, já que, vários e vários anos depois, elas estão passíveis de serem singelamente surpreendidas – casamento infernal para os negócios: imprevisibilidade do futuro aliada à incerteza quanto ao passado. Tudo a redundar, a cada malogro, em passivos de grande monta a serem suportados pelos contribuintes.
Especificamente no tocante à possibilidade de exclusão do ICMS da base de cálculo da Cofins, é importante reconhecer que, se for mantida a atual posição do Supremo, já claramente favorável aos contribuintes, a coisa julgada seria produzida justamente pelo mais elevado órgão judicial, que estaria fixando, mais que um precedente, uma incontornável jurisprudência.
A título de prevenção, é sensato agir com cautela, ainda que esta prudência custe uma tributação maior a curto prazo
Porém, de imediato é aconselhável que sejam tomadas maiores precauções, pois nem mesmo quanto à Cofins esta decisão é definitiva. E muito mais: toda cautela ao se procurar estender o argumento para situações similares, tais como excluir também o ISS da base de cálculo da Cofins e do PIS; da base do ISS, a Cofins e o PIS; e da base do ICMS a Cofins e o PIS. Sem falar na cobrança do ICMS “por dentro” etc. Até porque, mantida a interpretação para a Cofins, será insustentável negar os mesmos reflexos em relação aos demais tributos, por uma questão de uniformidade, coerência e respeito ao arquétipo constitucional.
Ainda que vingue definitivamente esta tendência, deve-se refletir com muito cuidado sobre seus possíveis desdobramentos, para os quais os estudiosos e contribuintes devem estar alertas, pois futuramente conseqüências nefastas poderão surpreender a todos. É que, se ficar estabelecido que o ICMS, ISS etc. não são verbas próprias das empresas, devendo ser expurgadas do faturamento, estar-se-ia patenteando que as empresas estariam sendo meros agentes arrecadadores das mesmas.
Ora, assim estabelecido, sem dúvida diminuiria a carga tributária do PIS/Cofins, ICMS etc. Mas, em contrapartida, poderia ser passível de solidificar-se outro efeito colateral: é que, por conseqüência do argumento utilizado para justificar as citadas exclusões das bases de cálculo, as empresas poderiam ser enquadradas como depositárias daquelas verbas. E, por decorrência, se atrasassem o pagamento do ISS, por exemplo, será que não se levantaria a possibilidade de elas serem consideradas depositárias infiéis, com seus responsáveis passíveis de serem sancionados com prisão?
Este raciocínio não é de todo ilógico. Basta imaginar que hoje nenhum fato é impossível de acontecer diante da imprevisibilidade reinante. Esta possibilidade, entretanto, diante da disseminação destes enquadramentos, poderá levar ao caos reinante no ambiente de negócios. Ademais, quando de pagamentos indevidos de qualquer tributo, será que as empresas poderiam pleitear diretamente o ressarcimento – pois, se definido que não são contribuintes de fato, elas careceriam sempre das impraticáveis autorizações para obter o direito à restituição ou compensação, conforme estabelece o artigo 166 do Código Tributário Nacional (CTN)?
Assim, a título de prevenção, é sensato, mais do que nunca, agir com cautela e buscar resgatar a milenar diferença entre tática e estratégia, com incisiva observação do contexto macro e a longo prazo, evitando-se pleitear de forma açodada e às vezes, indiretamente, provocando a subversão de pilares consolidados, ainda que esta prudência custe uma tributação maior a curto prazo. Só assim poderá ser assumido o peso do ônus que poderá sobrevir ao alívio do bônus.
Mary Elbe Queiroz e Antonio Elmo Queiroz são, respectivamente, doutora e mestre em direito tributário, professora do programa de doutorado da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e presidente do Centro Avançado de Estudos Tributários e Finanças Públicas do Brasil (Ceat) e do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários (Ipet); e advogado pós-graduado em direito público.
Contudo, é prudente que todos sejam cautelosos diante da insegurança evidenciada nas últimas reversões de jurisprudência já assentada ao longo dos tempos, tanto no Supremo – caso do IPI alíquota zero – como no Superior Tribunal de Justiça (STJ) – caso do crédito-prêmio IPI -, e também no tocante à cobrança da Cofins das sociedades profissionais, tema já pacificado e até sumulado pelo STJ e que teve decisão diversa no Supremo.
Vale reconhecer que, quando há mudança de entendimento, somente resta aos jurisdicionados que confiaram na jurisprudência consolidada assumirem sozinhos a responsabilidade e o ônus da sua boa-fé e, repita-se, da confiança legítima.
Portanto, recomenda-se, doravante, que as empresas tenham cuidados redobrados ao adotarem novas teses, ainda que fundamentadas em sólidas bases jurídicas e endossadas por pareceres ou mesmo pelas instâncias judiciais inferiores e até por tribunais, já que, vários e vários anos depois, elas estão passíveis de serem singelamente surpreendidas – casamento infernal para os negócios: imprevisibilidade do futuro aliada à incerteza quanto ao passado. Tudo a redundar, a cada malogro, em passivos de grande monta a serem suportados pelos contribuintes.
Especificamente no tocante à possibilidade de exclusão do ICMS da base de cálculo da Cofins, é importante reconhecer que, se for mantida a atual posição do Supremo, já claramente favorável aos contribuintes, a coisa julgada seria produzida justamente pelo mais elevado órgão judicial, que estaria fixando, mais que um precedente, uma incontornável jurisprudência.
A título de prevenção, é sensato agir com cautela, ainda que esta prudência custe uma tributação maior a curto prazo
Porém, de imediato é aconselhável que sejam tomadas maiores precauções, pois nem mesmo quanto à Cofins esta decisão é definitiva. E muito mais: toda cautela ao se procurar estender o argumento para situações similares, tais como excluir também o ISS da base de cálculo da Cofins e do PIS; da base do ISS, a Cofins e o PIS; e da base do ICMS a Cofins e o PIS. Sem falar na cobrança do ICMS “por dentro” etc. Até porque, mantida a interpretação para a Cofins, será insustentável negar os mesmos reflexos em relação aos demais tributos, por uma questão de uniformidade, coerência e respeito ao arquétipo constitucional.
Ainda que vingue definitivamente esta tendência, deve-se refletir com muito cuidado sobre seus possíveis desdobramentos, para os quais os estudiosos e contribuintes devem estar alertas, pois futuramente conseqüências nefastas poderão surpreender a todos. É que, se ficar estabelecido que o ICMS, ISS etc. não são verbas próprias das empresas, devendo ser expurgadas do faturamento, estar-se-ia patenteando que as empresas estariam sendo meros agentes arrecadadores das mesmas.
Ora, assim estabelecido, sem dúvida diminuiria a carga tributária do PIS/Cofins, ICMS etc. Mas, em contrapartida, poderia ser passível de solidificar-se outro efeito colateral: é que, por conseqüência do argumento utilizado para justificar as citadas exclusões das bases de cálculo, as empresas poderiam ser enquadradas como depositárias daquelas verbas. E, por decorrência, se atrasassem o pagamento do ISS, por exemplo, será que não se levantaria a possibilidade de elas serem consideradas depositárias infiéis, com seus responsáveis passíveis de serem sancionados com prisão?
Este raciocínio não é de todo ilógico. Basta imaginar que hoje nenhum fato é impossível de acontecer diante da imprevisibilidade reinante. Esta possibilidade, entretanto, diante da disseminação destes enquadramentos, poderá levar ao caos reinante no ambiente de negócios. Ademais, quando de pagamentos indevidos de qualquer tributo, será que as empresas poderiam pleitear diretamente o ressarcimento – pois, se definido que não são contribuintes de fato, elas careceriam sempre das impraticáveis autorizações para obter o direito à restituição ou compensação, conforme estabelece o artigo 166 do Código Tributário Nacional (CTN)?
Assim, a título de prevenção, é sensato, mais do que nunca, agir com cautela e buscar resgatar a milenar diferença entre tática e estratégia, com incisiva observação do contexto macro e a longo prazo, evitando-se pleitear de forma açodada e às vezes, indiretamente, provocando a subversão de pilares consolidados, ainda que esta prudência custe uma tributação maior a curto prazo. Só assim poderá ser assumido o peso do ônus que poderá sobrevir ao alívio do bônus.
Mary Elbe Queiroz e Antonio Elmo Queiroz são, respectivamente, doutora e mestre em direito tributário, professora do programa de doutorado da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e presidente do Centro Avançado de Estudos Tributários e Finanças Públicas do Brasil (Ceat) e do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários (Ipet); e advogado pós-graduado em direito público.