Decretação de Indisponibilidade de Bens e Direitos
Juliano Marini Siqueira
A aplicação da decretação de indisponibilidade de bens e direitos deu-se através da Lei Complementar 118 de 2005, que introduziu novo artigo ao Código Tributário Nacional, onde determina que na hipótese do devedor tributário, devidamente citado, não pagar, deixar de apresentar bens à penhora e tampouco forem encontrados bens penhoráveis, determinará o juiz a indisponibilidade de seus bens e direitos.
A referida medida foi introduzida no Código Tributário Nacional, por meio do artigo 185-A, a qual dispõe que após ser decretada a indisponibilidade de bens e direitos, haverá a comunicação da decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e às entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial.
Vejamos que a decretação de indisponibilidade de bens e direitos consiste em uma medida decretada pelo Magistrado, que em geral, versa na proibição do proprietário do bem o direito de aliená-lo (vende-lo e transferi-lo à outra pessoa) ou onerá-lo (dar em garantia). Desta forma, pode-se afirmar que trata-se de uma medida cautelar voltada para a eficácia de atos futuros de constrição patrimonial, funcionando como um importante mecanismo de resguardo dos interesses da Fazenda Pública como credora.
Portanto, o Magistrado, ao se deparar com o pedido da Fazenda Pública, tem por obrigação validar a presença de todos os requisitos legais para o deferimento e a pertinência da medida no caso concreto, uma vez que estamos falando de uma medida que atinge de forma drástica o patrimônio individual ou empresarial do contribuinte, que por sua vez encontra-se sendo executado por um suposto débito não pago.
Assim, recentemente, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça definiu, em julgamento de Recurso repetitivo que para obter a decretação de indisponibilidade de bens e direitos na Execução Fiscal, a Fazenda Pública terá de comprovar ao juiz o esgotamento de diligências em busca de bens penhoráveis, que entre elas devem estar o acionamento do BacenJud (penhora on-line), bem como a expedição de ofícios aos registros públicos do domicílio do contribuinte (executado) e ao Departamento de Trânsito Nacional ou Estadual (Denatran ou Detran) para que informam se há patrimônio em nome do devedor tributário.
O relator do recurso repetitivo, o Ministro Og Fernandes, salientou que a ordem judicial para a decretação de indisponibilidade é, portanto, cabível, após os seguintes atos:
I – Citação do Executado;
II – Inexistência de Pagamento ou;
III – Oferecimento de bens à penhora no prazo legal;
IV – Não localização de bens penhoráveis após o esgotamento das diligências realizadas pela Fazenda Pública.
A título de informação, abaixo segue o julgamento mencionado acima, que aconteceu no último dia 07 de dezembro de 2014.
TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ N. 8/2008. EXECUÇÃO FISCAL. ART. 185-A DO CTN. INDISPONIBILIDADE DE BENS E DIREITOS DO DEVEDOR. ANÁLISE RAZOÁVEL DO ESGOTAMENTO DE DILIGÊNCIAS PARA LOCALIZAÇÃO DE BENS DO DEVEDOR. NECESSIDADE.
1. Para efeitos de aplicação do disposto no art. 543-C do CPC, e levando em consideração o entendimento consolidado por esta Corte Superior de Justiça, firma-se compreensão no sentido de que a indisponibilidade de bens e direitos autorizada pelo art. 185-A do CTN depende da observância dos seguintes requisitos: (i) citação do devedor tributário; (ii) inexistência de pagamento ou apresentação de bens à penhora no prazo legal; e (iii) a não localização de bens penhoráveis após esgotamento das diligências realizadas pela Fazenda, caracterizado quando houver nos autos (a) pedido de acionamento do Bacen Jud e consequente determinação pelo magistrado e (b) a expedição de ofícios aos registros públicos do domicílio do executado e ao Departamento Nacional ou Estadual de Trânsito – DENATRAN ou DETRAN.
2. O bloqueio universal de bens e de direitos previsto no art. 185-A do CTN não se confunde com a penhora de dinheiro aplicado em instituições financeiras, por meio do Sistema BACENJUD, disciplinada no art. 655-A do CPC.
3. As disposições do art. 185-A do CTN abrangerão todo e qualquer bem ou direito do devedor, observado como limite o valor do crédito tributário, e dependerão do preenchimento dos seguintes requisitos: (i) citação do executado; (ii) inexistência de pagamento ou de oferecimento de bens à penhora no prazo legal; e, por fim, (iii) não forem encontrados bens penhoráveis.
4. A aplicação da referida prerrogativa da Fazenda Pública pressupõe a comprovação de que, em relação ao último requisito, houve o esgotamento das diligências para localização de bens do devedor.
5. Resta saber, apenas, se as diligências realizadas pela exequente e infrutíferas para o que se destinavam podem ser consideradas suficientes a permitir que se afirme, com segurança, que não foram encontrados bens penhoráveis, e, por consequência, determinar a indisponibilidade de bens.
6. O deslinde de controvérsias idênticas à dos autos exige do magistrado ponderação a respeito das diligências levadas a efeito pelo exequente, para saber se elas correspondem, razoavelmente, a todas aquelas que poderiam ser realizadas antes da constrição consistente na indisponibilidade de bens.
7. A análise razoável dos instrumentos que se encontram à disposição da Fazenda permite concluir que houve o esgotamento das diligências quando demonstradas as seguintes medidas: (i) acionamento do Bacen Jud; e (ii) expedição de ofícios aos registros públicos do domicílio do executado e ao Departamento Nacional ou Estadual de Trânsito – DENATRAN ou DETRAN.
8. No caso concreto, o Tribunal de origem não apreciou a demanda à luz da tese repetitiva, exigindo-se, portanto, o retorno dos autos à origem para, diante dos fatos que lhe forem demonstrados, aplicar a orientação jurisprudencial que este Tribunal Superior adota neste recurso.
9. Recurso especial a que se dá provimento para anular o acórdão impugnado, no sentido de que outro seja proferido em seu lugar, observando as orientações delineadas na presente decisão.
Reitera-se que, só há caracterização do esgotamento das diligências realizadas pela Fazenda Pública quando estas forem devidamente comprovadas nos autos. Tal comprovação acontece através do pedido de acionamento do BacenJud, e a expedição de ofícios aos registros públicos do domicílio do executado e ao Departamento Nacional ou Estadual de Trânsito (Denatran ou Detran).
A finalidade principal de todas essas comprovações é única e exclusivamente para restar confirmado, com segurança, que não foram encontrados bens passíveis de garantir o crédito tributário.
Eis o momento em que surge a dúvida quanto ao resultado prático da decretação de indisponibilidade de bens e direitos na Execução Fiscal, isto porque, conforme claramente decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, a medida somente será deferida após o esgotamento de inúmeras diligências infrutíferas buscando a localização de bens penhoráveis.
Com isso, tem-se tornado constante o seguinte questionamento: quais as chances de serem localizados através da decretação de indisponibilidade bens passíveis de garantir o crédito tributário, tendo em vista a existência anterior de inúmeras diligências (sem êxito) realizadas pela Fazenda Pública?
O que se tem visto na prática é que mesmo utilizando-se da decretação de indisponibilidade de bens, os resultados positivos desta medida raramente acontecem, uma vez que os devedores, ou são hipossuficientes, não possuindo bens e direitos capazes de adimplir o débito cobrado, ou se utilizam de práticas escusas, mantendo seus bens em nome de terceiros, tornando a indisponibilidade completamente ineficaz.
Vale ressaltar que o referido bloqueio, quando positivo, traz como resultado a indisponibilidade de bens ou direitos totalmente insignificantes ou impenhoráveis, tais como poupança, salários, ou bens de família.
Além disso, vale lembrar que os trâmites burocráticos exigidos para a implantação da aludida decretação são extremamente onerosos para o aparato judiciário já abarrotado de ações, posto que a medida não equivale à simples penhora, mas sim ato preparatório e excepcional, altamente invasivo, que deve ser utilizado com cautela, razão pela qual não é utilizado de forma rotineira nos feitos executivos.
Vejamos.
AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO FISCAL – PEDIDO DE INDISPONIBILIDADE DOS BENS DO DEVEDOR – ART. 185-A DOCTN – MEDIDA EXCEPCIONAL – NECESSIDADE DE EXAURIMENTO DE TENTATIVAS DE LOCALIZAÇÃO DE BENS PASSÍVEIS DE PENHORA E SOMENTE NAS HIPÓTESES DE INTERESSE DA PRÓPRIA JUSTIÇA.
1. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que a indisponibilidade de bens do devedor, prevista no art. 185-A do CTN, é medida excepcional, devendo ser comprovado o exaurimento das tentativas de localização de bens do executado passíveis de penhora.
2. Por outro lado, mesmo nos casos em que tenha havido o esgotamento das diligências da Fazenda em busca de bens penhoráveis, a medida prevista no art. 185-A do CTN deve ser adotada com cautela e somente em casos especiais, no interesse da própria Justiça e quando houver indicação da existência de bens do devedor, não se justificando a expedição de ofícios para todos os órgãos postulados, o que sobrecarregaria a máquina judiciária com uma incumbência que, a priori, constitui ônus do exequente.
3. Precedentes do STJ.
4. Agravo interno conhecido e não provido.
(Processo AG 201102010074964, Desembargador Federal Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, julgamento 20/03/2012, Terceira Turma) (grifo nosso)
É de notória perceptibilidade que o Poder Judiciário encontra-se atualmente sobrecarregado com atribuições de sua própria competência, e transformar a decretação de indisponibilidade de bens e direitos em algo rotineiro, sem a devida cautela e comprovação do cumprimento de seus requisitos específicos, resultaria em uma majoração de morosidade da máquina judiciária na esfera fiscal.
Alias, além de aumentar a morosidade do Sistema Judiciário estaria impondo a este órgão uma atribuição que, inicialmente, não lhe pertence, visto ser dever do credor (exequente) a localização do devedor (executado) e de seus bens.
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. INDISPONIBILIDADE DE BENS. ART 185-A DO CTN. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO NO CASO. ÔNUS DO CREDOR. PRECEDENTES. AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO.
1. Trata-se de agravo de instrumento interposto pela União ante decisão que indeferiu pedido de indisponibilidade de bens e direitos do executado, suspendendo, ainda, o feito executivo.
2. Apesar de assistir ao credor o direito de ver satisfeito o seu crédito, só se deve deferir a medida prevista no art. 185-A em hipóteses especiais. Constitui ônus do exequente envidar os esforços necessários à localização de bens do executado.
3. Como requerida, a indisponibilidade pretende transferir ao Judiciário ônus que é do exequente, qual seja, o de localizar bens do devedor passíveis de restrição, quando já utilizados todos os sistemas eletrônicos de constrição disponíveis ao juízo.
4. Precedentes. Agravo de Instrumento improvido.
(Processo AG 3372220144050000, Relator Desembargador Rogério Roberto Gonçalves de Abreu, julgamento 20/05/2014, Quarta Turma) (grifo nosso).
Conclui-se, então, que a decretação de indisponibilidade de bens e direitos deve ser aplicada ao caso concreto com extrema cautela, e tão somente em casos especiais, como forma de efetividade tanto ao contribuinte, como ao Fisco, uma vez que para o primeiro é uma medida de alto cunho invasivo, e para a parte contrária – que em tese seria beneficiada – raramente surte efeitos positivos na prática, o que se torna, para muitos, uma medida ineficaz.
Juliano Marini Siqueira
Advogado.
Graduado pela Fundação de Ensino “Eurípides Soares da Rocha” – Faculdade de Direito de Marília em 2013.
Cursando especialização em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).