A responsabilidade dos débitos na alienação do estabelecimento empresarial
Luciano Rodrigues da Silva
Com a economia do país em alta e com as promessas do governo de mais crescimento, tem-se instigado cada vez mais os novos empreendedores a iniciar seus próprios negócios e, por conseguinte, constituindo seu estabelecimento empresarial ou adquirindo um já em atividade.
Neste trabalho trataremos de demonstrar quais as obrigações assumidas pelo comprador e pelo vendedor do estabelecimento empresarial.
No meio empresarial é muito comum ser proposto o negócio de compra e venda de estabelecimento, pela expressão "passe-se o ponto".
Para melhor entendimento, é necessário conceituar o que vem a ser estabelecimento comercial, que é o conjunto de bens que o empresário utiliza para a exploração de sua atividade econômica, ou seja, é uma universalidade de bens que servem para o desenvolvimento da atividade empresarial (art. 1.142 C/C). Esse complexo é formado tanto pelos bens corpóreos ou incorpóreos, como por ex: instalações, estoques, máquinas, equipamentos, imóveis, veículos, carteira de clientes, marcas, tecnologia, ponto comercial.
O estabelecimento não possui personalidade jurídica, não tem capacidade de exercer direitos nem contrair obrigações. É um bem que integra o patrimônio do empresário, este sim dotado de personalidade jurídica.
Sendo uma universalidade, de fato, formada pela vontade do empresário, o estabelecimento pode ser alienado a qualquer momento.
O contrato de compra e venda do estabelecimento denomina – se trespasse, ou seja, é o mesmo que ceder ou vender a outrem.
Por força do contrato de trespasse, o alienante (vendedor) se obriga a transferir o domínio do estabelecimento (todos os bens que servem à atividade empresarial) e o adquirente (comprador) se obriga a pagar o preço avençado, assumindo, também, outros ônus, por imposição legal, que comentaremos adiante com mais detalhes.
Para que o contrato de trespasse seja eficaz perante terceiros, deve ser averbado à margem do registro do empresário ou da sociedade empresária na Junta Comercial e publicado no Diário Oficial do Estado. (art.1.144, C/C)
Além dos requisitos acima, para que a negociação do estabelecimento se torne perfeita, ela não deve causar prejuízo aos credores do alienante. Portanto, o legislador, preocupado em preservar os interesses dos credores e evitar fraude com a alienação do estabelecimento, estabeleceu a seguinte regra:
Se no patrimônio do alienante (vendedor) não restar bens suficientes para saldar seu passivo, para que a alienação do estabelecimento seja eficaz, deverá o vendedor pagar todos os credores ou notificá-los, a fim de obter anuência destes, de modo expresso ou tácito que, deverão manifestar-se sobre a operação, no prazo de trinta dias a contar da notificação. Após este prazo, sem expressar nenhuma oposição, considerar-se-à aceita, tacitamente, a negociação. (art.1.145 C/C)
Já no caso de não restarem bens no patrimônio do alienante, suficientes para saldar seu passivo e este não proceder a notificação aos credores, o contrato de trespasse firmado será ineficaz. Ocorrendo esta situação, o credor poderá pedir a falência do empresário ou sociedade empresária. (art.94, III, c, Lei 11.101/05)
Quanto às dívidas tributárias e trabalhistas, não se aplicam essas regras. Os tratamentos dispensados a esses débitos, serão analisados adiante.
Responsabilidade pelas dívidas anteriores à alienação.
Prevê o artigo 1.146, do Código Civil, que o adquirente do estabelecimento responde pelas dívidas anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizadas. O alienante será, solidariamente, obrigado pelos débitos, durante o prazo de um ano, a contar do prazo da publicação da negociação para os débitos vencidos e a partir do vencimento das dívidas vincendas. (grifos nossos).
A regra é de responsabilidade solidária, ou seja, o credor poderá efetuar a cobrança contra o adquirente, bem como o alienante. Não há beneficio de ordem.
O comprador do Estabelecimento, somente será responsabilizado pelas dívidas, devidamente contabilizadas, anteriores ao trespasse, porque presume-se que ele as conhecia.
A contabilidade será o instrumento de análise, a qual mostrará, ao adquirente, os valores que poderá ser responsabilizado a pagar.
Para sua segurança e para não ser surpreendido, o adquirente do estabelecimento deverá solicitar um balanço encerrado até, no máximo, um mês antes da data que pretende firmar o contrato de trespasse. É prudente o adquirente solicitar os documentos contábeis do alienante (Diário, Razão), a fim de verificar a veracidade dos débitos contabilizados, se houver, para obter a certeza de que os valores referentes aos débitos estão contabilizados. Deve, ainda, fazer o confronto entre os relatórios emitidos, pelo alienante com a contabilidade, podendo o balanço emitido servir de anexo ao contrato de trespasse.
A contabilidade servirá de instrumento e espelhará a realidade da sociedade. Assim, o que não estiver contabilizado, desobriga o adquirente de seu pagamento. Portanto, os débitos contraídos antes do trespasse que não foi objeto de contabilização, ou seja, os débitos que o adquirente desconhecia, serão de responsabilidade, somente, do alienante.
Portanto, a contabilidade, em relação à alienação do estabelecimento, é de suma importância. Uma contabilidade em ordem trará transparência no momento da negociação e ambas as partes serão beneficiadas, bem como saberão, de imediato, o grau de suas responsabilidades em relação às dívidas, lembrando que essa regra também não se aplica às dívidas tributárias e trabalhistas, tratamento que será analisado a seguir.
Responsabilidade tributária e trabalhista na alienação do estabelecimento
Em relação às dívidas tributárias, quando ocorrer o trespasse, o Código Tributário Nacional prevê no seu artigo 133, de quem será a sua responsabilidade.
Assim estabelece o referido artigo:
a) se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade após o trespasse, o adquirente responde integralmente pelos tributos relativos ao estabelecimento adquirido
b) caso o alienante prossiga na exploração da atividade, ou a reinicie dentro de 6 (seis) meses a contar da data da alienação, nova atividade, seja no mesmo ramo ou em outro qualquer, o adquirente responde subsidiariamente pelos tributos referidos no item "a".
Ocorrendo a hipótese do item "a", o adquirente será o sucessor do alienante nas dívidas tributárias e responderá, sozinho, pelos débitos fiscais, cujo fato gerador do tributo ocorreu antes do trespasse. Já no item "b", o alienante continua como devedor principal e o adquirente será o responsável subsidiário, ou seja, primeiramente será acionado o alienante, para que este efetue o pagamento. Caso esse não possua bens para saldar a dívida tributária, o adquirente será responsabilizado pelos débitos.
Quanto aos créditos trabalhistas e os contratos de trabalho relacionados, a doutrina, amplamente majoritária, entende que estes não são afetados pelo trespasse. Esse entendimento se dá pela interpretação lógica e literal dos Artigos 10 e 448, da Consolidação das Leis do Trabalho, que determinam, em apertada síntese, que mudanças na propriedade ou nos ativos da empresa não afetam os contratos de trabalho, podendo os empregados reclamar, a qualquer tempo, os créditos trabalhistas, tanto do alienante, quanto do adquirente.
Independente de estarem contabilizadas, em se tratando de dívidas fiscais e trabalhistas, o adquirente é sempre sucessor do alienante.
Conclusão
Mesmo apresentando a contabilidade e alegando que não existem dívidas, o adquirente deve tomar precaução, devendo fazer constar no contrato, cláusulas que indicam a inexistência de dívidas do estabelecimento, tais como: declarar que a transferência do estabelecimento se dá com esse livre e desembaraçado de terceiros e quaisquer ônus ou dívidas tais como: aluguel, água, luz, fornecedores, tributos Federais, Estaduais e Municipais, e também dispor, expressamente, através de cláusulas contratuais, que qualquer tipo de débito que venha a recair sobre o estabelecimento, ora negociado, até a presente data, será única e exclusiva responsabilidade do alienante.
Mesmo que as cláusulas exemplificativas acima não retirem a responsabilidade do adquirente, principalmente por débitos tributários e trabalhistas, lhe garantem o direito de cobrar do alienante os valores que vier a pagar, uma vez que este assumiu os valores contratualmente. Portanto, poderá pleitear, em juízo, o reembolso dos valores que já tenha pagado. Neste caso, o alienante declarou, em contrato, informações inverídicas quanto a situação do estabelecimento, no momento da alienação, não podendo ser penalizado o adquirente de boa fé.
Luciano Rodrigues da Silva
Advogado Especialista em Direito Tributário pela Escola Superior de Advocacia da OAB/SP. Contabilista. Consultor tributário