Corte livra seguradoras de pagar IPI de veículos isentos
Por Luiza Calegari — De São Paulo
A transferência do que sobra de um veículo para a seguradora – após um acidente de trânsito, furto ou roubo – não está sujeita à incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) se o automóvel foi comprado com isenção do tributo. Recentemente, tanto a 1ª quanto a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) adotaram esse entendimento, que já prevalecia no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3).
A Lei nº 8.989, de 1995, prevê a isenção de IPI na venda de veículos para taxistas, cooperativas de táxi e pessoas com deficiência física, visual, auditiva e mental severa ou profunda, além de pessoas com transtorno do espectro autista, assim como seus responsáveis legais.
Se o veículo for revendido em até dois anos depois da compra, o Detran exige o pagamento do tributo para efetuar a transferência, com base no artigo 6º da lei. A medida foi instituída para impedir que compradores aproveitem a isenção e depois revendam o veículo a valor maior.
Nesses processos recentes que chegaram à Corte, o STJ teve que decidir se a mesma regra deveria ser aplicada quando o veículo é transferido para a seguradora, após um acidente. Isso ocorre quando a seguradora precisa pagar a indenização total, por roubo, furto e perda total do veículo. Ela se torna responsável pela destinação do que for recuperado, o que no jargão do setor é chamado de “salvado”.
Para poder pagar logo a indenização, as seguradoras vinham pagando o IPI nessa transferência mas, paralelamente, entravam com ação na Justiça para questionar a cobrança. Segundo elas, como essa transferência não é voluntária nem tem intenção de lucro, não deveria incidir o IPI sobre a transação.
Já segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), “a seguradora recupera o veículo e o integra ao seu patrimônio para posterior venda a terceiros, hipótese em que deve ser recolhido o imposto dispensado quando da aquisição do veículo, com os devidos acréscimos legais”.
No início de outubro, a 1ª Turma do STJ decidiu de forma favorável à Allianz Seguradora. Para o relator, ministro Gurgel de Faria, “não é possível penalizar nem o contribuinte beneficiário nem a seguradora com a perda da isenção fiscal, pois nessa relação não há a intenção de lucro, e o evento que ocasionou a perda do veículo foi alheio à vontade das partes” (AREsp 2849743). A decisão foi unânime.
Em outro processo judicial, no fim daquele mês, a 2ª Turma decidiu no mesmo sentido. Também por unanimidade, o colegiado acompanhou o entendimento do relator, ministro Afrânio Vilela. Ele aplicou a jurisprudência já existente da 2ª Turma da Corte no sentido de que o IPI não é devido quando “ausente a intenção de utilizar a legislação tributária para fins de enriquecimento indevido”.
Segundo o ministro, a “transferência do veículo, em caso de sinistro, não se amolda à previsão legal que faz cessar o benefício, sobretudo porque não se verifica, nessa circunstância, alienação propriamente dita, com caráter de voluntariedade” (AREsp 2694218).
Segundo as advogadas Fernanda Lobo, Cristiana Gesteira Costa Campos e Bartira Botteselli Hodge, do escritório Lobo Gonçalves Costa Campo, que representa a seguradora no processo, a tese do contribuinte já vinha sendo amplamente acolhida pelo TRF-3 “nas mais de 200 demandas propostas”.
No ano de 2022, a 3ª Turma do TRF-3 entendeu que, em uma situação parecida, a transferência do veículo foi feita “por força de contrato”. Assim, os desembargadores acompanharam a relatora, Consuelo Yoshida, para entender que o IPI não é devido se estiver “ausente a intenção de utilizar a legislação tributária com o propósito de enriquecimento indevido” (processo nº 5015176-44.2020.4.03.6100).
Nos dois casos levados ao STJ, a decisão também tinha sido favorável ao contribuinte, mas a Fazenda recorreu. “Trata-se de uma importante vitória não apenas para as seguradoras, que poderão equalizar os custos da indenização com as receitas dela decorrentes, como também para os segurados que, com a realização da transferência, poderão adquirir novo veículo com benefício fiscal”, afirma a advogada Fernanda Lobo.
Aurélio Longo Guerzoni, sócio-fundador do escritório Guerzoni Advogados, entende que a regra que estabelece o prazo mínimo de inalienabilidade tem o objetivo de coibir a obtenção de lucro com a revenda de veículos adquiridos com isenção do IPI, e, dessa forma, a decisão do STJ foi correta. “Como a transferência dos salvados à seguradora não configura alienação voluntária, o entendimento do STJ impede a distorção da legislação.”
“O reconhecimento da inexigibilidade do IPI na transferência dos salvados à seguradora consolida a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, restringindo o espaço de atuação da União para reverter um cenário que já lhe era desfavorável nos Tribunais Regionais Federais que apreciaram a controvérsia”, afirma o especialista.
Procuradas pelo Valor, a Allianz Seguradora e a PGFN não deram retorno até o fechamento desta reportagem.